Havia até outro dia,
tapume circular num dos 'coretinhos' da Pça das Bandeiras, ele era
mequetrefe mal alinhavado, muito do malfeito. Pois não tardou a
chegar a retroescavadeira e você, como eu, pode pensar que alguém
antes desfez o malfeito! Tábua a tábua. Mas nem não sequer. À
bruta, a retro, meteu seus dentes de máquina e estraçalhou, em uma
dentada, sozinha, um pedaço do tapume. Eu vi. Vi os restos dos
compensados estraçalhados em meio à terra, que a retroescavadeira,
por andar 'de costas', não vê nada e vai quebrando e abrindo com
furor a vala, descendo pela calçada da desdita praça. Neste seu
refazer, nada se salva, nem um pedaço de calçamento. A construção
civil, reis de geração de entulhos, públicos ou privados,
persegue sua sina. Nem um isolamento caprichado. Só uma fita amarela
de árvore em árvore, soltando os nós. Um refavelamento como
cronologia inicial de uma engenharia. Claro que depois de tudo isso,
a calçada na Visconde de Inhaúma ficará um remendado remendo. Os
ladrilhos não coincidem jamais. Por isso os portugueses preferiam
pedrinhas a ladrilhos regulares. Hoje é pó, tão só pó, para
tudo que é lado. Deve ser uma equipe treinada em zelosas
desocupações, nas desmanchações de barracos. Deve de ser!
8 de mar. de 2012
6 de mar. de 2012
Cortar os pulsos!
Ser poeta;
pintor; músico; escultor; arquiteto; livre pensador ou simplesmente
humano não é tomar de um caco de vidro, cortar os pulsos e
verter-se em hemorragia. A vida deve seguir. E por dever de
continuar, nenhuma obra de arte trará solução, nem sequer uma
qualquer ideologia, se, se leva em conta que o difícil suicídio via
o corte de pulso, no mais das vezes, tudo que faz é a teimosia em
deixar aquela saliência que anos adiante se tentará ocultar com a
pulseira do relógio.
Há entretanto, e
por toda parte tais manifestações. Muito, corriqueiramente e, a
miúde a fotografia é vitimada. Um exemplo é um menino negro
africano de barriga grande disputando restos com urubus. É um corte
no pulso com vidro, mas não é arte. Na música houve o caso recente
da inglesa que fabricava queloides e por fim acabou por uma industria
menos densa, ao compor a própria fuga em tons pasteis. Outro
exemplo, mais remoto, é The Wall, uma tontura provocada pela perda
de sangue, em lento derramamento, aonde a perda de sentido –
lisérgico - se faz notar pelas vozes indecifráveis e quase
fantasmagóricas. À época quem fumasse maconha não deveria ouvir,
porque acontecia de ocasionar uma somatória de ondas que
reverberavam, ou mesmo produzir ecos que se confundiam com as frases
musicais que redundavam desde a primeira volta da agulha.
Por outro lado há
outros tipos de sangue esguichando, mas de maneira regrada. A música
sertaneja e neo sertaneja, como queiram. Dá para ver no rosto do ou
da cantante o quebranto, as cólicas e a contorção das tripas,
coisas que fazem do ser atrás do microfone exibir o calafrio, a
febre e o suor mesclado com hemoglobinas. Como se o palco se tratasse
de um monte - o Calvário - o microfone, a própria cruz, e na
plateia: as marias e a madalena suportadas por apóstolos em estado
de brandura. Não deixa de ser seita.
4 de mar. de 2012
Michel Teló: Uma vindicação.
Não é costume meu,
ser evasivo; porque nisso reside a arte, não tenho inclinação
artística, senão que desejos. Entretanto como tentativa de me
revitalizar como indivíduo, por vezes sou levado à falsidade, ao
plágio e mesmo a reinventar minha própria biografia. Pode parecer o
que for, desde já, mas tem o propósito último de ser a mim um
passatempo de mim. Uma problematização metalinguística de mim
mesmo que buscará solução em qualquer parte. Haverá aquele que
entenderá como um ceticismo epistemológico, ainda que estime muito
a religião e a filosofia, mas tão só no que tange valores
estéticos, no que encerram de singularidade e de maravilha. O que
poderia se chamar ou identificar como um ceticismo essencial. Não
tenho nenhuma teoria do mundo, embora possa usar a metafisica como
sistema, ou o materialismo como religião, mas isso não deve passar
de um aproveitamento necessário à solução de problemas
específicos. Não creio que o conhecimento seja possível. E se
poderá dizer agnóstico de seu praticante. Como dizia H.G.Wells:
intercalar doutrina nos pensamentos e escritos é deplorável. No
específico das mundanidades fui levado a conhecer o que alguns
poucos conhecem e desconhecer o que é de todos conhecido, quer dizer
sou uma lacuna vergonhosa. Confesso que gostaria de ser facilmente
localizado no platonismo, ou num panteísmo a la Espinosa, ou mesmo
um niílico panteísta. Mas dada a minha admiração pela
metafisica, sou mesmo é um caipira perdido na metafisica, que é uma
terra fértil que não serve à cana-de-açúcar, e apesar de ser
completamente incapaz de entendê-la é por meio dela que me
ocorre de um tudo, urticárias ou bicho de pé ideológico, menos a
fimose intelectual, que não passa de um aprisionamento de todo o
pensamento por uma corrente ideológica, ou como já o disse antes, é
a deplorável necessidade de intercalar doutrina por todas as partes
do orbe.
Cada uma a sua maneira,
certas canções, atingem um tipo de perfeição, e há estudos
profundos ligados à linguística, mais precisamente à linguística
generativa de Noam Chomsky que coloca no centro de tudo a sintaxe.
Antes de Noam Chomsky se cria que a linguagem era, por completo,
adquirida por associação e ou aprendizagem, o que digo para
linguagem vale para qualquer destreza humana, a música por exemplo.
Depois da publicação de 'Estruturas Sintáticas', que atacava os
pressupostos básicos do estruturalismo e da psicologia condutivista,
onde Chomsky postula a existência de um dispositivo inato, quase um
'órgão da linguagem', que permitiria aprender e usar a linguagem
de um modo quase instintivo. Basicamente é assim, há os que pensam
que o cérebro de um bebê é vazio e deve-se enchê-lo, já Chomsky
pensa que o bebê nasce com todos os dispositivos no cérebro
especializados e inatos.
Dessa maneira há
canções, como todas, existiam antes, isto é: 'Ai se te pego',
existia ou estava no limbo, como Michel Teló existia no limbo, e
foi no limbo que Michel encontrou 'Ai se te pego' que eram a peça e
o vazio ou espaço falto do quebra-cabeças. O grande valor de
Michel Teló e vislumbrar o que existia, coisa que nós a maioria dos
mortais não vemos. Vemos muito menos coisas do que as coisas todas
que existem, e para disfarçar acreditamos em coisas inexistentes,
afim de parecermos inteligentes, ou parecermos insatisfeitos com o
mundo. Podemos explicar esta união cabalisticamente, sem
necessariamente sermos especialista no Talmude, porque a Cabala é
necessariamente precisa e justifica todos os acontecimentos do
mundo, e suas necessidades últimas, onde os acontecimentos não se
dão ao azar. Ou seja, a contingência do azar é zero. Veja você
que o dito vai de encontro à famosa frase o poema mallarmaico: 'a
coup de dés jamais n'abolira le hasard' que contraria toda a cabala,
sendo que institui como mínimo uma possibilidade extra. O que
levaria Borges a dizer que Mallarmé e seu poema está incluído, por
conseguinte, em todos os acontecimentos do mundo, o abraço se fecha
sobre tudo. Assim sendo 'Ai se te pego' e Michel Teló são tão
necessários e não casuais como o faisão azul de bromotimol ou
tornassoleado, como preferirem. Porque Michel é Mich (alemão eu) e
el ( espanhol ele) então EuEle, e Teló é antes de tudo Tê-lo é
'tela' 'telon' espanhol e Teló 'tela catalão' e uma outra vez 'el'
e 'elo' 'eloé' e recorda de pronto Telavive e 'ai se te pego' tem
o ritmo marcado exato, melhor dito na melhor frequência para se
'fazer amor' muito parecido ao Bolero de Ravel.
E desta
maneira sem conseguir uma linha de fuga, acabo por me agarrar a
determinadas ideologias que não dirão nunca: matematicamente se
poderia conseguir a conjunção: canção e cantor(voz) (veículo)
perfeita e agrada a toda a gente, mas o que realmente não queremos,
nem sequer parecer, quanto menos ser igual a toda a gente.
2 de mar. de 2012
O Medo.
Resulta triste ver jovens, ou não mais tão jovens, convertidos em
conservadores quase xiitas, mais liberais que o liberalismo, e em
suma: fundamentalistas rancorosos. De outro lado ver um
nonagenário, ou quase, como Vicente Golfeto se transformar num
intelectual quase progressista. O homem é de uma afabilidade cruel
e de uma lucidez proada, fundamentada num discurso de corte
clássico, ainda que atrelado às tradições e posições
conservadoras. Entretanto este senhor, culto à europeia, acaba por
ser vanguarda de ideias do futuro imediato, e o faz com comodidade
de quem já viu tudo e que não espera nada de nada e de ninguém,
e menos ainda dos jovens de hoje. Justo estes que têm – todas as
gerações a tiveram - a pesada responsabilidade de desenhar uma
sociedade melhor que a de hoje, mais justa e equitativa, pelo
menos; o que era para ser uma quimera, que a cada momento se
parece mais a uma necessidade.
É
certo que mesmo os que advogaram por uma economia 'mais humana,
mais solidária e capaz de contribuir ao desenvolvimento da
dignidade dos povos ou das pessoas', sabem que depois dos
referentes do homem como medida de todas as coisas – gregos – e
– de Deus nos tempos medievais – que nos miramos no deus
capital, desde o âmbito da revolução industrial até
desembarcarmos no milagre das novíssimas tecnologias, sempre
estão tentando responder às perguntas que questionam o modelo
moral atual.
Se o
dinheiro é o termômetro de todas as coisas, as reservas
essenciais da pessoa se pervertem – felicidade, responsabilidade,
justiça, equidade – até o ponto de se perder a perspectiva do
coletivo e do social, e por extrapolação portanto, do planeta em
que nos cabe viver.
Assim
sendo, a chave de retorno, para combater o sistema se baseia, toda
a vida, na liberdade. Sobretudo a liberdade de pensamento, que é o
território onde a identidade individual pode realizar-se e vir a
concretizar-se, primeiro modificando ou fazendo por isso, no seu
círculo restrito. Porém esta liberdade, aliás, sempre está
ligada a independência intelectual dos indivíduos, seja qual seja
o meio que o acolhe, seja qual seja o meio que ele escolhe acolher;
ela, a liberdade, resulta cada vez mais difícil frente aos planos
dos meios de comunicação ( meios de persuasão nos diz Vicente
Golfeto) do poder e do açambarcamento perene e continuado do medo
como conceito de utilidade. Não se é um homem com medo, se é um
cordeiro, que quando muito olha e ora pela sua sobrevivência, e,
terror dos terrores, o faz com a alma lavada – consciência limpa
– e pasme-se, quase que por instinto natural.
Entretanto
e sem nos darmos conta, o medo é só um cenário, uma conjuntura,
uma sombra que ameaça. Notem que cenário, conjuntura e sombra,
todos tenebrosos, são vocábulos diários de meios de comunicação.
Voltando, por que ameaçam?
Ameaçam porque escondem seu conteúdo e pronto e basta. Enquanto
as novas redes sociais e os 'novos espíritos' deveriam propor o
contrário; não espalhar o medo, mas botar luz nessa impostura
obscurantista. Desde Pitágoras sabemos que um raiozinho de luz
pode iluminar a escuridão
24 de fev. de 2012
Bumbum de Carnaval.
A pequena Isadora
passou as últimas férias escolares, nos seus finais de tarde desse
tórrido verão, sentada na calçada com suas amiguinhas. Seus shorts
sempre acabavam por ficar avermelhados pelo pó da terra roxa. Ela
sempre batia a poeira com a palma da mão, mas talvez a umidade dela,
muito provavelmente devida ao constante manuseio do celular, mais
emporcalhavam que espanavam. Corriam, saltavam e gritavam quanto
passava uma saveiro com o seu te pego ai ai... Chegou o carnaval e
Isadora desfilou fantasiada de libélula, alguns adereços, uma tiara
azul, transparências e um fio dental, também ele invisível. A pele
brilhante e dourada da exuberância de seus quatorze anos, o seu
bumbum empinado, substituíam com folga os incipientes seios, talvez
por isso, mais tapados que o resto do corpo, seduziram uma plateia de
marmanjos que se emborrachavam na escadaria da praça e gritavam:
gostosa, quando ela passava, e ela retribuía com um triste samba no
pé, sobre o salto plataforma. Sua mãe, hoje dona de par de braços
tão gordos, na parte posterior que se dobram sobre o cotovelo, como
se fossem outras duas barriguinhas na inflexão de seus trinta e dois
anos; ouvia os gritos que ecoavam de um passado não muito distante,
como se fossem para ela, numa época em que suas nádegas destruíam
famílias, e fizeram por aumentar o consumo de cachaça em todo o
distrito.
Hoje Isadora quando
caia a tarde, saiu com seu short mais apertado. Os pobres demoram a
se desvencilhar da moda, sendo que a última moda é o shorts mais
airado, leve e solto, como se tratasse um tecido de seda, em cores
discretas, para contrapor a sensualidade quase erótica que pode
causar o movimento do pano, as vezes colando suavemente nas partes
mais íntimas, normalmente sem outra peça por baixo, esse é o
propósito, ou abrindo fendas e gerando perspectivas e
possibilidades de exploração visual, que o pano grosso e colado não
permite. Como dizia, Isadora portava o mais apertado dos shorts,
onde as duplas costuras do cós punham em risco sua virgindade.
Isadora foi caminhar. Foi ali para os lados dos condomínios, onde
dizem que chegará a João Fiúsa. O rapaz da saveiro passou
lentamente e seu escudeiro, botando meio corpo para fora, disse
coisas que não ouvi, e seguiram caminho, lentamente. Isadora olhava
por cima dos ombros, num exercício impossível, dobrando a espinha,
alçando o bumbum para cima, sim, creio que ela o via.
21 de fev. de 2012
A formação da maioria. Corrupção e Poder, poder e corrupção.
PREMISSAS
POSSÍVEIS:
O estúpido como qualquer
criatura humana é parte integrante da sociedade.
Em geral exercemos influências entre os pares.
Há muitos fatores que determinam a capacidade de influenciar.
Entre estes fatores podemos afirmar: o genético (belo|conteúdo) e o poder (conteúdo).
O belo. Tudo sucumbe diante do belo. O belo é poder.
QUESTÕES LEVIANAS.
Existe poder sem o belo? Por vezes o belo nos deixa sem opções de escolha. O belo em muitos casos chega a sufocar outras possibilidades.
Existe
o poder em si? Ninguém
poderia mandar que calasse a boca, se não tivesse atado, corrompido.
Três
palavras respeito ao poder.
A frase mais estúpida que já ouvi é: O PODER CORROMPE.
O
poder não é forma o poder é conteúdo, portanto o poder não
corrompe, posto que o poder não existe antes da corrupção.
Forma
é Democracia, Monarquia, Ditadura etc então Poder não é
necessidade, mas inerência. Note-se a presença da corrupção ou
poder em todas as formas.
Não
há poder do bem, pois todo poder é tutelar e em sã consciência
não precisamos de tutor. Se precisar ou aceitar tutores é por estar
degradado, corrompido como projeto libertário.
Que
é liberdade? Inventar
caminhos.
Escolher
caminhos de uma bifurcação não é exercício de liberdade, é
coação!
O
poder sem o ser corrompido não existe.
Portanto
o poder em sim é corrupção. Por se tratar da manifestação do
ser degradado. Note que não existe outro ser que não o degradado. O
ser não degradado não delega, não elege tutor.
O
poder também um dia foi genético e divino (deus era o tutor único),
nascia-se Rei, Príncipe etc. Era uma falácia.
Hoje
o poder assumiu forma democrática, não deixou de ser uma falácia.
A democracia é a ditadura da maioria.
A
maioria é sempre a mesma desde tempos imemoriais.
Vivo
a me perguntar como se forma essa maioria?
Para responder tento pousar sobre o tema um olhar atento, calmo e
concentrado. A maioria sempre se repete e é sempre a mesma. Para a
assertiva parti a seguinte observação empírica: a maioria que
preferiu Collor a Lula, preteriu Lula a FHC e Serra a Lula. E
preferiu Dilma a Serra. Neste momento está sendo gerada uma maioria.
Esta maioria não é outra que em seu momento afirmou Collor, FHC,
Lula e Dilma.
Neste
ponto tenho que lançar mão da minoria. A única maioria impossível
é a minoria. A minoria é constituída basicamente de parcela da
categoria dos seres inteligentes.
Inteligência
nada tem a ver com livros que se leu, línguas que se fala, música
que se ouve, questões de físico-química quântica que se resolva,
anos de escola, universidade, embora tudo isso ajude.
Definição
de inteligência.
É
aquele que, humano nos seus fazeres, suas industrias, suas
iniciativas, suas atividades gera lucro compartido.
Quando
a minoria é da categoria dos crédulos. Há que se notar que estes
normalmente estão acompanhados de malvados e estúpidos. Esta é
uma maioria possível.
Sem
perder a concentração, a atenção e a calma. Saliento que tanto a
maioria quanto a minoria já estão formadas.
Não
importando os seus representantes.
20 de fev. de 2012
Igreja Ateísta: A Liberdade.
Sermão pela impossível dupla: Stéphanè Mallarmé & Søren Kierkegaard.
O ser humano atua, isso
quer dizer, que não está programado pela natureza para executar
determinadas funções, de maneira dada, senão que para as eleger
ou optar por alguma ou várias delas. Mas sim poder lançar o dado e
não ver excluída nem a possibilidade do acaso. Isso é o que
podemos chamar liberdade. A liberdade é simplesmente o fato de não
termos nossos objetivos biológicos, zoológicos determinados de uma
maneira fixa como o resto dos animais. Por termos um amplo volume de
possibilidades distintas pela frente e diante das quais exercemos o
arbítrio e optamos ou elegemos. Pelo qual, o sentimento de vazio,
de não ter obrigações, como o de poder dizer sim e não, o de ir
para lá e para cá, entre tantos outras circunstância, fato que
acaba por nos produzir angustia. E angustia é isso, o sentimento
diante do vazio gerado pela liberdade e as escolhas, e que por fim e
ao cabo, o vazio diante da liberdade corresponde também ao vazio
da morte que pressentimos e que ai não temos escolha. De modo que o
espirito treme e se angustia e, em termos últimos, busca a saída
pela fé, mas a fé por sua vez é algo temível, porque a divindade
não nos promete em princípio: razão, compreensão, utilidade,
senãoa que, eleger entre o mundo da razão, da compreensão, da
utilidade, do verossímil e o mundo da fé. Aqui se faz necessário
abrir um parêntese para que não se compreenda a divindade e a fé,
como as adaptações produzidas pelas infinitas igrejas, como se
divindade e fé fossem compatíveis com esse modo de produção de
vida, no qual vivemos, pois eleger a fé é romper com tudo que é
racional, e é o mundo que vivemos, ainda que selvagem, bárbaro e
aparentemente irracional. Irracional é o modelo de Deus, que nada
menos, ordena que um pai suba ao monte com seu filho e que o
sacrifique, execute a esse filho. Nessa história bíblica está o
absurdo terrível da divindade, que apresenta em sua crueza o homem
religioso, na qual o pai aterrorizado, mas cheio de fé – homem
religioso - leva seu filho ao monte e está a ponto de matá-lo até
que a mão de Deus o impeça. A fé está em executar, mas crer,
confiar que Deus impedirá, seja o arbítrio está em Deus. O que a
divindade quer dizer com essa história?
Não outra coisa que: não valem nenhuns dos fundamentos
razoáveis humanos, racionamentos ou arrazoados humanos, nem mesmo as
razões éticas que fazem com que não se permita a um pai matar seu
próprio filho. Para o homem ético, o que faz Abraão, é mera
loucura. E ai temos que pensar que Abraão é o homem religioso. É
crer ou não crer, ou entra ou não entra, e uma vez crente tudo é
possível. Pois, para Deus tudo é possível, e não há nada
necessário, nem sequer o passado, tudo pode ser mudado, apagado e o
entrar no mundo de Deus é entrar no mundo das possibilidades, puras
e abertas, ou então permanecer no mundo do necessário, do mecânico,
seja, do natural. Esta é a opção que se apresenta, sim. Não tenho
forças para me converter nessa profundeza da fé, de romper com o
mundo e dizer: que fique, ai, o mundo com sua razão e me entrego ao
irracional. O que se desprende é que não há mediações possíveis
entre o homem religioso e o ético, somente riscos, sangue e decisão.
Assim a religiosidade é a interpelação pessoal do indivíduo pelo
uno absoluto, noutra palavra, o absoluto o interdita. Esta é uma
relação de resignação e de confiança infinitas. É também um
salto no abismo da incerteza ou do nada. Por outro lado o indivíduo
capaz de assumir sua subjetividade de sofredor e negar-se a saltar no
vazio, esse indivíduo também está sempre exposto ao nada, e esta
exposição é a própria angustia, mas esta revela sua liberdade,
sua responsabilidade e o risco ineludível de eleger-se a si mesmo a
cada passo, ainda que seja o abismo e que não haverá a
possibilidade de que a mão divina o mantenha suspenso.
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