Gosto de investigar, de navegar e de algum modo
saber do lado obscuro de minha condição humana, porque me mantém
são, ou me dá certo aspecto de sanidade. Imagino que se atuasse
como se tais coisas não existissem, creio, que me tornaria um louco
de camisa de força. Por outro lado gosto da civilização, luz
elétrica, computadores e polícia, lei, justiça, ainda que encontre
um preço muito alto, o que pagamos para simplesmente suprimir esse
lado escuro.
Em qualquer comunicação humana, ou entre
humanos, em qualquer veículo, os esforços estão centrados
basicamente sobre os mesmos pressupostos: A vida é o desabrochar de
coisas amáveis; que tudo provem do amor, e do carinho, e do cuidado
para com o semelhante, cada dia vivemos mais e melhor e mais tempos
jovens, ser jovem é não deixar-se envelhecer, a qualidade de vida,
e o cuidado para com os animais e finalmente para com os vegetais e
por fim acabamos querendo resgatar os direitos dos insetos, com fúria
carola e beata.
Este tipo de pensamento, atividade que está
mais para a fé que pensamento, e ainda mais distante da realidade,
insiste-se em se fazer acreditar, que as relações humanas são
sensíveis, simples e dóceis, do padre ou pastor com seus fiéis,
como a doçura que todo papa tem com seu lento sinal da cruz, como as
do professor com o aluno ou aluna, do médico e o paciente, da mãe e
a filha, na filantropia, entre amigos e amigas, entre inimigos, sim,
mas a realidade é que mesmo entre inimigos – relação mais
transparente de todas - as relações estão untadas com azeite da
inveja. Aceito como condição humana a existência da inveja. Em
contra partida não concordo que isso nos faça seres humanos
deficientes ou horrorosos, sua existência só tem me mostrado que
não posso controlar todos os meus sentimentos.
Os clássicos gregos nos deram Édipo, por
exemplo, que provavelmente tenha inspirado a Sigmund Freud que veio a
nos dizer e talvez, que se conseguíssemos afastar toda a cortina
repressiva, conseguíssemos ver o justo momento no qual se quis matar
os pais. Deles também é Medeia a matar os filhos. Enfileiro
Raskólnikov, Riobaldo, Humbert Humbert mas também Lolita, Casmurro,
Lozano em Satarsa – Adan y Raza, Azar y Nada - , Fausto, Stephen
Dedalus que não perdoou a mãe que estava no leito de morte,
Augusto Matraga e Joãozinho Bem-Bem – as duas faces da mesma moeda
-, Gregor Samsa, Padre Amaro, Luísa, Doca Street e tantos outros a
dizerem que é normal que na infância se tenha querido matar a seus
pais, mas que o bom disso tudo é pensar, isto, que está mal e essas
histórias nos mostram que eles ainda continuam a sangrar, pelo que
temeram e fizeram. Em todas a vidas há algo que corre e as liga,
querendo ou não ver, coisas como é a truculência do amor, os
ciúmes, o sexo e perversões sem fim, entre todos os tipos de
relações que existam, mesmo entre irmãos.
Não creio que devamos ser condescendentes com
Eurípedes, Sófocles, Machado, Guimarães, Eça, Dostoiévski,
Goethe, Joyce, Cortazar, Vladimir Nabokov ou Kafka, que construíram
histórias e personagens asquerosas e não menos reprimidos que nós,
talvez tolhidos por uma censura diferente. Porque talvez tentaram
mostrar de que matéria derivamos, além do barro, é claro e que
podemos nos encontrar tão reprimidos quanto Matraga, a purgar até
se encontrar com aquele que o levaria definitivamente ao inferno,
Joãozinho Bem-Bem. Graças a deus! Porque não é uma boa ideia ser
um traidor, ser comido por uma rata, se transformar numa barata,
renegar a mãe, transar com ela, matar os filhos, invejar o pai a
ponto de querer matá-lo, ainda que não saiba explicar o porquê de
não se tratar de uma coisa boa, mas saber dessas coisas, talvez nos
mantém em certa sanidade.
Cada vez que me negam a simples discussão, me
entristeço, porque vejo que seria generoso para com mais jovens,
assumir que envelhecemos para toda Dolores Haze, permitir a morte,
dizer adeus e evitar a epidemia de bom mocismo que se exige das
criaturas e aqui entra a inveja, deixemo-nos envelhecer, chega de ser
mais jovem que os jovens.