4 de fev. de 2010

Um relâmpago.


Então o pai girava o pedaço de lombo de porco. O menino perguntou se já estaria pronto. Emilio responde: não, que tudo aquilo era uma preparação para o que ainda havia por fazer e o longo que seria. O mesmo que ir ao centro da cidade ver os peixinhos vermelhos e amarelos em volta do coreto e voltar.
“Primeiro dou-lhe este aspecto de acabado para só depois fazê-lo”. Como se a aparência fosse uma urgência. Se for saboroso, tenro o saberemos depois, se antes já estaremos seduzidos, que importância haverá no contido, no fundo é o não existir a possibilidade de transformar conteúdo em beleza. Emilio dava outro tombo ao lombo da besta, numa frigideira que acumulava a essência do sabor, o lombo mostrava seu lado dourado e o conjunto seguia exalando olores matizados e amalgamados de todos os ingredientes, dos quais só podemos dizer alguma coisa partindo das matérias primeiras e neste momento era outro o cheiro, um que não estava ali no princípio de tudo. O lombo, o alho, o louro, a pimenta do reino e o limão-cravo. Tudo começara na noite anterior, de um domingo que seria cheio de aventuras. Antes, porém uma longa marinada, sonhos. Todos aqueles domingos: como aquele que foram pescar no rio Mogi-Guaçu. O menino sentado no banquinho colocado no cano que une o selim ao guidão numa bicicleta de aros e raios reluzentes. Emilio prendia a barra da calça com uma atadura para que não resvalasse na corrente engraxada, erguia com seu capote uma pequena cabana para o menino, caso de chuva, que soe cair torrencialmente à tardinha e era quando as traíras com as gordas gotas da chuva fazendo cogumelinhos invertidos no lento leito da barrenta água do Mogi nos seus saltos para a indiferença de ser água de um caudal; se despertavam entre as algas e saiam à caça. Emilio ia uma a uma retirando-as dos anzóis das varas cravadas na branda barranca úmida do rio. Emilio entretido com traíras e varas tarda a dar-se conta que o menino não estava dentro da cabana, somente quando foi buscar o embornal para guardar os peixes se inteirou de sua ausência. Olhou para um lado, outro. O caudaloso rio. Olhou-o sem desespero. Temeroso enxugou com somente as mãos a água do rosto e começou a chamá-lo: Ademir, Ademir. A chuva fazia ruído e seus gritos nem sequer ecoavam e Emilio pôs-se a vasculhar pela mata ciliar. Não tardou a divisar Ademir, que se tapava a cabeça com uma folha de inhame e ali se mantinha entretido com as gotas da chuva que deslizavam pelas folhas do tubérculo. Sabia que Ademir tanto quanto ele temia a água e sua obediente voluminosidade e seu justo e antidemocrático peso especifico. Seria então domingo, logo que começassem a construir a cabana embaixo da mangueira, manga espada, ao lado do limoeiro, limão cravo. Juntos, logo depois do café com leite e pão com manteiga, já haviam aberto o cilindro do latão de duzentos litros e desta folha retangular de zinco fariam o telhado da cabana, quando o lombo fosse para o forno. Ademir já corria quintal afora rumo à cabana, quando a porta do fogão se fechou sobre o lombo todo dourado. Emilio ouviu um grito contido, de um pé de moleque pisando os restos esféricos do latão. O sangue era tamanho. O corte imenso. Era domingo. Tudo estava fechado, menos a dona Neusa que o benzeu depois de lavar o corte com uma infusão de fumo de corda, beladona e a urina do próprio Ademir. Voltaram para casa. À varanda dos fundos da casa o menino pouco se importava com a construção da cabana e Emilio tampouco a terminou.




P.S. Algum que queira continuar lendo a história de Ârtie, deve clicar o enlace acima e a esquerda.
Fernando um velho conhecido se incumbiu de continuar.

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