10 de out. de 2011

Tengo Miedo manifesta: Cada homem um estado!

Tengo Miedo depois de enfrentar com mãos vazias e cara lavada a Ulisses, deixou escrito que reconhecia o mérito, mas que não conseguiu em nem um mísero momento, saber ou sequer suspeitar de quem se trata o indivíduo vestindo um impermeatto que passou entre as sepulturas daquela úmida e quente sexta-feira. Tengo Miedo deixou claro, que não tem, nem uma mísera, pretensão de imitar Paulo Coelho e dizer que poderia se tratar da alma penada de Pat Dignan a perambular pelas ruelas estreitas de sua nova morada, entrando e saindo das varias dimensões possíveis. Tengo Miedo demonstra assim que mantinha acesa a esperança de entender o funcionamento da somatização e a possibilidade de introduzir, no leitor, comportamentos e falências através de estruturas narrativas. Dai sua atenção a detalhes que Joyce introduziu, e que fizeram da narrativa uma coqueluche, mas que para Tengo Miedo, tem traços de outra pretensiosidade, o que o levou a observar o movimento do sabonete que incomoda Leopold por toda a jornada. Todos esses acontecimentos têm para Tengo Miedo uma premissa, uma pretensão e um efeito, não só dentro do corpus Ulisses, como no leitor, como a embriagante sequência de sins de Moly, do allegro ma non troppo a vivace saltitante, que pode ter levado ao derramamento de uma lágrima cromática, mais que uma pessoa, como ocorreu a Tengo Miedo. Que Joyce tivesse as mesmas fantasias que Tengo Miedo tem, está claro, líquido e certo, é uma preocupação constante em Poldy Bloom a consubstanciação via metempsicose. Joyce tangenciou com a concretude quando faz Tengo Miedo sentir vontade de mijar, ao mesmo tempo em que Joe, o cidadão, faz chuá, no bar do vermelho. Claro que Joyce deu uma embelezada na cena lançando mão da famosa teoria de cada homem um estado. Por sinal uma das mais belas ideias de liberdade que existe, e nesse momento de sinceridades acaloradas, não sei se pertence mesmo a James Joyce ou a Tengo Miedo. Cada indivíduo um estado. Grite! Brade! Copie! Cole! Esqueça!  

Voltei a me apaixonar!


Cabelos de serpentina,
chuva de confetes de
nuvens de algodão,
barcos de cartolina
mares de lápis azul.
Nuvens de algodão, faz
barro do meu sofrimento,
calça arregaçada
havaianas embarreadas enganchadas pelas
alças, chego descalço,
penas em revoada
Alma lavada na lama,
chocolate com amêndoas, volto a me
apaixonar,
cabelos de algodão,
chuvas de serpentina de
nuvens de lápis azul,
barcos de confetes
sofrimentos de cartolina,
penas de barro, escorrem no meio-fio, levadas pela lama as chinelas
plenas de almas
apenas molhadas.
Amendoado chocolate. .

9 de out. de 2011

Sou vagabundo.

Nunca choro.
Vivo em um carnaval
cada dia,
me demoro a dormir,
mas me levanto
cada dia
bem cedo.
Me meto uma máscara,
saio para a rua,
_ a trabalhar!
Não tenho ou uso tatuagem,
O veneno!
o levo no sangue.
Mas,
te quero,
indecentemente,
te amo,
como as feias aos feios
veementemente,
te amo 
se ter perco
ou se te ganho
 te amo.
Ébrio pela vida.
Bêbado só
para simplificar.
Mas não é o mesmo digo já.
Mesmo desta vida,
da qual não tenho ou não quero ter nada a ver.
Mas também
Não tenho nada ver com esses cortes de cabelos rasantes que por toda parte passeiam,
essas caras limpas,
a esconder
quem sabe que,
Não tenho obrigações,
se não têm a ver comigo.
Vou de sandálias, vou de chinelas
claro,
não para mostrar meus lindos pés,
mas para sentir alguma frescura neles.
Não quero amores,
Sou vagabundo,
Amante da noite
cada noite.
Deixo avisado que tenho tão-só quarenta mangos
para dormir nalgum lugar.
Quando te encontrar.














7 de out. de 2011

Alçar-se. Primórdios da fala. Ou Tengo Miedo: arqueologia da fala.


O pré-humano andava de quatro patas. Olhos fixos, postos, quase rentes do chão. Não podia falar. Sequer o ar saía desimpedido pela goela. O peso da cabeça pressionava as cordas vocais, quando não, produzia incerta guturalidade, espasmódica e assustadora, pelo espanto do divisado; ao botar-se de pé. Outra dificuldade, a do equilíbrio, dai a necessidade do rabo, não como apoio forte, mas como bengala, antena, antes talvez do labirinto, só para que não caísse de costas. Poucos animais poem-se em decúbito dorsal, naturalmente. Algo houve que o forçou a endireitar-se, por-se ereto. Fazendo com que houvesse uma liberalização das cordas vocais, o fortalecimento dos músculos entorno ao pescoço, diametralmente opostos ao que ocorria antes, ao andar de quatro. Tudo possibilitou a emitir sons variados, dada a maior liberdade do aparelho fonador. De pé, passou a ver longe, e ver formas, acontecimentos e coisas até então não vistas, que necessitavam ser nomeadas, talvez os primeiros substantivos, não necessariamente comestíveis, não necessariamente perigosas a manutenção da vida, mas de alguma forma espantosas, os primeiros adjetivos. E se ao ficar de pé, espantou-se, descobriu o horizonte, com luxo descreveu-o com onomatopaicas sonoridades. Vi nuvem elefante tornar nuvem girafa. De alguma maneira a descrição do espanto, do narrador, se repetiu o espanto no outro, o ouvinte. Não creio que todos falassem. É possível que o falar nos primórdios da fala tenha gerado divisões, familiares, tribais. Assim como o subir em árvores, ou em mirantes de qualquer espécie, deve haver gerado hierarquia. Desse modo o pré-humano que andava de quatro patas, empertigou-se e só então subiu em árvores, não para defender-se, mas para diferenciar-se, e lá do alto anunciou uma manada de bisões, uma enchente ou um lago que a savana encobria. Ou ainda disse: grande água. Dessa maneira, antes de inventar a negação fonada, fez a negaça com as meias rotações da própria cabeça e acrescentou: atravessar outro lado, de onde via, do cimo da anzinheira um outro bando “de quatro” passiveis de serem surpreendidos. Mas certo é também que quando batia com a queixada no peito: sim atravessar, caminho livre, outros de quatro.            

6 de out. de 2011

Ilíada. Canto IV. Violação do Juramento.

AGAMENON PASSA AS TROPAS EM REVISTA.


Menelau procura pelo camafeu de batalha e recebe uma frechada na cintura, qual lançou Pandaro, e assim rompe-se a trégua assinada pelos dois exércitos, antes que houvesse começado o singular desafio entre Paris e Menelau.

Os deuses entretanto, discutiam, valoravam a luta entre Menelau e Paris. Mas o Crônida estava mais preocupado em aborrecer, pentelhar a Hera (…) 7 disse: duas são as deusas que protegem a Menelau, Hera argiva e Atena alalcomênia; mas sentadas a distância, se contentam em olhá-lo; enquanto que Afrodite, amante do riso, acompanha constantemente o outro, Paris, que agora mesmo acabou de salvá-lo , quanto ele mesmo cria que ia perecer.

Os deuses especulavam se Menelau deveria levar Helena, e Priamo seguir com sua Troia povoada.
Zeus seguia amontoando as nuvens. Mas como Hera, a dos olhos de bezerra, seguia tocando-lhe os colhões disse-lhe: Infeliz! Para que destruir Ílio? (…) Assim respondeu a Veneranda de olhos de novilha: Três são as cidades de minha preferencia: Esparta, Argos e Micenas, a de ruas largas, sei que se as quisesse destruir de nada valeria meu esforço diante de sua superioridade....

Os deuses agem como se estivessem assistindo um seriado americano. Mas nas praias troianas, Menelau sofre com a flecha de fresno. Logo chega Asclepíada, médico chamado por Agamenon o rei de homens, que arranca a flecha e chupa o sangue negro do loiro Menelau. Agamenon temeu pela morte do irmão, mas ao vê-lo safo pôs-se a desafiar, que lutassem, a todo o grego exército, chegando mesmo a ofender e increpar aos mais reticentes. Então Ulisses, o rei dos ardis, disse-lhe: que palavras deixastes escapar pelas cercas de dentes que tem nessa tua boa? Porque dizes que somos remissos? Vão e sem fundamento é a tua tagarelice. Então Agamenon vendo que havia dado bom dia a bois, retratou-se: Laértida! ( pois Ulisses é filho de Laerte) da linhagem de Zeus! Ulisses fecundo em ardilezes! Não foi a minha intenção.... enfim baixou a bola.
Assim com a moral tocada e os brios chamados se puseram os gregos a enfrentar os troianos numa encarniçada batalha (…) 539 E quem, sem haver sido ferido de perto ou de longe pelo agudo bronze, houvera percorrido o campo, levado pela mão e protegido das setas por Palas Atena, não havia participado dos fatos das armas, pois aquele dia, numerosos foram os troianos e aqueus que jaziam, uns juntos aos outros, caídos com a cara no pó.

5 de out. de 2011

Ler.



De jovem, a literatura, ainda que rara, me estimulou e complementou. Talvez tenha ouvido mais canções que lido e ai foram parceiros: Chico, Caetano, principalmente. De velho abandonei absolutamente as canções, mas a ainda rara literatura  me salva. Cheguei a uma idade que há momentos que estou extremamente cansado de mim mesmo, dessa repetição, da obviedade mais obtusa que insiste em fazer alarido. A literatura acaba por ser uma porta que permite me divorciar  desse eu sofrego, despistado, um embornal cheio de renuncias, gostares confundidos com verdades,  quereres e suas negativas. Mas mesmo  sem  sair completamente de mim, que não sou Dalai Lama - tipo flutuar, flanar como outro - me descanso neste afazer. As vezes o que leio – novela, romance - me convida a ser um outro horas a fio, longe do maniqueu ordinário, fico a ver a coragem de Homero a fazer Aquiles arrastar Heitor morto diante da amuralhada Troia, sob o olhar lacrimoso de Príamo. Ou um poema que se me apresenta um certo desconhecido, eu, que vive aqui dentro e não o conhecia. Áporo sempre me renova, cavoucando meus túmulos sem epitáfios. Assim um dia desperto e minha personalidade esta embaraçada, ensimesmada. Problema? Nenhum, me meto dentro de um livro e saio outro, insuflado, influído, diluído, condensado como uma esponja. Ainda que temporariamente, e bom por isso também, me conduz um pouco e por vezes confesso que melhoro um tiquinho, como mínimo sinto algo diferente. Salvo, pode ser!

4 de out. de 2011

Cândido, o otimista. O melhor dos mundos. Preconceito e racismo.


Do que pertence ao mundo dos juízos anteriores ao ato.

Cândido chegou a Lisboa na hora do terremoto. E para que a terra parasse de tremer, os sábios coimbrãs, depois de longas conversas decidiriam por um belo auto de fé, onde algumas pessoas seriam queimadas a fogo lento, em pompa e circunstância. Os escolhidos foram um biscainho, por haver se casado com a comadre, Cândido por haver ouvido e Pangloss por falado e dois portugueses por apartarem o bacon que envolvia o frango assado. Ileso, Cândido termina por encontrar sua amada na casa de Don Isachar, banqueiro, que fora obrigado a dividir casa e amante com um eclesiástico, que o ameaçara - o não comedor de bacon - a uma bela fogueira. Pois Cândido que fora surpreendido por don Isachar - que não aceitará redividir sua parte da amante com um terceiro - sangrou-o e fez o mesmo tudo em sequência com o eclesiástico. A amada, Cunegunda, descabelou-se e não entendeu como Cândido, por isso, em dois minutos matará a um judeu e um padre.

Passado outras aventuras, Cândido e Cacambo esbarram com um negro caído, vestido com meio calção azul, ao qual lhe faltavam também a perna esquerda e o braço direito. Cândido o interpelou para acabar de saber que seu patrão o deixara daquela maneira com a ajuda da moenda, que lhe cortara o braço, por imperícia, e o patrão a perna, por haver fugido, e que tal era o preço do açúcar que Europa comia.
O negro lastimava pela incerteza de que seus atos houvessem feito felizes os brancos, mas tinha absoluta certeza de que os cachorros, os macacos e os papagaios eram mil vezes mais felizes que ele. E para empiorar seu desentendimento, os jesuítas holandeses lhe repetiam a cada domingo que todos eram filhos de Adão. Negros e brancos. Que não se interessava por genealogias, mas, se a prédica é verdadeira, que brancos e negros seriam irmãos, e que não se podia tratar de pior maneira a um irmão.
Ouvindo isso, Cândido, quis renunciar ao otimismo, creio que se esqueceu de renunciar ao ter de esclarecer ao negro o significado do palavrão dizendo: otimismo é defender com obstinada veemência que tudo vai bem quando é justo o contrário.