Zé Flora vivia só com
uma gata amarela e o dorso caramelo. Vivia de uma modesta
aposentadoria por invalidez, por uma lesão na coluna vertebral que
lhe provocava dores crônicas. De manhã esquentava o leite à gata
enquanto ela se esfregava no tornozelo dele. Miau! A jardinaria era
a sua paixão: se ocupava de fazer florir onde aflorasse um torrão
de terra pelo bairro, e na calçada de sua casa, alem do jardim
interno, tentava sempre ter flores frescas. Zé Flora tinha especial
gosto pelas margaridas, azaleias e petúnias.
Depois de muitas
tentativas, havia conseguido que crescesse e florescesse diante de
sua casa variadas orquídeas.
Belo dia, um bando de
adolescentes começou a mijar sistematicamente nas flores do Zé
Flora. Zé Flora protestou, a urina mata, por excesso de ureia. Zé
Flora chamou a polícia, que disse: ''molecagem da molecada''. No dia
seguinte todas suas orquídeas estavam destroçadas e os vasos
quebrados. Zé Flora fotografava tudo com seu celular, para melhorar
sua denuncia. Um dos vizinhos que o detestava, por preto, começou a
gritar desde sua janela “pedófilo!” “ pedófilo!”. Outros
vizinhos, país dos autores da depredação, vão se unir aos gritos,
sem levar em conta que as fotos eram provas de um delito.
Alguém chamou a
polícia, que veio rapidamente e, não deu ouvidos às explicações
do Zé Flora, e o prenderam no lugar dos vândalos. Ficou dois dias
preso. Requisitaram seu telefone, vasculharam a sua casa, e não
encontraram indício de suposta pedofilia, mas sim tratados, revistas
de jardinaria e flores. Por fim o libertaram.
Enquanto isso, no
bairro o rumor sobre a pedofilia cresceu desbocadamente e ainda que
não se tivesse prova alguma contra ele, o insultavam constantemente,
picharam no muro de sua casa ''pedófilo'' e encheram de lixo a sua
calçada. Dois dias depois de ter voltado para casa, saia para
comprar sementes para refazer os jardins, dois jovens um de 19 outro
de 22 anos, o atacaram, agrediram a ponto de o deixarem inconsciente.
Depois, o empaparam com gasolina e lhe atearam fogo. Nenhum dos
vizinhos saiu em sua defesa, ou chamou a polícia e tampouco gritaram
de indignação ou espanto. Crime cometido em plena luz do dia. A
polícia chegou horas depois.
Por fim, prenderam os
culpados que deram entrevistas à TV e mostravam orgulho pelo
assassinato, e se diziam “vigilantes contra a pedofilia”.
Os vizinhos queriam
“fechar o triste capítulo de um lugar tranquilo” “virar
página”. Não transmitiram individualmente ou coletivamente
condolências à família.
Ninguém se ocupou das
plantas, mas uma vizinha se encarregou da gata.
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