A matéria é a
realidade, por se desconhecer outros mundos, ainda que se possa
conhecer Manga, pequeno município do norte Mineiro, e por mais
prosaico que seja Manga, Manga ainda pertence ao mundo real,
diferente de Macondo que só é verosimilhante, mimese e imitação.
Insisto com a
realidade, e não gastar tempo tentando camuflá-la. A ideologia, a
ciência econômica de nossos dias no seu aspecto ideológico e outros tantos cientificismos fazem contorcionismos, que pela graça particular de cada aspecto das
dobraduras, e vincos, continuam sempre a render dividendos a
analistas e comparsas, mas nem explicam a realidade, por leviandade,
nem ajudam de modo significativo ao capital, por incapacidade de
compreendê-lo, excetuando sempre o famigerado filisteu proveito
particular.
O recém nascido já
não é um ser biológico em si, pela interferência da medicina,
apesar de sua descendência histórica incipiente, sua historicidade
continua a se fazer imediatamente, já na primeira alimentação,
que se dará por uma decisão entre o aleitamento materno e o
artificial completo de implicações históricas e ideológicas. Não
se deve olvidar que a própria decisão entre parto natural e outros
tem seu cunho ideológico. Dessa maneira o ser é histórico por
natureza. Diferentemente de outros animais.
Houve um momento em que
cada indivíduo singular, na sua singularidade era capaz de decidir
por si, se era o momento de atacar a presa, ou não. Hoje tal decisão
inexiste. É leviano querer voltar a esse ponto do desenvolvimento
humano, voltar ao homem natural, como é ridículo sentir nostalgia,
enquanto implique em um desejo de passado. Alienado de decisões que
lhe são pertinentes, o próprio indivíduo está alienado, alienar é
esvaziar-se e como é ridículo voltar atrás, o é também permitir
esse total esvaziamento.
O homem esvaziado é
decorrência do modo de vida que leva, no capitalismo todas as
atitudes são capitalistas. A revolta de Lutero foi cristã, dentro
da cristandade.
Aqui chega-se, e o
homem é o que foi feito dele. Circunstâncias da natureza,
históricas e ocupação dentro da divisão do trabalho. Esvaziado,
para não dizer cheio de ideologia, contraditório como o sistema em
que vive. Defende o que o ataca, aquilo que o rarefaz das próprias
forças vitais. Triste contraponto ao ser, que, por nada, deveria
abdicar da retomada da liberdade. Se há uma utilidade, objetivo
humano este deve ser a liberdade. Se falamos em alienação do homem,
esvaziamento é porque o homem já foi livre, e se foi livre a
liberdade deve ser retomada.
Dentro deste homem
esvaziado a ideologia da classe dominante, praticada pela
intelectualidade, filósofos apoltronados, pensadores encastelados
quer, busca e encontra por meio deles, espaço para se alojar.
Se por um lado a
divisão do trabalho e a relação do homem com o trabalho o reduz a
máquina, animal de trabalho, a ponto de ter determinada sua ração
de consumo, e seu salário estar diretamente ligado a esta cesta. Daí
todos os cuidados e zelos do Estado em não permitir, ou permitir
dentro de patamares bem delineados de preços, o consumo necessário
do trabalhador. De uma maneira cínica, porque se o preço da cachaça
subir, obrigatório seria o aumento do salário, por isso a pinga é
barata. O que faz do trabalhador este animal ideologicamente
programado a exercer sisificamente sua função dentro da sociedade.
Os avanços da ciência médica, a melhoria da alimentação, a
higiene e o saneamento nas cidades, acabam por permitir maior tempo
de vida. Mas o trabalho o estropeou, o consumo desnecessário o
enferma, e faz que a aposentadoria do trabalhador seja um tempo de
consumidor de remédios e quando não morto por tédio. Ele não tem
o que fazer com o tempo livre da jubilação, se aborrece com a
televisão, com a falta de objetivo, vazio, posto que antes era
matéria de interesses alheio e o trabalho o enchia, retirado o
trabalho resta-lhe muito pouco o que fazer. Livre do trabalho, mas
sem saber o que fazer com essa liberdade, toma o tempo como se fosse
algo a ser preenchido com o aborrecimento de uma criança que desde
pequena é ensinada a preencher, de cores, desenhos carimbados na
folha, como atividade educativa. Assim já na escola mais fundamental
a ideologia se faz reproduzir, vicejar como método revolucionário,
mas não se trata, senão que, de condicionamento ideologicamente
preparado. A escola, em particular as de primeiro e segundo grau e
muitas das faculdades privadas que vicejam nos horizontes citadinos,
primam em meramente reproduzir o ambiente laboral, seus horários,
seus uniformes, interesse puro e simples do capital.
Efetivamente se pode
afirmar que o homem é aquilo que fizeram do homem. E se
contraditório todo o seu fazer e tudo quanto o rodeia, também o é
sua consciência, porque a individualidade só existe partindo do
indivíduo na sociedade, e de dentro desta sociedade é que se dá o
indivíduo, partindo dela. Não se parte do indivíduo para a
sociedade, mas justamente o seu oposto, o ser social é que se
individualiza, e o faz desde a realidade social. E se toda a
sociedade é contraditória, a consciência não poderia ser outra
coisa senão contraditória. Porque a consciência é a consciência
social individualizada, tomada do ser enquanto ser social. Porque a
consciência não repousa em si mesma, ela é dotada de
intencionalidade, ela está atirada no meio do mundo, é sujeito no
mundo, é o indivíduo jogado no meio do mundo. A consciência é o
sujeito. O sujeito não para e consulta sua consciência, ele é
consciência, e a consciência é a consciência gerada no mundo
real. E o mundo real é o mundo das contradições, então a
consciência é contraditória, o mais, como o próprio homem
alienado da possibilidade de livre decisão, ao decidir, é o mundo
real e contraditório que decide nele. Não existe consciência de um
lado e o mundo do outro. Por exemplo se vejo o sinal vermelho não
recorro à consciência para saber (eu) paro ou não?
O eu é a reflexão. Porque quando invoco o “eu” e reflexiono,
perco tempo em todo caso e a freada seria tardia, portanto sou
consciência freando diante do sinal vermelho. A consciência não
reflexiona. Vou ao cinema, não por reflexionar que é importante
para minha formação cultural, vou porque sim, sou consciência indo
ao cinema, assim como sou consciência atirando o quimba na calçada.
Por isso que a consciência está em risco, porque está misturada
com o mundo, se sujando com a lama do mundo, com o lixo do mundo, se
lapidando no atrito do mundo, com a guerra do mundo. A consciência
não tem compromisso com o interior, senão que com o exterior do
homem, como o próprio homem. E como o homem, a consciência encontra
sua unidade no mundo, entre as coisas do mundo, com a
intencionalidade do mundo, e como intenção é projeto, porque o
homem é projeto. Como projeto não pode ser coisa acabada, não é
'é porque é', é sim um vir a ser, e portanto não se pode dar como
obra emoldurada, acabada, o homem é assim, a vida é assim e pronto.
Contrariamente somos projetos, e consciências projetadas no mundo.