Sermão pela impossível dupla: Stéphanè Mallarmé & Søren Kierkegaard.
O ser humano atua, isso
quer dizer, que não está programado pela natureza para executar
determinadas funções, de maneira dada, senão que para as eleger
ou optar por alguma ou várias delas. Mas sim poder lançar o dado e
não ver excluída nem a possibilidade do acaso. Isso é o que
podemos chamar liberdade. A liberdade é simplesmente o fato de não
termos nossos objetivos biológicos, zoológicos determinados de uma
maneira fixa como o resto dos animais. Por termos um amplo volume de
possibilidades distintas pela frente e diante das quais exercemos o
arbítrio e optamos ou elegemos. Pelo qual, o sentimento de vazio,
de não ter obrigações, como o de poder dizer sim e não, o de ir
para lá e para cá, entre tantos outras circunstância, fato que
acaba por nos produzir angustia. E angustia é isso, o sentimento
diante do vazio gerado pela liberdade e as escolhas, e que por fim e
ao cabo, o vazio diante da liberdade corresponde também ao vazio
da morte que pressentimos e que ai não temos escolha. De modo que o
espirito treme e se angustia e, em termos últimos, busca a saída
pela fé, mas a fé por sua vez é algo temível, porque a divindade
não nos promete em princípio: razão, compreensão, utilidade,
senãoa que, eleger entre o mundo da razão, da compreensão, da
utilidade, do verossímil e o mundo da fé. Aqui se faz necessário
abrir um parêntese para que não se compreenda a divindade e a fé,
como as adaptações produzidas pelas infinitas igrejas, como se
divindade e fé fossem compatíveis com esse modo de produção de
vida, no qual vivemos, pois eleger a fé é romper com tudo que é
racional, e é o mundo que vivemos, ainda que selvagem, bárbaro e
aparentemente irracional. Irracional é o modelo de Deus, que nada
menos, ordena que um pai suba ao monte com seu filho e que o
sacrifique, execute a esse filho. Nessa história bíblica está o
absurdo terrível da divindade, que apresenta em sua crueza o homem
religioso, na qual o pai aterrorizado, mas cheio de fé – homem
religioso - leva seu filho ao monte e está a ponto de matá-lo até
que a mão de Deus o impeça. A fé está em executar, mas crer,
confiar que Deus impedirá, seja o arbítrio está em Deus. O que a
divindade quer dizer com essa história?
Não outra coisa que: não valem nenhuns dos fundamentos
razoáveis humanos, racionamentos ou arrazoados humanos, nem mesmo as
razões éticas que fazem com que não se permita a um pai matar seu
próprio filho. Para o homem ético, o que faz Abraão, é mera
loucura. E ai temos que pensar que Abraão é o homem religioso. É
crer ou não crer, ou entra ou não entra, e uma vez crente tudo é
possível. Pois, para Deus tudo é possível, e não há nada
necessário, nem sequer o passado, tudo pode ser mudado, apagado e o
entrar no mundo de Deus é entrar no mundo das possibilidades, puras
e abertas, ou então permanecer no mundo do necessário, do mecânico,
seja, do natural. Esta é a opção que se apresenta, sim. Não tenho
forças para me converter nessa profundeza da fé, de romper com o
mundo e dizer: que fique, ai, o mundo com sua razão e me entrego ao
irracional. O que se desprende é que não há mediações possíveis
entre o homem religioso e o ético, somente riscos, sangue e decisão.
Assim a religiosidade é a interpelação pessoal do indivíduo pelo
uno absoluto, noutra palavra, o absoluto o interdita. Esta é uma
relação de resignação e de confiança infinitas. É também um
salto no abismo da incerteza ou do nada. Por outro lado o indivíduo
capaz de assumir sua subjetividade de sofredor e negar-se a saltar no
vazio, esse indivíduo também está sempre exposto ao nada, e esta
exposição é a própria angustia, mas esta revela sua liberdade,
sua responsabilidade e o risco ineludível de eleger-se a si mesmo a
cada passo, ainda que seja o abismo e que não haverá a
possibilidade de que a mão divina o mantenha suspenso.
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