Maiara sugeriu que
Antônio Niterói subisse para o cafofo. Mas sua embriaguez e o
Senhor e o Escravo o impediam de mover-se, pediu mais uma garrafa de
Sidra, a chacoalhou e com a cabeça do mata-piolho em alavanca,
ajudou que a rolha de plástico voasse como uma nave espacial. Estava
lá , em nenhuma geografia, por isso, algures não serve, invisível
ou transparente, a ver que uma das consciências desejantes se
subordinasse ao outro desejo. Entenda, deixou anotado Antônio
Niterói, ainda não há história, nada aconteceu, só a submissão.
Mas tempo veio, que o desejo reconhecido como superior, impõe ao
desejante de desejo medrado pela morte trabalhe para ele. O desejo
subordinado, trabalha, produz e leva perante ao outro o produto que
tanto necessita o desejo que o submete. A este Antônio Niterói
chamou-lhe: Senhor, àquele Escravo. O Escravo seguiu fazendo o que
mandava o Senhor. O Senhor queria maçã, o Escravo trazia maçã.
Esta cena fez com que Antônio Niterói recordasse o filme A
Comilança, aonde Ferrer (o diretor) claramente tenta passar essa
ideia, tipica dos anos sessenta, aonde a burguesia comeria até
morrer, e os proletários a trazerem-lhe a comida. Ferrer se enganou,
a burguesia não morreu e continua comendo, ao passo que o
proletariado ainda morre de fome. Voltemos ao princípio. Antônio
Niterói com sua argúcia de detetive da escola
Materialista-dialética-histórica, percebe que o Escravo ao
trabalhar a matéria, só por este motivo, Antônio Niterói explica
o materialismo, não quer dizer apego aos bens materiais, sim,
trabalhar com a matéria, pois o Escravo seguiu trabalhando com a
Matéria, transformando-a, estetizando-a, fazendo por fim cultura, e
com a cultura criando liberdade, é louco, anotou, isso pode explicar
o surgimento de muitos pratos típicos, darem-se justamente aonde a
escassez abunda, a arte, note que a arte grega clássica é superior
ao modo de vida grego da época da arte grega clássica, por isso
Machado de Assis é superior a João Ubaldo Ribeiro, já estou
viajando, vou aproveitar e deixar anotado uma reflexão livre sobre o
amor sob o prisma dessa dialética do Senhor e do Escravo, percebam o
quanto é comum que quem mais ama mais se subordina, e que aquele que
menos ama: submete, eu vou mais longe que Sartre em o Ser e o Nada,
digo que aquele que mais ama, na verdade sente mais o medo da morte,
e se transforma num escravo do outro, e como tal trabalha a matéria
do amor, que é o medo da morte, não sendo incomum, amor e morte
andarem tão próximos. Antônio Niterói vê, o criador da cultura,
criá-la alisando as arestas das pedras, e a rolha de plástico que
havia batido nos dois lados do canto da parede acaba por retornar na
sua testa e ele desperta. O bar está fechado, e Antônio Niterói
sabe que Maiara o espera com suas formas redondas apontadas para ele,
quentes e úmidas. Ele sobe as escadas rangentes, as formas redondas
se mexem e a cama também range.