11 de dez. de 2014

Música.

Um pouco de música aos amigos.



Está que se acaba um ano de extraordinária intensidade política, e me parece que o vindouro o superará. Mas tantas discussões e embates e discursos, também saturam, um pouco. Vem a gosto esta treva natalina, digo trégua a tanta loquacidade, vou dar atenção à música, às palavras, não à letra. Me deixar balançar por elas, que venham só ou em bandos, leves, batendo asas, e sons, cheiros e cores em enxames de imagens nômades. Assim, será leve o ano pesado que vem. Como são leves os anos passados. Deixo a inquietude e o desassossego para sua hora. Agora a vez da voz do tato num corpo de dunas, onde meu coração reencontra a coragem da disparada, pelo poente escarlate que pulsa pelas veias no pescoço avermelhado deste crepúsculo.  

9 de dez. de 2014

O Diabo e o gato de Ão.



Parto de uma carta de James Joyce a seu neto Stephen.


Ão é uma minúscula vila às margens do Ão. Ão é o rio mais comprido de Bonfina, pequeno estado ao sul de Ribeirânia. Ão é também o rio mais largo, pelo menos para Bonfina. Em Ão ele é tão largo que se você quisesse atravessar de uma margem a outra teria que dar no mínimo mil passos.
Muito tempo atrás o povo de Ão, quando queria atravessar, construía uma jangada de troncos de bananeiras, porque não havia ponte. Também não podiam construir uma ponte nem pagar para construir e ninguém para fazê-la. O que fizeram?
O Diabo que está sempre a ler o jornal de Ribeirnânia, A Vila, soube dessa triste situação de Ão, de modo que se vestiu e veio visitar o prefeito de Ão, que se chamava Gu de Ão e Ão, casado com La Pa de Tu Bele e Ão, Ão que veio do Prefeito. Esse prefeito também gostava muito de vestir-se … bem. Usava uma calça Lee boca de sino do tempo do mocassim, sempre com uma caxarrel escarlate, e uma pesada corrente de ouro no pescoço coberto pela caxarrel, ia assim vestido mesmo quando adormecido em sua cama com os joelhos na boca, em conchinha com La Pa de Tu Bele e Ão, Ão que veio do Prefeito.
O Diabo disse ao prefeito o que lera no A Vila e falou que podia fazer a melhor ponte que já fora feito e melhor que a de qualquer lugar e isso numa noite. E disse: “Nada de dinheiro, Gu de Ão e Ão !” e acrescentou: “Tudo que exijo é que a primeira pessoa a cruzar a ponte me pertença!”. “Bom” disse Gu de Ão e Ão marido de La Pa de Tu Bele e Ão, Ão que veio do Prefeito.
A noite desceu, todas as pessoas em Ão foram para a cama e dormiram. A manhã chegou. E quando puseram as cabeças fora de suas janelas gritaram:” Oh Ão, que linda ponte!”. Quando viram a fina ponte lançada através do largo rio.
Todas as pessoas correram para a cabeça da ponte e olharam para o outro lado. Lá estava o Diabo. Parado na outra cabeceira, esperando a primeira pessoa que a atravessaria. Ninguém se atrevia, pois viam que lá estava o Diabo dançando uma catira.
Houve um som de cornetas dos corneteiros do prefeito, e as pessoas ficaram caladas. E Gu de Ão e Ão com sua caxarrel escarlate, seu pesado colar de ouro em volta ao pescoço, sua fivela da queima do alho. Numa das mãos trazia um jarro de água, e debaixo do outro braço carregava um gato.
O Diabo parou de dançar, ao ver o escarlate do outro lado da ponte, tomou de seu longo binóculo e os instalou junto aos seus olhos rubis. As pessoas de Ão cochichavam, sibilavam seus hábitos seculares, além de olharem furtivamente de soslaio, de rabo de olho. O gato ergueu os olhos e encarou o prefeito nos olhos. Porque era permitido aos gatos encarar o prefeito, olho no olho. Quando cansou de encarar o prefeito, baixou o olhar, pois mesmo os gatos se cansam de encarar o prefeito com sua pesada corrente dourada e sua caxarrel escarlate e sua calça boca de sino e sua fivela da queima do alho, mas começou a brincar com a pesada corrente de ouro.
Quando o prefeito se aproximou da cabeça da ponte, todo homem sustou a respiração, e toda mulher sustou seus suaves silvos úmidos.
O prefeito Gu de Ão e Ão, colocou o gato no chão da ponte e mais rápido que o pensamento de um raio, splash! Jogou água do jarro sobre o gato. O gato entre o Diabo e o jarro de água, mais rápido que o pensamento do raio pensado pelo prefeito, com suas orelhas para trás correu para os braços do Diabo.
Zangado como ele mesmo, o Diabo se zangou e falou ao povo de Ão:
Homes i Dones” gritava o Diabo do outro lado da ponte. “Vosaltres no son pas les gentes més bonicas que n'hi ha al mundo mundial” “vosaltres gairibe ho son gates” então disse ao gato: 'vini aci, meu gatet, que teniu por, meu petit gat?” “teniu fred”?
vini pobret meu que el diable t' encarga” “Anem al infern per una mica de chafagor, hi ens calentarem”.
E lá se foi ele com o gato de Ão.

P.S. O Diabo geralmente fala a língua dele o “Linguadovovo”, que ele inventa quando anda por ai, mas quando fica zangado pode falar em Catalão muito ruim bastante bem, embora quem o ouviu diz que tem um forte sotaque caipira!

tradução não ortodoxa da carta ao neto Stephen, Roubada a James Joyce, já em domínio público.


5 de dez. de 2014

Dervixe Político.


Não sei se vale a pena fazer tanta força para escapar das garras da igreja e depois do comunismo, simplesmente para ficar a merce de uma auto visão monstruosa da própria vida, sem felicidade e nem serenidade em lugar algum. Mas no fundo o que acontece é uma ruminação sobre o plano inferior dos fatos, de temperamento e moral católicos e de cunho sexual. O batismo dá mesmo esta inclinação para acreditar no mal. Sem dúvida, a miúde, as manifestações libertárias estão impregnadas de catolicismo, de temperamento católico, acho que já disse antes, que a liberdade dentro do catolicismo é a perseguição, e esse é o nosso problema pátrio, além de pessoal. Em toda e qualquer putaria há possibilidades de engendrar alguma poesia e pausas, para escapar da tensão desse muito riso rarefeito de impressão feliz. O que digo não tem importância. 

Cada qual tem seu plano. E sem dúvida, meu amigo, pessoas muito mais competentes que eu, que lhe falem em um tom bastante diferente do meu. Minha única desculpa para dizer o que penso é que é isso que eu penso, e que tenho tão pouco prazer em dizê-lo, que talvez seja essa a principal razão de eu não dizer. Não tenho humor para falsificações deliberadamente grotescas. O que me dizem é que deveria me abandonar ao balanço deste movimento nonsense. Muitos o aprovam e você também. Escrevo com grande tensão, a mesma que sinto quando tenho que rebater cada maldita coisa que se sabe sobre cada pessoa que aparece ou qualquer coisa que brota, com aspectos tão verdadeiros e tanto talento, que as vezes também os tomo como certos, mas minha paciência se esgota. De qualquer modo, recuso-me a ser levado no torvelinho dessa dança insana por um dervixe político.    

A Mulher e o Mar.

A mulher e o mar.
Sempre olho pelo retrovisor e vejo essa mulher, sempre num papel secundário, quase figuração. Assim que esse texto é uma mudança de spin, aonde explico a história de uma mulher valente, com caráter, triste, porque nada é mais triste que a gestão da miséria. “Que tem pra comer mãe?” Suas crianças voltando para casa e ela batendo roupa, com as mãos se dissolvendo de tanto ficar mexendo na água. Um suspiro, um espirro da alma: “Pão com miolo e ovo frito!” Em algumas versões acrescentava “a moda da casa!” . Toda a impotência condensada num renego curto e sonoro. Que mais queriam que tivesse pão, ovo, nem que fosse pão-duro, e leite em pó que a igreja andava distribuindo. Havia enviuvado prematuramente e tudo mudara. Ainda mais. Não por causa da ditadura, porque esta não lhe afetava em nada. Havia decidido manter intacto um velho sonho de juventude, para sobreviver. Um anseio de liberdade que nem a ditadura nem a fome não podiam borrar. Ela queria ver o mar. Desde sempre. Desde que era uma jovem que havia se cansado de rio, porque a cada dia lá estava para carregar uns quantos baldes de água. Um na cabeça e outros a cada mão. Uma cena de dura cotidianidade que se repetia. O caminho de volta era sempre mais longo, mas cantavam e se explicavam alguma confidência. As vezes suas amigas riam de sua teimosia, mas ela não renunciava àquele azul infinito. Doía que a vida fosse tão ingrata, que não lhe concedesse o desejo de abraçar com o olhar aquela imensidão. Os anos passam, e já não era tão jovem. Tivera três filhos. Perdido o marido. Havia sofrido muito. Mas manteve-se fiel àquela rebeldia com gosto de sal. Era a sua pequena vingança contra quem lhe havia escrito um destino tão penoso e desagradecido. Um dia, um dos rapazes, teve que fazer as malas porque o trabalho o levava longe daquele lugar esquecido. Uma mudança de roteiro inesperada. Com a desculpa de ir ver o filho, por fim, veria o mar. “Cheguei a pensar que morreria sem te ver”, ouviram-na dizer. E o viu. Não sei que impressão lhe causou o mar, porque não retornou. Morreu, subitamente, numa vila de pescadores que não havia ouvido falar o nome antes. Uma vitória pírrica sobre a época miserável que lhe coube viver.     

3 de dez. de 2014

Facebuquecídio.

Virtualicidio.



Com incerta frequência dou uma passada de olhos pelo perfil do prof. Olavo de Carvalho. Devo salientar, entretanto, que se trata de atividade recente, de dois anos para cá. Há grupos de estudos e uma pauta, qual Olavo vai adequando aos acontecimentos. Noto que seu séquito cresce, se enfurece e se sente pronto para um confronto com os comunistas, gaysistas etc. Ele aconselha, diz que a luta é árdua, mas que os “adversários” começam a borrar as calças. Se soubesse o que é inteligência, diria que ele talvez o fosse, mas só o será ao conseguir o seu intento, que me parece um leque de insaciabilidades, muitos. Trava uma batalha particular contra acadêmicos uspianos e consortes, por algum motivo que não alcanço, e não me interesso alcançar, e faz uso de sua massa de seguidores para alvejar os “comunistas” ,onde houver, e os vê e os sinaliza por toda parte, e tudo mais que se possa, por livre associação (deles) parecer-se a socialidades. A esquerda é burra e Mario Ferreira dos Santos um gênio, do qual se põe abaixo por um pelo de nariz. Seus deuses são os libertários, como Mises, Von Mises et colegas, se dizem cristãos, e se sentem como aqueles do velho coliseu romano, e cada petista um Cæser virando o polegar. Conselho seu recente, na verdade é um apanhado de frases já feitas antes por ele, e o resultado é esta foto, que retirei direta de uma postagem dele. Algumas pessoas conhecidas têm levado a cabo seus conselhos. É o enfrentamento, pedido por Olavo de Carvalho, que se tem visto, crescente e feroz, por estas bandas virtuais do cotidiano. Por estas e outras que decidi cometer um Virtualicidio. Tenho alguns amigos que por simplorismo mental, e preguiça, acabam por dar força a esse tipo de grupamento. Porque não criam a própria sede de seus pensamentos e interesses, mas simplesmente comungam, por via transversa, com isso. Começarei com a cabeça de alguns amigos virtuais, desde já, seus discípulos, os outros continuaram sub judice. rs

diz Olavo: 




 "Mais importante do que tirar a Dilma da presidência é expulsar os comunistas da sua escola, da sua igreja, da sua sociedade de bairro, do seu clube. Isso não depende de grandes mobilizações, depende só da coragem e iniciativa de cada um. Isso não é nem política: é dever pessoal. Denuncie cada filho da puta, atire na cara dele, em público, todo o mal que ele representa e personifica. Recuse-lhe amizade, tolerância ou respeito, mesmo em pensamento. Esses canalhas vivem da generosidade das suas vítimas.

2 de dez. de 2014

Il lupo perde il pelo ma non il vizio

Rien ne se crée, rien ne se per.... Il lupo perde il pelo ma non il vizio


Há uma coincidência entre o presente e o passado. Levando isso ao paroxismo, não há datas, então nem presente nem passado, que o tempo – a linguagem sendo expressão do tempo – é uma série de coincidências gerais de toda a humanidade. Palavras movem-se em palavras, pessoas em pessoas, acontecimentos em acontecimentos – mais incidentes que acontecimentos – ambíguos como um trocadilho, ou um sonho. Caminhamos na escuridão, mas em estradas nossas velhas conhecidas, familiares. Il lupo perde il pelo ma non il vizio, dizem os italianos, e os tigres não podem mudar suas manchas.  

Nada se cria, nada se perde...

Nada se cria, nada se perde.

Deixando a sinédoque e a metonímia de lado, pois só me querem constranger, concluo ou presumo que não tenho qualquer poder sobrenatural, tampouco sei ou presumo os métodos e as motivações

do universo. Sinto que a realidade é um paradigma, mais precisamente uma ilustração de uma regra, provavelmente, não verificável. É só uma percepção, que nada tem de grandiosa, como a ordem ou o amor, é bem mais humilde, trata-se da coincidência. Dentro dessa regra presumida, percebida, não importa o quanto queira manipulá-la, porque ela pode assumir somente poucas e certas, ou incertas formas. Todos e o mundo nos deslocamos num movimento contínuo e ao mesmo tempo limitado nas suas possibilidades. Isso só me consola, porque sei que cada traição é apenas uma de uma série infinita. Toda atrocidade tem sua antecedente também horrível. “Rien ne se crée, rien ne se perd” . Assim simultaneidades inesperadas são as regras. Coincidência de pensamentos meus com os de outros. E eu e os outros, que podem ser virtuais, ficcionais, reais e míticos, peregrinamos nesse processo universal.