1 de fev. de 2010

Ainda Arthuro

Era duas menos trinta do meio dia, quando ouvi a campainha. Minha mãe toda vestida penteava o cabelo. “Que saudade do permanente” – “ Faça” – “ Não posso” – “Como?” – “ Já tem a química da pintura” – “ Ah! Atenda a porta por favor deve de ser o Arthuro, digo Arth”. Era Arth. Uma imensa cabeleira loira, uns intensos escuros óculos. Calças de jogar capoeira, branca, transparente. Camiseta cava redonda sem mangas rosa bordô, camisa em mangas curtas, branca, aberta, despojada pelo ombro. Pulseira corrente em prata. Calçava um chinelo em couro cru com uma alça ao peito do pé, sustentado por uma argola em couro no dedão e unhas pintadas com um transparente e delicado rosa.
- Querida, como você é mais jovem que pensei!
- Obrigada entre Arth.
- Ârtie.
- Como?
- Ah! Minha filha, se o bofe pode por um acento numa paroxítona Dárcy terminada em y, eu posso por o circunflexo.
- E eu? Mamãe fazia uma voz de criança.
- Você? Rum. Ârtie pousava sua bolsa preta da Nike à mesa e com as mãos livres arranjava a franja dos cabelos de mamãe. Bote logo um trema Lü. Disse Ârtie fazendo um petit bicô. Beliscando carinhosamente o queixo de mamãe. Quando passaram pela cozinha Ârtie fez o intenso escuro escorregar pelo aquilino nariz e com um nuto me tinha cumprimentado e quando já adentrava à copinha, olhou para trás tudo ao mesmo tempo dizendo: faz bom olor!
Foram para o quarto e se acomodaram à cama. Enquanto as duas tricotavam. Pacientemente me ansiava com os fideus a se eriçarem, o quê nem sempre acontece. Sem isso não passaria de uma macarronada ordinária de frutos do mar. No que comecei a por a mesa à copinha, esta foi invadida pela dupla. E num transbordamento de alegria puseram-se a enfeitar o comedor. Do quintal Ârtie e mamãe trouxeram uns ramos de manjericão, dois cachinhos de uvas ainda verdes. De seguida foram à rua e cortaram um ramo da pitangueira à calçada com pitangas do verde ao vermelho passando por todos os matizes de amarelo e vermelho. Meus velhos pratos da Arcoroc vieram também prestigiar. Fiz com que se acomodassem e lhes trouxe uns camarões vestidos com espaguetes cozidos em tinta de lulas. Disse-lhes: Camarões a Black Tie.
Ârtie aplaudia e de seguida me corrigiu fazendo um q seco e Blâq Tai e fazia uma onda com a língua que tocava o céu da boca lá no fundo da cavidade bucal. Mamãe quase entrava dentro de sua boca a fim de ver.
- Como se faz em Eaton. Disse-nos.
De seguida apresentei-lhes a Fideuà. Os fideuzinhos estavam mais eriçados que os cabelos do Manolito. Muito aplaudida a Fideuà foi comida com costas de garfo. Mamãe preferiria a colher, mas Ârtie insistiu-lhe “Garfo querida”.
Eu havia jogado futebol pela manhã, como a cada domingo. Assim com meu justificado cansaço fui para minha sesta, pois logo teria que ir trabalhar. Despertei-me entorpecido. Duchei-me e dei-me conta que estavam trancados/a no quarto de mamãe. Despedi-me através da porta e fui trabalhar. Mamãe disse: “tranque a porta do quintal”.

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