29 de jan. de 2016

Pontual.

Ele tinha esta clareza, aos encontros marcados, aos lugares que têm hora para começar, se vai ou não. Era o seu lema, sua ética. A frase não tem, como direi, brilho para luzir por ai, mas o identificava com tremenda precisão. Era um homem pontual, de raspão com a obsessão. A remota possibilidade de se atrasar lhe provocava desassossego, em flerte com a angústia. Especialmente na hora de viajar. Tanto fazia a distância. Vivia a três passos do ponto de ônibus, mas saia de casa uma hora antes, em qualquer caso. Óbvio, era sempre o primeiro. Isso lhe permitia o  excêntrico capricho: sentar no primeiro banco, corredor,  ao lado do motorista. Era a sua debilidade. Cada vez que o companheiro de poltrona descia e outro subia, cedia a passagem para a janela, era um preço que estava disposto a pagar, para usufruir da panorâmica, da paisagem, que o lugar oferecia. Na volta, a coisa se complicava. Custa crer, mas esse desejo, mania, era compartilhada com muitos companheiros geracionais. Alguma discussão em tom mais elevado foi vista na estação rodoviária, entre os aspirantes a copiloto do circular. Parece que o pessoal do primeiro e segundo quarto do séc XX tinha a personalidade mais definida. Basta se fixar nas velhas fotografias escolares. Rostos rudes. Não se comparam em nada com as fotos de funcionários felizes da M. Narizes importantes. Olhares para uma escadaria que baixa a um mundo inóspito, de quase miséria. Vida dura, ainda que se houvesse sido menino mimado em casa de boa família.

Baseado no fato de que Salvador Dali exigiu embarcar 48 h antes do navio zarpar para Nova York, na sua primeira ida aos EUA, por ter medo de perder a hora. 

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