8 de out. de 2014

Brisa.



Paciência, paciente leitor. É paciente, porque sabe olhar para isso e gastar o teu tempo lendo estas linhas, palavras vãs de um anônimo que o vento nético leva para olhos anônimos como os teus, que tudo veem, paciente leitor.
Deixe que te fale de paciência, de lentidão, de ofícios feitos das gotas que caem, pouco a pouco, na borra das horas. Deixe que te fale dos últimos discos, quaisquer dos últimos discos, que deixamos passar despercebidos, ocupados que estamos com tantos ruídos.
Não pelo que são em si estes álbuns ou outros, compostos por temas suaves, alma pura, peças curtas, quase ínfimas, imperceptíveis. Mas sim, pelo que representam, se é que as miudezas representem, e portanto engrandecem, conectam a novos ritmos mais amplos e mais altos, neste mudo doente. A música, qualquer música é uma brisa, leve, sem parar, pelas ruas da clave, rua acima, rua abaixo para aonde a leve o tempo meteorológico. A música, qualquer música, essa brisa que é quase silêncio, sem deixar de murmurar. Não importa se vozes, guitarras, tamborins, cavacos, agogôs, um surdo afogado, tum, desde que nos faça, que nos faça não, que nos tente, uma tentação de acreditar nas amizades, ou mesmo, de voltar a crer na bondade dos seres... música, lenta, brisa, murmurando, inoculando harmonia, elegância por dentro da etiqueta, música e dignidade de fazer
passado e presente, paciência, paciência, como a tua que chegou até aqui, que combateu cada linha com silêncio, suspendido na tua sensibilidade, na transparência do teu tempo, diante da turbulência do tempo lá de fora, que te procura, e te procurará sempre, mas mantenha-se intacto, com teus amigos, para ser melhor, e nos fará a todos melhor.

Isso foi escrito ouvindo Breeze Eric Clapton & Amigos. se clicar em Breeze vai direto ao youtube. 

6 de out. de 2014

A Educação, Sexismo, Barbárie, no país que mais vende sofás no mundo!

matheus urenha A Cidade


Ainda que mal interpretem o que direi, creio que é bom dizê-lo: “O pior inimigo de uma mulher não é o homem senão uma outra mulher”. Todavia, é de justeza recordar, que o referente histórico das desigualdades de gênero sempre foram os homens, e por isso que surgiu o movimento feminista, que tinha como a finalidade conseguir a igualdade política, econômica e jurídica da mulher relativamente ao homem. Na longa história de desigualdades temos infinidades de exemplos, alguns por demais dramáticos, e outros que dão a entender até que ponto a sociedade tinha e tem interiorizada esta desigualdade, tanto que se pode dizer: se vivia e vive com total naturalidade. É por isso que práticas atuais voam em céu de brigadeiro, é o caso de uma empresária que não direi o nome, para não me implicar, pois não tenho departamento jurídico como ela, eu não posso me defender, mas eles podem me acusar que focinho de porco é tomada. Pois esta empresária não é partidária de contratar mulheres com alguma possibilidade de gravidez, pois é um estorvo, financeiro. Penso que se venha em algum momento pedir um certificado de esterilidade, será um passo. Estamos nas antípodas do mundo civilizado.
Até os anos 70, havia pouquíssimos professores, elas dominavam esse mercado de trabalho. Só as mulheres acudiam a ele, por um salário inferior, que se dizia: o segundo salário da casa, adonde se supõe que era um ‘complemento’ da renda familiar. E por essa e outras, que o salário na educação é muito inferior a qualquer outra área que exija nível superior.
É impudico este país. Sempre aos mesmos, aos membros das castas privilegiadas, dos que têm bula papal, carta branca, imunidade absoluta para fazer e desfazer, do pertencimento à grande família dos de sempre, uma turba que não se move, nem em tempos de ditadura ou em tempos democráticos. Alguns têm origem na mais pura essência ditatorial, que se ao menos nos dissesse seu projeto de país, mas não, é um projeto particular, privado, familiar dentro de um país... nada que não fosse antes... Pode-se dizer que uma boa televisão, um jornal impresso etc é muito pouco para um país desse porte, mas não é, se você for o dono dessa TV, desse jornal... Fala-se demasiado em mercado, em auto regulação de mercado, mas não temos mercado, senão que um mercado distribuído em forma de capitanias hereditárias. Para citar um, a CBF não me deixa mentir...
É por essas e outras que se vende tanto sofá.  

4 de out. de 2014

Churrasco com Borges!


Estava à churrasqueira quando Jorge Luis Borges tropeçou num saco de carvão. ''Cuidado, Borges” falei, “O pedaço aqui está cheio de coisas esparramadas'' . “Joana, por favor, tire o isopor de cervejas do caminho, para nosso amigo poder transitar, sem perigos”. “Claro, sempre sobra para mim”. “Ah! Meu amor!” Botei os bifes de picanha com o lado da gordura para as brasas. “Borges, você já parou para pensar, o quanto está implícito numa frase, como : Traduzo Guimarães Rosa para o espanhol? “Sim! Está implícito que Guimarães Rosa tem seu próprio português, como tenho meu próprio espanhol. E quando um professor de espanhol traduz para espanhol, se trata do
espanhol que pertence a todos os hispanos falantes e a nenhum”. “Entendo, pois o professor de línguas sente a responsabilidade do idioma, não nas suas modificações, senão pela sua integridade monolítica, são os piores tradutores”?Sim” disse ele todo entusiasmado e acrescentou “Digamos que há o italiano de D'Annunzio e o inglês de Auden, como o português de Guimarães, o espanhol de Cervantes, e as línguas dos professores de línguas”! “Ao ponto?” “Sangrienta como la luna”!



3 de out. de 2014

Nós!

Nós!

Liamos nossa autobiografia,
tudo se passava numa sala
num quarto
a sala dá saída para a rua
ninguém transita
não há barulho
árvores cheias de folhas
carros estacionados
nada se move.
Continuamos a passar as páginas
a espera de alguma coisa,
de misericórdia talvez
uma mudança,
nada nos une
senão uma linha obscura,
também nos separa.
Parece um livro vazio,
o mobiliário já foi novo,
os tapetes estão gastos
justo aonde passam nossas sombras,
a sala é nosso mundo
líamos juntos,
e do lido discutíamos sobre o sofá,
liados,
digamos: o ideal é:
Não botar os pés sobre a mesa de centro!







2 de out. de 2014

Setembro em outubro.



Outubro,
já caminhando por ele,
vejo espalhados pedaços de setembro,
arrastados pelo vento,
vento de agosto.
Na carteira gorda de papéis,
um bilhete de metro que já não me levará a lugar algum.
Um telefone anotado,
conversa que acabou em risadas,
ou promessas,
ali permaneceram como areia no bolso do calção de banho,
que secou estendido na areia de Picinguaba,
por um amor de verão que ninguém mais quer,
a maré cheia encheu de água as pegadas de dedos levantados.
Esse vento agostiano arrastrando: não-me-esqueças, para-sempres,
emaranhados com os ecos de: não-me-lembro,
uma montanha de conchas de ostras chupadas.
Não chegarei a tempo,
não adianta ter pressa,
o barco já partiu,
já é outubro, um rumor de ondas,
relembram tua voz,
teu rosto que já não posso recordar.
Tua pele bronzeada acariciada,
o fosso do castelo de areia,
inundado,
em que habitávamos,

e lá presos caducamos.   

Here come the planes. They're American planes. Made in America. Smoking or non-smoking? L.A.




Outro dia encontrei um amigo a que, apesar de conversas pelas redes sociais, não via havia décadas. Ao lado da alegria do reencontro, a troca de novidades, o repasso do passado e tudo que vem ao caso nestas ocasiões, me reconfortou especialmente comprovar que ainda fumava. Muito dos velhos amigos deixaram de fumar, por uma razão ou outra, mas de fundo é a melhoria da saúde e sua conservação. Ainda que todos sejam permissivos, tenho que andar com cuidados, pois me olham com certa comiseração, se não me chamam a atenção com palavras, o fazem com o olhar, como se se me vissem a andar pela contramão pela Anhanguera.
As vezes tento uns truques, ainda não me propus a deixar o tabaco, como o de não me deixar vencer facilmente pela tentação, e assim prolongar o desejo até que se apresente um momento propício. Um momento ou uma paisagem. Assim, por exemplo, ao final de uma caminhada pelas estradas de terra, ou lá embaixo na beira do córrego, onde há uma casa desabitada, sento-me a beira do riachinho, então pegar um cigarro com todos os cuidados, como cheirar seu fumo, acendê-lo, protegendo o fogo do isqueiro com a palma da mão, saboreando-o de cara para o ouro do poente.

Ou então comprazer meu desejo de fumar desde uma perspectiva exterior, intimamente, lendo um livro. Ou como prêmio por alguma empreitada, como fazia meu avô, ao finalizar uma tarefa, desbrotar duzentos tomateiros, de tal modo que se parece muito a coroamentos,  entrega de medalha,  cerimonial, de algo proveitoso ou deleitável...Laurie Anderson Superman

1 de out. de 2014

Anúncio de uma morte crônica, desavisada.


Penso na vida de Santiago Nasar,
do romance que leio,
ele morrerá. Às facas dos Vicários.
Melhor dizendo, ele já morreu,
mas continuará morrendo até o: Fim.
É tão diferente de mim.
Aqui a lua olha para baixo, de pouco caso,
através das nuvens dispersas,
sobre a cidade que vai dormir.
O vento, arrasta para lá e para cá as folhas da amoreira,
e alguém – quer dizer, eu – afundado na minha poltrona,
com preguiça folheio as folhas que faltam,
não há nada a fazer,
não há 'se' para ele,
nem luz vermelha,
nem arco-íris,
nem Bayardo San Roman.
Nem o bispo,
nem as gaiolas de galinhas guindadas ao bispo,
nem o barco que se arrasta pesado pelo rio lento.
Tudo chegará ao seu fim,
como uma chuva, ou um cheiro de terra molhada pela chuva,
ou a recordação disso tudo, ou cagadas de pássaros num sonho.
Nem uma voz nos faz saber
nem vagamente,
nem sem desesperança,
e chega o final, que também passa.