24 de fev. de 2014

Vindicando o Whisky

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A densidade que te dá um bom whisky é inversamente proporcional a que te dá o mau. Com um belo copo nas mãos, de preferencia bocudo e com um vidro generoso, daqueles que os dedos podem dar um apertão suave e com isso sentir a consistência do que carrega. De cara há a comunicação visual entre o conteúdo, que é o whisky, e o continente, que é você mesmo, a ponto de tragá-lo.
O âmbar do malte, que as vezes pode ser bem escuro, e que lhe concede uma consistência, que sabemos fictícia, pura literatura do espirito, mas que por momentos se espessa e se torna um bálsamo pastoso, e curativo, primeiro inundando a boca depois fazendo massagem na goela, descendo pela boca do estômago, o estômago em si, depois. O visco do líquido, entre tosco e meigo, se é que isso é possível, te subjuga com sua natureza selvagem, e te confirma a forma com que pode te furar por dentro sem que possas enfrentá-lo de todo, até o ponto que te corrige, e dita as vias pelas quais hás de te inserir nele, mais do que o contrário, ele em você, porque começa então o ritual da purificação, quer dizer, o ritual em que os sacrifícios mútuos dão os seus frutos maravilhosos. Um bom whisky, então, uma vez vencida esta conjunção enigmática, permite embelezar a solidão, a companhia, a música, a paisagem interior, um charuto ou qualquer coisa que te envolva, monumental ou falto de brilhos.
Dizem que o verão é péssima geografia para os maltes, porque o corpo não está para calores, senão que para refrescamentos com uma cerveja, ou um drinque gelado, mas a miúde havemos de combater o abatimento pelo calor sufocante com mais abatimento, num exercício de abandono consciente, como se atravessássemos o deserto sob um edredom, que de certa modo nos protege do sol.

Sem se deixar levar pelos excessos, para não nos saturarmos de realidades longínquas da realidade, o whisky de gosto amadeirado te proporciona um instante de desvelo, lucubração, de aterrizagem lenta, de repouso imerecido, no meio de um mundo que pouco a pouco passa do seu vertiginoso expressionismo a umas cores fixas e planas, de linhas firmes, que imitam a natureza. Se chegar a cravar-te na pele este quadro, então haverás encontrado um local para habitar, e a alma do malte em ti, e não haverá nenhuma opção de perda.

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