27 de nov. de 2014

História da Omissão

História da Omissão
A gente 'fomos' omissos, durante tantos anos, cidadãos omissos. Nossa desdemocracia é anterior, muito antes da ditadura, mas a ditadura aprimorou-nos ainda mais na omissão. Os pobres, por isso mesmo, na luta pela simples sobrevivência, numa relação de trabalho 'semi' escravagista, não tinham e não faziam qualquer ideia a respeito de liberdade de expressão, sequer saberiam se expressar. Outros tantos se agarraram à ideia de um comunismo imediato, para tolerar ou apoiar ditadores. E tudo que vinha do mundo político se engolia, como verbalizou ainda recentemente Zagallo, a propósito dele mesmo, 'vocês vão ter que me engolir', e engolimos, da mesma forma engoliu-se outros no âmbito do ludopédio nacional. Outro disse: 'Prefiro cheiro de cavalo...' . Era assim: na biblioteca do Otoniel, uma bibliotecária com mais penduricalhos que uma árvore de natal, me proibia escolher o que queria ler, por exemplo, dom quixote, por nada, por determinação dela própria. No mesmo colegial, pensamos exigir cortinas contra o inclemente sol, saímos em passeata pelo pátio, a mim, me torceram o braço, um servente... voltamos à sala de aula... e o professor Décio Setti que hoje admiro, considerou exercícios resolvidos e explicados, na nossa ausência... caíram na prova. Fazer greve se tornara coisa de vagabundos. E é nessa condição de intocáveis que muitos políticos se mantêm. E há, inclusivamente, alguns, que a massa hedionda, considera natural, por direitos adquiridos, dessa idade média brasileira. Se você quiser saber como era, basta ir a um conjunto habitacional – COHAB – e verá que em cada esquina, se não morreu, mora uma família que foi cabo eleitoral de algum ex-prefeito, porque em geral as esquinas tinham terrenos maiores, porque as esquinas são bons pontos comerciais, etc... Se um simples sorteio de moradias para miseráveis, (muitos não eram, na verdade conseguiam sua segunda propriedade, ou mais) era vilipendiado, pode-se imaginar o demais. História da omissão.    

25 de nov. de 2014

Dia da Casinha, do retrete.

Dia da casinha. Retrete.


Outro dia – 19 novembro – foi dia da casinha, retrete, trono etc. Não creio querer divagar a respeito, mas sei que há muita pedagogia nas intenções da ONU, e muita hermenêutica para ser dixavada a respeito. No mais os tais 'dias internacionais' têm mesmo esta serventia: um mote para iniciar uma conversa qualquer, séria, bem-humorada, de escarnio etc. Tenho outro motivo, um trono, talvez o mais interessante no qual fiz o que mais sei fazer. Foi nos Pirineus. Mais precisamente em Esterri d'Àneu, numa Fonda (pousada), numa de muitas idas à montanha para colher cogumelos. O catalão é micólogo e eu embarquei no gosto, é mesmo que ir pescar por estas bandas, sou meio Zelig, me adapto tão facilmente quanto me desadapto. Pois, a tal Fonda guardava uma relíquia; um banheiro onde existiam as louças normais e correntes, além de uma, que para alcançá-la havia que se subir uma escada de pedras, uns 6 degraus, para se sentar no trono, um verdadeiro trono, pois desde uma fenda na parede, se divisava todo o vale que se perdia de vista, num horizonte de montanhas com picos brancos de geleiras eternas, ao lado havia a pertinente frase esculpida numa tabuleta: “se domina, con el ojo ciego, buena parte del mundo.”
 A merda para aquele povo é coisa séria, tanto que um de seus maiores expoentes das artes culinárias, um desafeto de Ferran Adriá, Santi Santamaria, dizia que a comida é boa se a merda for boa, tudo isso na TV. E a conversa andava por este prisma, quando Augusti, dono da Fonda, me contava que Ava Gardner, o animal mais belo do cinema, contou no seu livro para levantar grana para sua velhice, que na Espanha nem as privadas funcionavam a contento, e acrescia o sujeito, se ela que esteve por muitos retretes do país, tivesse houvesse ali se sentado, não teria escrito aquilo.      

19 de nov. de 2014

A dor é o real, único. Hurt. Johnny Cash


Uma tentativa de tradução de Hurt que Johnny Cash converteu no seu epitáfio. Cash uma lenda da música norte-americano do séc XX, viveu com intensidade 'virtual' nos paraísos que o álcool e as drogas franqueiam, mas como 'alguns', de sua geração, sobreviveu ao vício, e até uma tentativa de suicídio sobre o palco em 67 na mítica Nickajack Cave. Mas no fim do caminho, senta-se e só diante das sombras, faz esta simples versão, com uma nudez que aspira à essência. Um balanço final doloroso. Uma leve esperança. Uma guitarra acústica. Um piano que soa como um martelo cravando cravos no próprio ataúde. Seus dedos neste videoclipe tem o alento da morte sob a pele. Não tem voz, mas ela aparece, nasce, cresce na gravidade, um grito de socorro desde o fundo do poço, mendicante de uma segunda oportunidade, voltar a viver, encontrar o caminho que redima. Apesar de tudo, já é tarde: enterremos o passado, mas tudo é recordação. Demolidora: você já está como qualquer outro, eu ainda estou aqui. Dignidade é a dor que se revela como o único real.

Não sei se ainda sinto,
para saber se me faço mal.
me centro na dor,
é o único real.
\ a agulha faz um buraco,
na mole e antiga morte.
quero enterrar o passado,
mas tudo é recordação.
Sabe, não me reconheço, doce companhia. Todos que conheço se me vão ao final.
Poderia ter tido tudo,
império ao meus pés.
Te deixarei só
e te farei muito mal.
Levo coroa de espinhos
ao trono dos mentirosos.
Promessas não cumpridas,
que já não cumprirei.
Sob as marcas do tempo,
o sentimento morre.
Você já é um outro. Eu ainda estou aqui.
Se pudesse voltar a viver,
daqui a um milhão de milhas,
poderia proteger -me,
encontrar um caminho.
I hurt myself today
To see if I still feel
I focus on the pain
The only thing that's real
The needle tears a hole
The old familiar sting
Try to kill it all away
But I remember everything
What have I become, my sweetest friend?
Everyone I know goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt
I wear this crown of thorns
Upon my liar's chair
Full of broken thoughts
I cannot repair
Beneath the stains of time
The feelings disappear
You are someone else
I am still right here
What have I become, my sweetest friend?
Everyone I know goes away
In the end
And you could have it all
My empire of dirt
I will let you down
I will make you hurt
If I could start again
A million miles away
I would keep myself
I would find a way

17 de nov. de 2014

''Agora ele entrega todo mundo!"

Trago o seu amor de volta...
Parece mentira que em pleno séc XXI, seja tão fácil encontrar anúncios em todas as mídias de cartomantes, videntes, astrólogos e todo tipo de sem-razão, que por um bocado de dinheiro se oferecem para curar milagrosamente, adivinhar o futuro, recuperar o amor ou garantir boa fortuna.
É curioso que atitudes que correspondam às primeiras etapas da evolução da humanidade, o pensamento mágico entre tantos - continuem enraizados. As vezes, fazemos coisas aparentemente ridículas – não pisar numa risca de rejunte de lajotas, levantar da cama sempre com o pé direito, não abrir o guarda-chuva dentro de casa, não passar debaixo de uma escada, bater na madeira, etc. Ainda que essas sejam superstições ou manias inofensivas, mas suponho que cada vez são menos pessoas as que levam a sério a má sorte de cruzar com um gato negro, ou estilhaçar de um espelho ou o derramamento de um saleiro.
As superstições têm a ver com a crença mágica de que fazer ou não certas coisas pode influir no nosso futuro e no dos nossos familiares e amigos. Acender uma vela. E há os que têm suas raízes na história. Dizem que Jesus, quando arrotava, é porque algo estaria por acontecer e o arroto me parece poético num bebe, ademais é só uma escrotice. No teatro se evita a cor amarela, porque parece que quando Molière morreu, em cena, andava vestido desta cor, além, claro, da famosa 'merde'!

Desconheço a magnitude sociológica atual destas crendices. É possível que as situações propiciem o reforço de algumas superstições: ''agora ele entrega todo mundo!'' Penso que os acontecimentos são estritamente arbitrários ou poéticos.       

10 de nov. de 2014

A memória de seu tempo

A memória de seu tempo.

Não sou de citações. Pedantismo, o justo. Mas ainda é de sobra, para o meu gosto. Enfim, não sou de citações, porque prefiro minhas frases maravilhosas. As vezes têm outra autoria. Outras, são fragmentos de conversas ouvidas 'por acaso'. Não sei porque a memória escolhe e recolhe o que lhe convém. Li 18 Brumário algumas vezes, tantas quanto li 100 anos de solidão, um de cada vez e no seu tempo os li pela primeira vez sem pausa. Dois livros magníficos. A essas alturas, todo mundo já comeu tomate seco, e não convém que faça comentários deles. Fico com uma frase que se repete em ambos os livros. De nenhuma sei a literalidade, ainda que fosse fácil ir lá  ver. A de Marx, o Carl, cita Hegel que disse que a história se repete, e aquele acrescenta a esta, que a primeira vez como tragédia e depois como farsa. Já a de Marques, o Gabriel, parece – se me lembro bem – sai da boca de Úrsula Buendia ( levei anos a perceber, que 'Buendia' é Buen dia e é bom dia). Tanto faz se foi Úrsula, suponhamos que sim: “la vida es como una atracion de feria, que no avanza, sino que se da las vueltas.” Teimosa e grotesca. Porque a memória é dos mais velhos. 

Tudo culpa do Frederico.

“Temos que confessar”. Era um pecadão. Não era caso de polícia, mas havia chegado o momento de falar. “Como diremos?” Era um tema delicado e havia de o preparar. Não se podia dar versões contraditórias de fato tão grave. A agonia se apoderava de nós. Se acabava o tempo. É curta uma semana, se no sábado expira o tempo de dizer aquilo, que não se podia calar. Agora já não podíamos adiar mais. Zequinha tinha uma solução: “ não precisa dar detalhes, já se dará por satisfeito em ouvir que cometemos pecados”. Se notava que tinha ouvido seu irmão mais velho e experiente. De acordo, diremos que cometemos atos impuros e confiaremos que o padre não faça perguntas. O caso é ficar livres da culpa, no dia anterior da primeira comunhão. Mas o padre José se enervou. E com isso não contávamos. Quis saber detalhes. Principalmente quando pela quinta ou sexta vez ouvia a história do ato pecaminoso. O Padre saiu com o Murilo segurado pelo antebraço, e nos chamou a todos para uma conversa na sacristia. Tudo começara um ano antes, no Cine São Roque, num filme de Fellini, a molecada naquele carro vascolejante, e por Gradisca tínhamos Elzinha nos seus banhos de sol, que nossos olhos varavam pela cerca viva de mandacaru. Tudo que víamos no cinema, imitávamos por uns dias. Temíamos ser excomungados, antes de provar o corpo de cristo. Mas, Pe. José, que nos chamava 'ninhos', 'esso passa filhos', e sabedor da geografia, ''cuidem porque estavam tão perto da ''Santinha'' e não pode esconder seu melhor sorriso e nos permitia entrar na morada do senhor... eu me recordo, tudo culpa do Frederico.  

8 de nov. de 2014

Se Tiririca é honesto, aonde vamos com isso?

Se Tiririca é honesto, aonde vamos com isso?


A honestidade deve ser a configuração mínima da atuação política, é óbvio que temos que exigi-la a qualquer político – como a qualquer empresário, engenheiro, jornalista, domador de dálmatas – que sejam honestos. É notório que a maioria dos políticos brasileiros não o parecem, é óbvio, é necessário fazer com que sejam. Mas, isso, em política, não serve para muito: que um político seja honesto não define em absoluto sua conduta, linha política. A honestidade é – ou deveria ser – um dado menor: o mínimo denominador comum, a partir do qual possamos começar a perguntar: que políticas públicas propõe e como se aplicam.
Ninguém argumenta que a corrupção não seja um problema grave. Mas também é grave quando a usamos para pautar o debate político. O debate sobre o poder, sobre a riqueza, sobre as classes sociais, sobre suas representações. Precisamos de políticos honestos, dizem, e a honestidade não é de esquerda nem de direita, penso.
A honestidade pode não ser exclusividade da esquerda ou da direita, mas os honestos sim. E se pode ser muito honesto de esquerda e muito honesto de direita, e é nisso que temos a diferença. Quem administra honestamente em favor dos que têm menos, de modo geral, será mais de esquerda. Quem administra honestamente em favor dos que têm mais, de modo geral, será de direita. Também não gosto da terminologia direita\esquerda, mas é o repertório que se conhece bem, ou nem tanto.

Poderão tanto um quanto outro ser muito honestos. E ainda serão muito diferentes. E é essa diferença que não se alcança, não se vê, discutindo corrupção.