15 de ago. de 2016

Infâmia

Infâmias.
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Pierre Laval foi primeiro-ministro francês, nos anos 40-42, do famoso regime colaboracionista de Vichy, foi condenado à morte em 1945. Símbolo da infâmia, permitiu que milhares de pessoas que residiam na França fossem deportadas e exterminadas. Laval que fora socialista, a começos do séc XX,  aos poucos foi se convertendo ao conservadorismo, e nos anos trinta do mesmo século  já respondia chamada na extrema direita, foi então se fez nazista. No seu julgamento, argumentou que havia permitido deportar as crianças, por razões humanitárias, não quis separar os pais dos filhos. E porque também havia espaço suficiente nos vagões dos trens, normalmente usados para animais. Então, bastava parecer, tão só parecer diferente, cor, religião, língua, crença origem, ideias, comportamento, doenças... este século tinha tudo para pôr fim à barbárie, e nos entendermos. Mas não é assim. Assistimos conflitos em que os generais são executivos nos escritórios e as vítimas cidadãos, que de um dia para o outro se vêm expulsos do que pensavam ser o paraíso. Tratados pior que animais, são espetáculo por uns dias nas TVs do mundo.
Em qualquer conflito sempre há os que pensam que têm mais razão que os outros. Pobre ilusão,  a razão o tem aquele que provoca o enfrentamento para viver dessa miséria.

13 de ago. de 2016

Tenho muita sorte dentro do azar!
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Um dia abri a caixa do correio e lá estava ela, a carta. Diria que a li de trás para frente e de frente para trás infinitas vezes. Estava bem escrita – não esperava menos dela –  e era muito interessante. Mas não entendia nada. Falava de tudo e nada. Tentei ler entre as linhas alguma mensagem,  que fosse única e para mim, onde explicasse por qual razão, entre todos os habitantes da terra, me tinha escolhido como destinatário. Não soube encontrar. Na minha livre interpretação, aquela carta dizia: “ Meu! Foi só uma trepada!”.  
No entanto, não sabia que aquela seria a primeira de muitas, muitas cartas. Tantas que geraram uma necessidade nova, abrir religiosamente a caixa de correio. Verdadeiros tesouros literários, mas “O que  queriam me dizer?” me perguntava. Insistia em procurar algum indício, pequeno que fosse, sem sorte. Conclui que havia se encontrado com o seu perfeito leitor, e de passagem me compensava da usa desaparição.
Não respondi nenhuma carta. Mas no dia que ela fazia 30 anos, lhe enviei um buquê de rosas. Então ela me telefonou e saímos.
Na primeira carta depois deste encontro, me disse que negaria tudo, inclusive negaria que houvesse me explicado os seus segredos, me beijado ou acariciado. Por fim diria que havia sido um sonho. Mas eu estava ali,  e recordo de tudo, perfeitamente,  e até uma frase dela que sempre quero encaixar em alguma conversa, “ tenho muita sorte dentro do azar”...

12 de ago. de 2016

Porteiro.

Desço degraus de pedra da caverna.
Cova que é olho de ciclope
Desço degraus trás degraus
Paro à porta, e já se fora
O ilusório, o amor
Nuvem sempre mudança que
Dissipa.

Dez para as dez saio.
O homem ao pé da porta.
Está por mim ao pé da porta
Troca de nome, mas é o mesmo
Troca de chapéu nunca dorme.
Não que me impeça a passagem
Desde sempre e antes está em cada porta.
Saio evitando-o.
Olha dentro dos meus olhos
Não me diz palavra
Mas imagino a inquisição.
Como é, você sabe, que um pisão
Arruína a delicada vida da formiga.
Sei que me equivoco conjugando os tempos. E faço aparecerem as sombras, gritaria de bocós.
Áspera língua que com seus beijos
Lixam minha garganta.
Minha pele eriçada, cruzo túneis
Sinto que já fiz essa rota.
Já sei, não me diga nada, cê tem razão.
Não me obstruí o passo, quebra o chapéu.
Já me pesa o embornal de despistes.
Inútil tentar.
Sempre que tarde.
Sempre tudo mal.
Sempre o veneno amargo.
Língua voraz sulca
Outro crepúsculo.


Vai cabisbaixo, eu sei, o cinto te aperta.
Sa  dor inquilina duma e outra vértebra.
Rabo entre as pernas murcho, se inspira
a voz atroz zune atrás  da orelha, secreta.
Não para, nem se acalma com salicílico
Ta crença besta no  baralho zap, truco
te sopram sinais imundices de feroz animal
desavergonhado,  e te deixam outro, terminal. 

11 de ago. de 2016

Meta o pé na jaca

Dê logo esse nó na gravata
Economize-nos a gaita
Calce com cabo de colher a alpercata.

Chute o pau da barraca.
 Queime com café a língua fina
Esfregue com fubá dos dentes a nicotina
Aperte o tubo insulte e faça se entregar
O dentifrício.

Chute o balde
 Não se reduza a galinha poedeira
Um ovo a cada sol  nas beiras
Que suba o pano, agarre o seu vulto

Meta os pés pelas mãos.

Anche, ai de ti canino eco
Do escroto cristalino
Oco de nem palácio de trompa
De Falópio num déjà vu
Inunde de líquido do fucking
Sexual, perpetre. Seu pateta.

10 de ago. de 2016

Um curta que vi.

Um curta que vi.

Um homem está só dentro de sua pequena e impecável casa branca. Subitamente vê aparecer uma barata correndo pelo piso um dos cantos da casa. Ele pensa em atacá-la com o uma vassoura, ela foge e se esconde, desaparece. Pouco depois retorna, e uma outra, e mais uma. Pouco a pouco elas vão tomando a casa, saem pelas torneiras da cozinha, pelo ralo da pia, pela louça do banheiro, pelo ralo do banheiro, pela fresta da janela, por uma trinca na parede, pelo buraco aonde havia um pendente de luz. Saem de baixo da geladeira, do sofá, pela fresta da porta. De repente, o homem está encurralado, foge para um canto da casa branca, agora elas avançam na direção dele. Agora elas começam a subir por suas pernas, elas começam a cair do teto sobre ele, como uma catarata de baratas… um corte, e vemos o homem deitado placidamente sobre a cama. A casa está outra vez branca, perfeita. Pensei, era um sonho. Então a câmara faz um primeiro plano do seu rosto, e uma barata sai do seu nariz, e outra, e outras, e outras saem pela boca, e um monte delas pelas orelhas, pelos olhos. Ele está vazio, elas o esvaziaram desde das entranhas. O homem jaz, vazio e morto. Este, neste âmbito, foi um dos meus poucos descuidos.

5 de ago. de 2016

Quando acendo uma vela me lembro d'ocê.

Quando acendo uma vela me lembro d'ocê.
Nenhuma em particular, uma vela qualquer.
É esse tufo de barbante do pavio, Vera
Aquela vez, a gente não achava a vela, e
você, santantônio, santantônio, santantônio,
eu brincava uma regressão de lata de pó royal,
acender uma vela ao santo que não é, bem, Antônio,
para que nos ajudasse a encontrar as velas.

Não sei que ideias passavam por tua cabeça, mas
sempre me dizia: não creio nem deixo de crer e
também não creio em deus, mas creio que há algo.
Fosse crente ou não, era magistral na hipocrisia.

Receei a santantônio. Não sei, Vera, por que me tratava de homi.
A verdade que só acendia vela quando caiam os fusíveis.
Mas, relaxe homi, faça, Om, Ohm e Hom. E bastavam
essas três palavras para corroer minha erudição.
Relaxar sem elevador? Onze andares por escadas...
agora que quero ver, onze andares 150 degraus.

Depois desses degraus, não sabia como me doía a bunda
no outro dia. Mas, o importante é que me ensinou a apreciar
outras qualidades das velas, ulteriores ao uso cotidiano
como luz de emergência. Por exemplo, de vez em quando
dava essa dor aguda no baixo ventre, que se eu fosse mulher
afirmaria sem duvida que se tratava de ovários. Você
dizia que eram gases e catava uma vela. Feitiçaria. Ventosa.

Havia outra dor, essa tensão magnética que me dava nos incisivos,
a sensação de algo que não via, mas estava ali tentando me extrair
um nervo. Latejando. E eu dormindo a mastigar os dentes. Lá vinha Você com
aqueles chás, sempre os tomei, mas.

Era diferente Vera. Há quem nos classifique por preferência estética.
Os grossos e os esnobes. Gente grossa tem mau gosto e ponto.
Os esnobes, dão tanta importância em ter bom gosto, mas tanto,
que lhes importa mais saber se deveriam gostar, do que: gosto?

Você Vera não, era delicada, nem seletiva, era plenamente consciente
de sua crassidade, se jactava inclusive. Quando eu ia te visitar Você
gritava: lá vem Fernando com seu circo armado, e eu sentia vergonha alheia
e Você se deleitava, hoje tem espetáculo? O mau gosto te deixava apaixonante
e o cultivava com devoção de velas.

Ninguém sabe como nos conhecemos. Nunca contamos, porque nos dava vergonha.
Tá, que ia causar vergonha, a Você ? Você que ia na padaria de camisola azul. Mas
a mim sempre me deu não sei bem o que ter que admitir que me tocava fundo. Essa vez
foi a única, e me surpreende pensar que o resultado foram todos esses momentos, incluindo isso
que escrevo.

Então, Vera, Você já era bonita como sempre, ainda que teu mau gosto
arrebentava com tudo. Sua maquiagem de puta e sua pequena tatuagem brega toscamente acabada. A cor da tinta. Meu deus, a cor da tinta não ornava com nada, nem com as coisas que não estavam nela, discordava de tudo num raio de dois quarteirões. Não sei quem falou primeiro, nem sei se é relevante esse detalhe, mas. Naquele momento não sabia que a recordação ia durar tanto, nem que ia ser tão importante. É sempre assim. Mas me agrada saber que foi Você quem falou, eu naquela época meditava cada palavra antes de falar, alem dos titubeios.

A segunda vez que nos vimos foi também casualidade, uma madrugada, no corujão, no Lapa. Me doía a orelha de tanto dobrar a cartilagem contra o vidro da janela. Foi ai que passamos a nós. Não sei muito bem como foi, mas Você ia com ele, e para ele sei que foi a última vez. Então eu volto ao começo.


Vera sempre que acendo uma vela me lembro de você.