Antes
havia luz, não muita, a suficiente para iluminar os dias e as
coisas. Era a luz de um branco fosco, que foi agarrando uns tons de
pérola, nevoento, entre o cinza proletário e o cinza de risada
malvada que as vezes baixa de algum lugar, de não se sabe onde, e
senta no meio da gente, entre preguiça e orgulho, pronta a te
abraçar. Ele não a notava, distraído como estava, a observar os
objetos com a ideia que cada objeto era igual ao mundo, e o mundo
igual que o objeto, sob uma naturalidade que de tão humana era quase
animal.
Entretanto,
anoiteceu, anoiteceu pela primeira vez, não sabia ao certo quando,
em que instante ou de que maneira, mas havia vindo na calada da luz
para se estabelecer lá, pelos arredores, para sempre, muda e
impávida, com o gesto inconcreto e neres de cortesia. Como se a
noite se soubesse escuridão e já não haveria de estar ali se
demonstrando a ele. Esta primeira noite não era bem escura, não era
toda escura, mais bem era fosca, um escuro fosco, que ainda se podia
se ver e pensar-se nela, e se divisar no meio da própria escuridão.
Reconhecê-lo nela, diria. Ainda que não distinguia de sua raiz os
seus galhos, a semente de onde brotara e por onde se espalhava, e
para aonde, e o local aonde por força haveria de morrer, sim, se
movia como um traço grosso num quadro seco de cores, como um campo
de neve com sua brancura branca e sua branca brancura a fazer
espremer os olhos entre as pálpebras para sacar uma gota de mar, um
mar profundo, como um espelho do mar profundo, como uma negritude
quase-quase negra, como o fosco num quarto escuro, como a última
alba antes da primeira alba. Assim aquela noite, chegou a ser o
completo escuro, e já não podia defini-la, porque no labirinto da
escuridão o labirinto se destruía e os caminhos desapareciam, os
contornos se desfaziam, e o escuro já não era escuro, nem
consciente de o ser, nem ele de ali viver, de viver ali abandonado e
seguro, talmente um bebê voando sem pontos cardeais numa bolha de
opaco liquido amniótico.
O
escuro que já não era escuro, que era puro não-ser, poderia ser a
ausência de tudo ou ao contrário, de todas as coisas comprimidas
numa só, ele inclusive? Poderia ser a sabedoria de tudo ou,
ao contrário, a ignorância definitiva, naquela em que tudo é
possível e tudo pode nela recomeçar?
Lá
onde estava, às foscas, tateando para se mover na devastada mente,
tentando decidir a cor, a natureza, a resolução dos seus próprios
pensamentos.
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