3 de dez. de 2013

Zé Flora.



Zé Flora vivia só com uma gata amarela e o dorso caramelo. Vivia de uma modesta aposentadoria por invalidez, por uma lesão na coluna vertebral que lhe provocava dores crônicas. De manhã esquentava o leite à gata enquanto ela se esfregava no tornozelo dele. Miau! A jardinaria era a sua paixão: se ocupava de fazer florir onde aflorasse um torrão de terra pelo bairro, e na calçada de sua casa, alem do jardim interno, tentava sempre ter flores frescas. Zé Flora tinha especial gosto pelas margaridas, azaleias e petúnias.
Depois de muitas tentativas, havia conseguido que crescesse e florescesse diante de sua casa variadas orquídeas.
Belo dia, um bando de adolescentes começou a mijar sistematicamente nas flores do Zé Flora. Zé Flora protestou, a urina mata, por excesso de ureia. Zé Flora chamou a polícia, que disse: ''molecagem da molecada''. No dia seguinte todas suas orquídeas estavam destroçadas e os vasos quebrados. Zé Flora fotografava tudo com seu celular, para melhorar sua denuncia. Um dos vizinhos que o detestava, por preto, começou a gritar desde sua janela “pedófilo!” “ pedófilo!”. Outros vizinhos, país dos autores da depredação, vão se unir aos gritos, sem levar em conta que as fotos eram provas de um delito.

Alguém chamou a polícia, que veio rapidamente e, não deu ouvidos às explicações do Zé Flora, e o prenderam no lugar dos vândalos. Ficou dois dias preso. Requisitaram seu telefone, vasculharam a sua casa, e não encontraram indício de suposta pedofilia, mas sim tratados, revistas de jardinaria e flores. Por fim o libertaram.
Enquanto isso, no bairro o rumor sobre a pedofilia cresceu desbocadamente e ainda que não se tivesse prova alguma contra ele, o insultavam constantemente, picharam no muro de sua casa ''pedófilo'' e encheram de lixo a sua calçada. Dois dias depois de ter voltado para casa, saia para comprar sementes para refazer os jardins, dois jovens um de 19 outro de 22 anos, o atacaram, agrediram a ponto de o deixarem inconsciente. Depois, o empaparam com gasolina e lhe atearam fogo. Nenhum dos vizinhos saiu em sua defesa, ou chamou a polícia e tampouco gritaram de indignação ou espanto. Crime cometido em plena luz do dia. A polícia chegou horas depois.
Por fim, prenderam os culpados que deram entrevistas à TV e mostravam orgulho pelo assassinato, e se diziam “vigilantes contra a pedofilia”.
Os vizinhos queriam “fechar o triste capítulo de um lugar tranquilo” “virar página”. Não transmitiram individualmente ou coletivamente condolências à família.


Ninguém se ocupou das plantas, mas uma vizinha se encarregou da gata.

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