Como o pão é farinha,
a eternidade é tempo fermentado temperada com os desacordos
humanos. Jamais li Platão, que dizia que o tempo é a imagem móvel
da eternidade. Isso não quer ser, nem parecer mais que: a eternidade
passou por aqui e não vimos. Passou e não a reconhecemos, porque
estava em movimento, e para reconhecê-la também devemos saber do
tempo, não o tempo confundido com o movimento. Mas para saber do
tempo, como queria Virgílio na Eneida, que tampouco li. Dizia
Virgílio, tão grande quanto Homero, que para conceituar o tempo
havemos de conhecer previamente a eternidade. É fácil notar que de
tanto querer fazer seu Enéas tão grande quanto Ulisses, fora
Virgílio somatizando as espertezas do astuto grego.
Temos o mal gosto de
achar que o tempo vem do passado e vai para o futuro. É tão
verdadeiro dizer o contrário, ou uma terceira. Todas prováveis e
não verificáveis. Isso é Borges puro, sem óculos escuros, por não
ocultar-se à cegueira, sem bengalas, manco e tateante.
Se pensarmos em Newton: Newton não vê maçã cair, sente a maçã na cabeça. A maçã
na cabeça é passado, tanto quanto maçã 'por cair' implica no
futuro: cairá. A questão é que ninguém vê a maçã cair, a vê
'por cair', ou como Newton a sente maçã caída. O que se quer
causar aqui é a supressão do presente. Filosofias e filósofos de terras de
Ghandi, que o consideram inapreensível, o presente. Caetano o
elevou – o tempo – à categoria dos deuses, ou o reentronizou,
tirando dos homens a capacidade de produzir o próprio destino, roendo o osso do presente.
Ultimamente ouço
alegações, que honestamente, estas sim, fazem total sentido se usar a locução: são inapreensíveis. Tais ditos dizem respeito a relação
do tempo matemático com o tempo biológico, e aqui entra o supremo
desacordo humano; o somar-se o tempo sacro. Isso tudo por ocasião do
horário de verão.
Uma das questões que teve cara de gente séria, por ocasião da teoria da
relatividade, foi a sincronia entre o tempo individual e o tempo esse: da
matemática; milésimos,centésimos, décimos de e segundos.
A coisa
se punha assim: se o tempo é um processo mental, como se pode
acertar os relógios entre indivíduos?
No horário de verão a
eternidade é adiantada ou diminuída em uma hora pelo Estado, e
todos padecemos, porque somente os humanos seguimos as orientações
do Estado, a eternidade está se lixando para o Estado. O descompasso
criado pelo Estado em nome da economia, nos faz viver fora de
fase, supondo haver fases na eternidade. Já vimos ser impossível apartar o tempo da eternidade como a farinha fermentada
do pão. Mas deve-se salientar que nenhum dos conceitos, vistos aqui: Platão, a anagênese de Enéias à Dido, mesmo recurso de Homero, e
do cinema de Hollywood – o flashback – entre tantos não são
exatamente a somatória do passado, presente e futuro. Não. A
eternidade é mais singela, mágica e espetacular, por se tratar da
simultaneidade do tempo, ou se queremos da simultaneidade do passado,
do presente e do futuro.
Assim a eternidade abraça todas as coisas,
e todas as coisas se silenciam nessa felicidade de ser tudo ao mesmo
tempo e eternamente.
Essa apoteose, essa
unanimidade já foi dita fervorosamente assim: "Toda coisa no céu
inteligível, também é céu, onde a terra é céu, os animais são
céu, as plantas, os machos e o mar. Tudo tem por espetáculo o mundo
que não foi gerado. Cada um se mede nos outros. Não havendo coisa
que não seja diáfana – que sendo compacta, não deixa passar a
luz – nada é impenetrável, nada é opaco e a luz encontra a luz.
Tudo está em todas as partes e tudo é o todo. Cada coisa é todas
as coisas. É sol é todas as estrelas, e todas as estrelas é cada
estrela e o sol. Ninguém caminha ali como se fosse uma terra
estrangeira".
Parece maravilhoso,
entretanto é puro terror em forma de museu. Estático se é museu. Mas pode-se
ir mais longe: "Homens maravilhados pelo mundo – sua
capacidade, sua formosura, a ordem de seu movimento continuo, os
deuses manifestos ou invisíveis a quem se recorre, os demônios,
arvores e animais - elevem o pensamento a essa realidade, de a que
tudo isso é uma copia. Pois na verdadeira eternidade verão as formas
inteligíveis, não com eternidade emprestada, mas eterna, verão ali
também a seu capitão, a Inteligencia pura, a Sabedoria inalcançável
e a idade genuína do Cronos, cujo nome é a Plenitude. Todas as
coisas imortais estão nele, cada intelecto, cada deus e cada alma.
Todos os lugares lhe estarão presentes. Aonde vais?
Diz o dito. A que provar mudanças ou vícios
desnecessárias no principio deste estado se os ganhou depois numa só
eternidade, as coisas são suas, essa eternidade que o tempo remeda ao
girar em torno da alma, sempre desertor de um passado, sempre
cobiçando um porvir".
Isto é um museu, petrificado. Não sei se o
ideou Platão, com certeza não. Mas é a eternidade povoada de
ideias, imutáveis. Plotino é mais pesadelo que visão, é menor que
nossa realidade, para nós a realidade, a última realidade, nos
informa o Boson de Higgs, a partícula de deus, mas ontem mesmo eram
os elétrons girando entorno ao núcleo, solitário até os confins
do cosmo. Deborah Secco é feita de Debora Secco, não gorduras
saudáveis ou princípios nitrogenados, por mais que lhe acrescentem
abstrações no Projac, de outra forma, os indivíduos são da
especies da qual participam e os incluem e são sua realidade
permanente, as tristezas no por do sol, essa antiga conexão com o
crepúsculo, a preguiça do amanhecer, as alegrias no meio da tarde,
o desconhecimento da morte, as recordações etc. Tudo isso nos
adverte a permitir o primado da espécie e perfeita nulidade dos
indivíduos.