Nunca
fui comunista. Nunca vivi no comunismo, seja, viver segundo os
preceitos comunistas, dentro do comunismo. Vivi e vivo e viverei no
capitalismo, seja o capitalismo no capitalismo. Esquerda, sim! E se
possível à esquerda da esquerda. Meu primeiro ato blackbloccista
foi pichar a catedral
por ocasião do aniversário do touro mouro, e gritava:
“Troa
na praça o tumulto!
Altivos pincaros - testas!
Águas de um novo dilúvio
lavando os confins da terra.
Touro mouro dos meus dias.
Lenta carreta dos anos.
Deus? Adeus. Uma corrida.
Coração? Tambor rufando...”
Altivos pincaros - testas!
Águas de um novo dilúvio
lavando os confins da terra.
Touro mouro dos meus dias.
Lenta carreta dos anos.
Deus? Adeus. Uma corrida.
Coração? Tambor rufando...”
Vladimir
Vladimirovitch Maiakóvski, via Haroldo de Campos. Tinha o livrinho
que era uma ''tridução'' como diziam com seu irmão Augusto e Décio
Pignatári.
A
segunda foi pichar a frase ''Abaixo a cultura burguesa'' na entrada
do campus. O filósofo Hector Benoit mantinha semanalmente umas
discussões políticas engajadas e lia a revista ''Contra-Corrente''
que era do grupo. Mas sempre fui independente, me deixava seduzir,
mas jamais fui cooptado. Eu vinha da roça, roça, roça mesmo. Já
tinha lido o Manifesto e Ideologia Alemã, e os fragmentos de
Heráclito de Éfeso, quais adorava, por fragmentados... já havia
tentado ler Ulisses de Joyce e a teoria da mais valia. Gostava do
Trotsky, quer dizer, do seu cavanhaque que lhe afilava o rosto... e
tentava imitá-lo sempre que possível, gostava dos títulos que
Lenin dera a algumas de suas obras, como Was Tun?
(O que fazer
?),
ou Un paso adelante dos pasos atrás. O divertido é que comecei a
fazer curso de alemão, para lê-los todos no original, inclusive
Fenomelogie des Geistes, de Hegel, que um dia comprei, de bolso, na
Alemanha, meus amigos alemães riam, posto que nem eles ''conseguiam
ler'', e eram universitários, um Zanharzt (dentista), o que não
quer dizer muito, mas outro era físico.
Ai veio o PT, mas antes saímos a ''nuclear'', e nucleávamos por
toda parte, na rodoviária, em Bonfim, na Filô... Um episódio
hilário se deu por ocasião da primeira participação de um
candidato do PT à prefeitura de Ribeirão Preto. Um tal senhor David
Aidar, que veio até o nosso núcleo para nos falar de seus projetos
e propostas, falou até em pegar armas, já naquele momento eu
entendia o saco-de-gato do mundo e suas confusões e
''interpretações'' do mundo político e dos conceitos, de passagem
digo que eram tão só confusões e acima de tudo confusas. Eu me
apego e me apegava à esquerda por uma tal de ''emancipação'' do
sujeito, e entendia o comunismo com um elo para que ela se
alcançasse, evidentemente que no meu entender, neste estágio
estaríamos no Anarquismo. Era para mim o modo de me livrar
definitivamente de tipos como o Aidar, que abundavam e hoje
transbordam, não só na política profissional, mas por toda a
parte, sujeitos confusos para os quais a cadeia e a cadeira elétrica
é solução para todos os males, e a camisa de força já é
aconchego ou coisa dos direito-humanistas.
Penso
a emancipação como a não dependência crônica de um indivíduo
(capaz de produzir sua vida) frente a seus pares na sociedade e
frente a ela. Um tipo de ética cujas opções não visem um fim
ético para sua ação, mas sejam éticas desde que a opção se dá,
dada. A vida boa, no sentido de vida ética, sendo no momento e não
no futuro, como estudar para ter diploma, ter diploma para ser rico,
ser rico para … mas ter prazer em estudar, em fazer escultura, em
pescar, em filosofar, em tricotar, em fazer pizzas, em amar.. em..
Assim, a emancipação afinaria a moral e a moralidade, que se
fundiriam num só fazer ético, numa só vida boa, sendo cada uma,
uma, e salvaguardadas as diferenças, aonde o eu e a alteridade não
se confundem, mas que todos parássemos frente ao sinal vermelho,
sempre salvaguardando a regra, dada a possibilidade de aleijões
morais. Eu não sou comunista.