12 de abr. de 2012

Inveja.


   Gosto de investigar, de navegar e de algum modo saber do lado obscuro de minha condição humana, porque me mantém são, ou me dá certo aspecto de sanidade. Imagino que se atuasse como se tais coisas não existissem, creio, que me tornaria um louco de camisa de força. Por outro lado gosto da civilização, luz elétrica, computadores e polícia, lei, justiça, ainda que encontre um preço muito alto, o que pagamos para simplesmente suprimir esse lado escuro.
         Em qualquer comunicação humana, ou entre humanos, em qualquer veículo, os esforços estão centrados basicamente sobre os mesmos pressupostos: A vida é o desabrochar de coisas amáveis; que tudo provem do amor, e do carinho, e do cuidado para com o semelhante, cada dia vivemos mais e melhor e mais tempos jovens, ser jovem é não deixar-se envelhecer, a qualidade de vida, e o cuidado para com os animais e finalmente para com os vegetais e por fim acabamos querendo resgatar os direitos dos insetos, com fúria carola e beata.
         Este tipo de pensamento, atividade que está mais para a fé que pensamento, e ainda mais distante da realidade, insiste-se em se fazer acreditar, que as relações humanas são sensíveis, simples e dóceis, do padre ou pastor com seus fiéis, como a doçura que todo papa tem com seu lento sinal da cruz, como as do professor com o aluno ou aluna, do médico e o paciente, da mãe e a filha, na filantropia, entre amigos e amigas, entre inimigos, sim, mas a realidade é que mesmo entre inimigos – relação mais transparente de todas - as relações estão untadas com azeite da inveja. Aceito como condição humana a existência da inveja. Em contra partida não concordo que isso nos faça seres humanos deficientes ou horrorosos, sua existência só tem me mostrado que não posso controlar todos os meus sentimentos.
          Os clássicos gregos nos deram Édipo, por exemplo, que provavelmente tenha inspirado a Sigmund Freud que veio a nos dizer e talvez, que se conseguíssemos afastar toda a cortina repressiva, conseguíssemos ver o justo momento no qual se quis matar os pais. Deles também é Medeia a matar os filhos. Enfileiro Raskólnikov, Riobaldo, Humbert Humbert mas também Lolita, Casmurro, Lozano em Satarsa – Adan y Raza, Azar y Nada - , Fausto, Stephen Dedalus que não perdoou a mãe que estava no leito de morte, Augusto Matraga e Joãozinho Bem-Bem – as duas faces da mesma moeda -, Gregor Samsa, Padre Amaro, Luísa, Doca Street e tantos outros a dizerem que é normal que na infância se tenha querido matar a seus pais, mas que o bom disso tudo é pensar, isto, que está mal e essas histórias nos mostram que eles ainda continuam a sangrar, pelo que temeram e fizeram. Em todas a vidas há algo que corre e as liga, querendo ou não ver, coisas como é a truculência do amor, os ciúmes, o sexo e perversões sem fim, entre todos os tipos de relações que existam, mesmo entre irmãos.
         Não creio que devamos ser condescendentes com Eurípedes, Sófocles, Machado, Guimarães, Eça, Dostoiévski, Goethe, Joyce, Cortazar, Vladimir Nabokov ou Kafka, que construíram histórias e personagens asquerosas e não menos reprimidos que nós, talvez tolhidos por uma censura diferente. Porque talvez tentaram mostrar de que matéria derivamos, além do barro, é claro e que podemos nos encontrar tão reprimidos quanto Matraga, a purgar até se encontrar com aquele que o levaria definitivamente ao inferno, Joãozinho Bem-Bem. Graças a deus! Porque não é uma boa ideia ser um traidor, ser comido por uma rata, se transformar numa barata, renegar a mãe, transar com ela, matar os filhos, invejar o pai a ponto de querer matá-lo, ainda que não saiba explicar o porquê de não se tratar de uma coisa boa, mas saber dessas coisas, talvez nos mantém em certa sanidade.
         Cada vez que me negam a simples discussão, me entristeço, porque vejo que seria generoso para com mais jovens, assumir que envelhecemos para toda Dolores Haze, permitir a morte, dizer adeus e evitar a epidemia de bom mocismo que se exige das criaturas e aqui entra a inveja, deixemo-nos envelhecer, chega de ser mais jovem que os jovens.



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