22 de dez. de 2014

Porco espinho.


Há a fábula do porco-espinho, senão, invento agora, fazia frio, era a era glacial, e os porcos-espinhos morriam de frio. Como outros animais resolveram se juntar, para se aquecerem com o calor de seus corpos. Nada. Com os seus espinhos mais feriam uns aos outros que se aqueciam mutuamente. Assim se afastavam. E morriam de frio. Se aproximavam e se feriam. Houve um momento em que descobriram a exata distância. 
Algum ferimento sempre foi melhor que a morte.
Não somos porcos-espinhos, mas valha-me deus, quantos espinhos. Há palavras que espetam mais que peixeira. Ouvi dizer que depois das festas de fim de ano, aumentam os divórcios, sobredose de proximidade. Assim o que vale para o porco-espinho e para os casais, vale mutatis mutandis, para todas as relações: entre animais, pessoas, objetos e contextos, até para relações entre comunidades inteiras, Facebook,  seja o que for, vocês já me entendem. 
No templo de Apolo em Delfos há uma frase,  gnothi seauton, "conhece-te a ti próprio", esta é boa, mas não é essa, mas uma que diz:  meden agan, "nada em excesso".
De nada, muito. Prefiro assim. Ou uma que dizia meu avô: um pouco agrada, muito enfada, temos exemplos a caçambadas
Tenho amigos, quais os encontros mensais são aprazíveis, já o contato semanal é nefasto.. O mesmo digo de feijoada, por-do-sol e Sinatra, Beatles...Elza Soares...
Um tal Edward T. Hall inventou uma disciplina, a Proxêmia, cunhou o termo Proxêmica: proximidade ou distância entre indivíduos, notadamente do ponto de 
vista comportamental, cultural ou social.
Enfim, há uma distância necessária para “passar o ar” e não ter que sentir o hálito. Não é bem a questão de só provar e não se entupir, enfastiar, mas nem muito próximo nem distante, que dê para ver vindo e que te possa agarrar.




14 de dez. de 2014

Segredo, Tortura, Esqueletos e Ditadura.


Certeza que já aconteceu que, no meio de uma conversa, e sem que nada tenha a ver, o interlocutor, abaixe a voz, olhe para os lados: “Isso que te conto é segredo, segredo...tá” Se trara em geral de uma bobagem que até o reino mineral já criou musgo sobre. Penso duas coisas, a primeira é que as notícias correm, e correm mais que os que as fazem correr. A segunda, é que dos segundos o mundo está cheio. Não gosto de ouvir segredos, porque em geral ele já foi contado para outras pessoas, e quando o chega aos ouvidos do próprio interessado, este começará a investigar quem a vazou!
Uma pergunta seria: Quem sabe guardar segredos? Mas não é a pergunta, e sim essa: Há algum segredo que se conserve secreto? Cada um conta o seu segredo a um melhor amigo, que tem outro melhor amigo, que tem outro melhor amigo... e nenhum desses melhores amigos são necessariamente você ou seu amigo, o amigo do amigo, é sempre um outro numa linha que não se fecha como o círculo. Quando você se dá conta todo mundo sabe o teu segredo. O que pensar? Se você não tem a virtude de guardar um segredo, não há que se esperar que os outros tenham? Parece que há um ditado chinês, que diz que: “aquilo dito na orelha de um homem, se ouve a milhares de quilômetros.” Imagine com os multiplicadores Twitter e Facebook zapzap...
Penso que os ingleses devam ter algo a nos dizer: “To have a sleleton in the cupboard”, nem precisa explicar, de tão transparente. Quem não tem um esqueleto no armário? Aliás, tem gente que ele próprio está dentro do armário.


E por falar em esqueletos, pensem na Ditadura, mas nem a CIA conseguiu esconder suas torturas!

11 de dez. de 2014

Água, a sábia


"A alma é, em certo modo, todas as coisas." Disse Aristóteles.

 Mais que pleitear a vida pós-moderna desde a liquidez; do que tanto tem se falado ultimamente, no sentido da fluidez da fugacidade das estruturas sólidas de hoje em dia, também das do conhecimento; a água pode ser o símbolo dessa totalidade sábia, porque é um elemento tolerante, que tem bastante em qualquer forma de recipiente ao qual se adapta, sem predileção especial, sem arestas, sempre cede, se distribui democraticamente, por onde podemos fluir, acalmar-nos refletindo a tranquilidade como autoconhecimento.
Assim o homem sábio não é aquele que sabe, senão o que entende. Entende o mundo, entende o outro, entende a si mesmo. A sabedoria é um estado qual não se necessita saber nada, nem sequer aspirar tal saber, é permanecer no centro do círculo e celebrar cada instante com plenitude e sem ir aos extremos para não cair. É uma aspiração humilde e involuntária.
É chover no molhado dizer que andamos por tempos bicudos, pouco propícios à sabedoria, antes talvez caminhamos com desespero e vertigem rumo à necedade ao disparatado à estupidez, a futilidade, à vaguidade de ideais incongruentes, como estas luzinhas pisca-piscas para enfeitar árvores e jardins.
O sábio deve ocupar seu espaço e se inter-relacionar com o meio pelos sentidos, emoções, sensações, percepções, apreensões e construir um diálogo profundo com o eu, o tu, o ele, a terra, fundado no respeito, que ao fim e ao cabo é o conceito mais alto de conhecimento.


Música.

Um pouco de música aos amigos.



Está que se acaba um ano de extraordinária intensidade política, e me parece que o vindouro o superará. Mas tantas discussões e embates e discursos, também saturam, um pouco. Vem a gosto esta treva natalina, digo trégua a tanta loquacidade, vou dar atenção à música, às palavras, não à letra. Me deixar balançar por elas, que venham só ou em bandos, leves, batendo asas, e sons, cheiros e cores em enxames de imagens nômades. Assim, será leve o ano pesado que vem. Como são leves os anos passados. Deixo a inquietude e o desassossego para sua hora. Agora a vez da voz do tato num corpo de dunas, onde meu coração reencontra a coragem da disparada, pelo poente escarlate que pulsa pelas veias no pescoço avermelhado deste crepúsculo.  

9 de dez. de 2014

O Diabo e o gato de Ão.



Parto de uma carta de James Joyce a seu neto Stephen.


Ão é uma minúscula vila às margens do Ão. Ão é o rio mais comprido de Bonfina, pequeno estado ao sul de Ribeirânia. Ão é também o rio mais largo, pelo menos para Bonfina. Em Ão ele é tão largo que se você quisesse atravessar de uma margem a outra teria que dar no mínimo mil passos.
Muito tempo atrás o povo de Ão, quando queria atravessar, construía uma jangada de troncos de bananeiras, porque não havia ponte. Também não podiam construir uma ponte nem pagar para construir e ninguém para fazê-la. O que fizeram?
O Diabo que está sempre a ler o jornal de Ribeirnânia, A Vila, soube dessa triste situação de Ão, de modo que se vestiu e veio visitar o prefeito de Ão, que se chamava Gu de Ão e Ão, casado com La Pa de Tu Bele e Ão, Ão que veio do Prefeito. Esse prefeito também gostava muito de vestir-se … bem. Usava uma calça Lee boca de sino do tempo do mocassim, sempre com uma caxarrel escarlate, e uma pesada corrente de ouro no pescoço coberto pela caxarrel, ia assim vestido mesmo quando adormecido em sua cama com os joelhos na boca, em conchinha com La Pa de Tu Bele e Ão, Ão que veio do Prefeito.
O Diabo disse ao prefeito o que lera no A Vila e falou que podia fazer a melhor ponte que já fora feito e melhor que a de qualquer lugar e isso numa noite. E disse: “Nada de dinheiro, Gu de Ão e Ão !” e acrescentou: “Tudo que exijo é que a primeira pessoa a cruzar a ponte me pertença!”. “Bom” disse Gu de Ão e Ão marido de La Pa de Tu Bele e Ão, Ão que veio do Prefeito.
A noite desceu, todas as pessoas em Ão foram para a cama e dormiram. A manhã chegou. E quando puseram as cabeças fora de suas janelas gritaram:” Oh Ão, que linda ponte!”. Quando viram a fina ponte lançada através do largo rio.
Todas as pessoas correram para a cabeça da ponte e olharam para o outro lado. Lá estava o Diabo. Parado na outra cabeceira, esperando a primeira pessoa que a atravessaria. Ninguém se atrevia, pois viam que lá estava o Diabo dançando uma catira.
Houve um som de cornetas dos corneteiros do prefeito, e as pessoas ficaram caladas. E Gu de Ão e Ão com sua caxarrel escarlate, seu pesado colar de ouro em volta ao pescoço, sua fivela da queima do alho. Numa das mãos trazia um jarro de água, e debaixo do outro braço carregava um gato.
O Diabo parou de dançar, ao ver o escarlate do outro lado da ponte, tomou de seu longo binóculo e os instalou junto aos seus olhos rubis. As pessoas de Ão cochichavam, sibilavam seus hábitos seculares, além de olharem furtivamente de soslaio, de rabo de olho. O gato ergueu os olhos e encarou o prefeito nos olhos. Porque era permitido aos gatos encarar o prefeito, olho no olho. Quando cansou de encarar o prefeito, baixou o olhar, pois mesmo os gatos se cansam de encarar o prefeito com sua pesada corrente dourada e sua caxarrel escarlate e sua calça boca de sino e sua fivela da queima do alho, mas começou a brincar com a pesada corrente de ouro.
Quando o prefeito se aproximou da cabeça da ponte, todo homem sustou a respiração, e toda mulher sustou seus suaves silvos úmidos.
O prefeito Gu de Ão e Ão, colocou o gato no chão da ponte e mais rápido que o pensamento de um raio, splash! Jogou água do jarro sobre o gato. O gato entre o Diabo e o jarro de água, mais rápido que o pensamento do raio pensado pelo prefeito, com suas orelhas para trás correu para os braços do Diabo.
Zangado como ele mesmo, o Diabo se zangou e falou ao povo de Ão:
Homes i Dones” gritava o Diabo do outro lado da ponte. “Vosaltres no son pas les gentes més bonicas que n'hi ha al mundo mundial” “vosaltres gairibe ho son gates” então disse ao gato: 'vini aci, meu gatet, que teniu por, meu petit gat?” “teniu fred”?
vini pobret meu que el diable t' encarga” “Anem al infern per una mica de chafagor, hi ens calentarem”.
E lá se foi ele com o gato de Ão.

P.S. O Diabo geralmente fala a língua dele o “Linguadovovo”, que ele inventa quando anda por ai, mas quando fica zangado pode falar em Catalão muito ruim bastante bem, embora quem o ouviu diz que tem um forte sotaque caipira!

tradução não ortodoxa da carta ao neto Stephen, Roubada a James Joyce, já em domínio público.


5 de dez. de 2014

Dervixe Político.


Não sei se vale a pena fazer tanta força para escapar das garras da igreja e depois do comunismo, simplesmente para ficar a merce de uma auto visão monstruosa da própria vida, sem felicidade e nem serenidade em lugar algum. Mas no fundo o que acontece é uma ruminação sobre o plano inferior dos fatos, de temperamento e moral católicos e de cunho sexual. O batismo dá mesmo esta inclinação para acreditar no mal. Sem dúvida, a miúde, as manifestações libertárias estão impregnadas de catolicismo, de temperamento católico, acho que já disse antes, que a liberdade dentro do catolicismo é a perseguição, e esse é o nosso problema pátrio, além de pessoal. Em toda e qualquer putaria há possibilidades de engendrar alguma poesia e pausas, para escapar da tensão desse muito riso rarefeito de impressão feliz. O que digo não tem importância. 

Cada qual tem seu plano. E sem dúvida, meu amigo, pessoas muito mais competentes que eu, que lhe falem em um tom bastante diferente do meu. Minha única desculpa para dizer o que penso é que é isso que eu penso, e que tenho tão pouco prazer em dizê-lo, que talvez seja essa a principal razão de eu não dizer. Não tenho humor para falsificações deliberadamente grotescas. O que me dizem é que deveria me abandonar ao balanço deste movimento nonsense. Muitos o aprovam e você também. Escrevo com grande tensão, a mesma que sinto quando tenho que rebater cada maldita coisa que se sabe sobre cada pessoa que aparece ou qualquer coisa que brota, com aspectos tão verdadeiros e tanto talento, que as vezes também os tomo como certos, mas minha paciência se esgota. De qualquer modo, recuso-me a ser levado no torvelinho dessa dança insana por um dervixe político.    

A Mulher e o Mar.

A mulher e o mar.
Sempre olho pelo retrovisor e vejo essa mulher, sempre num papel secundário, quase figuração. Assim que esse texto é uma mudança de spin, aonde explico a história de uma mulher valente, com caráter, triste, porque nada é mais triste que a gestão da miséria. “Que tem pra comer mãe?” Suas crianças voltando para casa e ela batendo roupa, com as mãos se dissolvendo de tanto ficar mexendo na água. Um suspiro, um espirro da alma: “Pão com miolo e ovo frito!” Em algumas versões acrescentava “a moda da casa!” . Toda a impotência condensada num renego curto e sonoro. Que mais queriam que tivesse pão, ovo, nem que fosse pão-duro, e leite em pó que a igreja andava distribuindo. Havia enviuvado prematuramente e tudo mudara. Ainda mais. Não por causa da ditadura, porque esta não lhe afetava em nada. Havia decidido manter intacto um velho sonho de juventude, para sobreviver. Um anseio de liberdade que nem a ditadura nem a fome não podiam borrar. Ela queria ver o mar. Desde sempre. Desde que era uma jovem que havia se cansado de rio, porque a cada dia lá estava para carregar uns quantos baldes de água. Um na cabeça e outros a cada mão. Uma cena de dura cotidianidade que se repetia. O caminho de volta era sempre mais longo, mas cantavam e se explicavam alguma confidência. As vezes suas amigas riam de sua teimosia, mas ela não renunciava àquele azul infinito. Doía que a vida fosse tão ingrata, que não lhe concedesse o desejo de abraçar com o olhar aquela imensidão. Os anos passam, e já não era tão jovem. Tivera três filhos. Perdido o marido. Havia sofrido muito. Mas manteve-se fiel àquela rebeldia com gosto de sal. Era a sua pequena vingança contra quem lhe havia escrito um destino tão penoso e desagradecido. Um dia, um dos rapazes, teve que fazer as malas porque o trabalho o levava longe daquele lugar esquecido. Uma mudança de roteiro inesperada. Com a desculpa de ir ver o filho, por fim, veria o mar. “Cheguei a pensar que morreria sem te ver”, ouviram-na dizer. E o viu. Não sei que impressão lhe causou o mar, porque não retornou. Morreu, subitamente, numa vila de pescadores que não havia ouvido falar o nome antes. Uma vitória pírrica sobre a época miserável que lhe coube viver.