21 de fev. de 2014

Touro Mouro

Nunca fui comunista. Nunca vivi no comunismo, seja, viver segundo os preceitos comunistas, dentro do comunismo. Vivi e vivo e viverei no capitalismo, seja o capitalismo no capitalismo. Esquerda, sim! E se possível à esquerda da esquerda. Meu primeiro ato blackbloccista foi pichar a catedral por ocasião do aniversário do touro mouro, e gritava:
Troa na praça o tumulto! 
Altivos pincaros - testas! 
Águas de um novo dilúvio 
lavando os confins da terra. 
Touro mouro dos meus dias. 
Lenta carreta dos anos. 
Deus? Adeus. Uma corrida. 
Coração? Tambor rufando...”
Vladimir Vladimirovitch Maiakóvski, via Haroldo de Campos. Tinha o livrinho que era uma ''tridução'' como diziam com seu irmão Augusto e Décio Pignatári.
A segunda foi pichar a frase ''Abaixo a cultura burguesa'' na entrada do campus. O filósofo Hector Benoit mantinha semanalmente umas discussões políticas engajadas e lia a revista ''Contra-Corrente'' que era do grupo. Mas sempre fui independente, me deixava seduzir, mas jamais fui cooptado. Eu vinha da roça, roça, roça mesmo. Já tinha lido o Manifesto e Ideologia Alemã, e os fragmentos de Heráclito de Éfeso, quais adorava, por fragmentados... já havia tentado ler Ulisses de Joyce e a teoria da mais valia. Gostava do Trotsky, quer dizer, do seu cavanhaque que lhe afilava o rosto... e tentava imitá-lo sempre que possível, gostava dos títulos que Lenin dera a algumas de suas obras, como Was Tun? (O que fazer ?), ou Un paso adelante dos pasos atrás. O divertido é que comecei a fazer curso de alemão, para lê-los todos no original, inclusive Fenomelogie des Geistes, de Hegel, que um dia comprei, de bolso, na Alemanha, meus amigos alemães riam, posto que nem eles ''conseguiam ler'', e eram universitários, um Zanharzt (dentista), o que não quer dizer muito, mas outro era físico. Ai veio o PT, mas antes saímos a ''nuclear'', e nucleávamos por toda parte, na rodoviária, em Bonfim, na Filô... Um episódio hilário se deu por ocasião da primeira participação de um candidato do PT à prefeitura de Ribeirão Preto. Um tal senhor David Aidar, que veio até o nosso núcleo para nos falar de seus projetos e propostas, falou até em pegar armas, já naquele momento eu entendia o saco-de-gato do mundo e suas confusões e ''interpretações'' do mundo político e dos conceitos, de passagem digo que eram tão só confusões e acima de tudo confusas. Eu me apego e me apegava à esquerda por uma tal de ''emancipação'' do sujeito, e entendia o comunismo com um elo para que ela se alcançasse, evidentemente que no meu entender, neste estágio estaríamos no Anarquismo. Era para mim o modo de me livrar definitivamente de tipos como o Aidar, que abundavam e hoje transbordam, não só na política profissional, mas por toda a parte, sujeitos confusos para os quais a cadeia e a cadeira elétrica é solução para todos os males, e a camisa de força já é aconchego ou coisa dos direito-humanistas.

Penso a emancipação como a não dependência crônica de um indivíduo (capaz de produzir sua vida) frente a seus pares na sociedade e frente a ela. Um tipo de ética cujas opções não visem um fim ético para sua ação, mas sejam éticas desde que a opção se dá, dada. A vida boa, no sentido de vida ética, sendo no momento e não no futuro, como estudar para ter diploma, ter diploma para ser rico, ser rico para … mas ter prazer em estudar, em fazer escultura, em pescar, em filosofar, em tricotar, em fazer pizzas, em amar.. em.. Assim, a emancipação afinaria a moral e a moralidade, que se fundiriam num só fazer ético, numa só vida boa, sendo cada uma, uma, e salvaguardadas as diferenças, aonde o eu e a alteridade não se confundem, mas que todos parássemos frente ao sinal vermelho, sempre salvaguardando a regra, dada a possibilidade de aleijões morais. Eu não sou comunista. 

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