Túmulo vazio.
Chuviscava, mas é
difícil resistir ao cemitério. Histórias esquecidas entre nomes
repetidos, datas remotas e flores tristes de plástico. O horizonte
delimitado por condomínios, estes dos vivos, vistos dali, não
diminuem nossa insignificância, ou a claustrofobia. Um túmulo com
anjos sinistros e mármores decorativos, e tijolos que foram se
desgastando ao longo do tempo, e minha velha conhecida, a inscrição
que diz:''Aqui jaz José de Sá Rocha __ de __ 19__”. Sim, lá
estão os espaços em branco para serem ainda preenchidos, como a
própria cova. A primeira reação foi infantil: 'ainda vive'. Mas
logo me vem um detalhe moribundo, este homem não previa chegar ao
séc XXI. Vila Bonfim, é assim que os antigos moradores a chamam,
sabe o paradeiro de todos os seus filhos, mas não tem a menor
informação sobre José de Sá Rocha. Fiquei a pensar, no velhinho,
se o fosse, a desfrutar de sua futura residência definitiva, como se
fosse uma casa de campo, ou na segurança condominial. No entanto,
para aquele que constrói a própria tumba, muito antes da morte,
esta está abandonada. Pelas informações recebidas junto a
administração do cemitério, o túmulo ,não habitado pelo não
vivente, fora construído por um jovem no final dos anos 50, mais
precisamente em 1958. Foi no Google que resolvi a charada, uma única
entrada. Uma reportagem do Jornal A Cidade publicada em 1968 que me
fez descobrir que José de Sá Rocha, nascera na noite de natal do
ano de 1940, e então com 38 anos o comunista Zé de Sá, e toda sua
família desapareceu misteriosamente por mãos desconhecidas perto da
Gironda, acerca de Luiz Antônio, então estação de trens da Alta
Mogiana. José de Sá Rocha construiu com as próprias mãos sua
residência definitiva, mas para habitá-la não basta a vontade de
um morto, pois necessita da cumplicidade de um vivo. E ele não a
teve. Descanse em paz. Onde quer que esteja.