Faz calor. Mas
parece que vai chover.
Acabo de ver as primeiras gotas vindo de um
céu avermelhado. No entanto, a primavera-verão se imporá. Chuva e
calor, precisos e precisos como um relógio. O tempo avança
implacável. A segunda-feira está ali na frente. Inexoravelmente. As
vezes conseguimos parar o tempo. Reter um instante para sempre. Como
caçadores de borboleta e o prendemos na rede. Uma recordação. Um
pedaço de eternidade. Uma eternidade com data de vencimento. É uma
vitória pírrica sobre o calendário. Isso sim, uma contrassenha.
Uma chave para entrar nestes cofres do tempo, que andamos, com a
idade, guardando como tesouro, Há uma semana, sábado, senti a
fragrância de um desses tesouros, dessas cápsulas de tempo. Fazia
anos, dezenas de anos que não os via. Nos juntamos junto ao lago.
Era um recorte, um pedaço de eternidade, um tesouro, onde as joias
éramos todos. As moças bonitas e sofisticadas, estampados
impossíveis, cores sem medo, vibrantes, azulejos, disse Flávio. Os
rapazes, cabelos de trinta anos, rasta, platinas, calvas. Tudo muda
afinal, não somos bonecos. Bailarinos e bailarinos. E não havia
solidão, saltava de uma roda a outra, e o escritor onisciente me
tinha uma frase, uma fala reservada, e ouvidos que a ouvissem,
profundamente. Tudo, que antes de chegar, havia sentido um calafrio,
pois sabia, que levava um pedacinho de cada um deles, para juntar aos
pedacinhos de mim que eles guardavam. E foi assim. 19 de set. de 2014
18 de set. de 2014
Redação. O homo sapiens.
Redação. O homo
sapiens.
Uruk |
Ut- napishti |
Há 200 mil anos
surgia o homo sapiens, como a espécie mais sanguinolenta, o homo
sapiens, que triunfou e aniquilou outras espécies de homos, e também
de animais, e em algumas destas aniquilações, o homo sapiens
contribuiu efetivamente como o maior serial killer da história, tudo
isso enquanto produzia a revolução cognitiva, com a criação da
linguagem e da linguagem ficcional. Foi então que o homo sapiens se
tornou independente da biologia. É isso que diferencia o homo
sapiens dos outros animais, sua independência das ordens biológicas.
No neolítico,
passou de uma sociedade de caçadores e coletores nômades, àquela
de agricultores e pastores sedentários, isso há uns dez mil anos.
Este momento do
progresso humano foi complementado pela aparição de organizações
complexas, com um ordenamento da produção e da distribuição dos
bens então acrescentados, o que levou a uma inevitável
hierarquização dos grupos, de modo que as classes superiores (reis,
sacerdotes, administradores, grandes proprietários) tenderam à
discriminação e opressão das massas de trabalhadores e o
predomínio do homem sobre a mulher, que sucessivas ideologias têm
tratado de legitimar como '' a ordem natural das coisas'', que nem é
ordem e tampouco natural, mas sim só mais uma forma de domínio
histórico dos grupos mais poderosos sobre os mais frágeis.
Neste ponto chegamos
à primeira globalização, os grandes impérios mundiais. O
português, o espanhol e o britânico. Sua base é a ambição, o
dinheiro, dissimulada sob “ O fardo do homem branco” ( Poema de
Rudyard Kipling) de evangelizar, civilizar e contemporaneamente o de
democratizar outros povos. A religião tem papel, ou as religiões
exercem um grande papel, sejam monoteístas ou politeístas.
Matar, parece-me,
ser a grande maestria da espécie.
Com um ou muitos
deuses, ou nenhuns.
Gilgamesh segura um leão |
Roma, em três
séculos, mandou muitos cristãos aos leões, mas menos dos que os
próprios cristãos que os milhares huguenotes enviados à morte no
dia de São Bartolomeu, em 24 horas, que é celebrado por magnatas
católicos e se inclui o Papa de Roma, por serem supostamente
caritativos.
O Homo sapiens
desenvolveu-se cientificamente em busca da imortalidade. A
imortalidade noticiada é buscada desde Gilgamesh, rei de Uruk, que
havia visto tudo até os confins do mundo. Leia com atenção, pois é
aqui que começa a busca pela imortalidade...
noite de são Bartolomeu- Paris |
Um touro
desenfreado, que nunca deixava em paz as moças, as filhas dos
soldados, as mulheres dos homens. A paz das mulheres de Uruk só foi
possível, graças a criação pela sua mãe Aruru de um monstro, a
que chamou Enkidu, e que depois de bater muito em Gilgamesh, o
acalmou. Gilgamesh e Enkidu foram grandes e inseparáveis amigos,
até o dia em que Enkidu morre, e incrédulo Gilgamesh permanece em
vigília, esperando que despertasse, mas tudo que vê é um verme a
sair pelo nariz. “Sete dias e sete noites, como um verme jazia de
cara para o chão e não recobrou sua saúde, então corri pela
planície como um caçador” cantou em seu poema, Gilgamesh,
Gilgamesh que havia junto com Enkidu, a tudo vencido, estava então
decidido a vencer a morte. Foi então que se lembrou, ele que em toda
parte havia estado, havia estado além das “águas da morte”,
onde vive Ut-napishti, o imortal. Depois de várias portarias, com
guardiãs de olhares mortais, encontrou num vale de beleza
indescritível o barqueiro de Ut-napishti. Vale lembrar que uma
gota daquelas águas significava a destruição.
Gilgamesh por fim
encontra-se a Ut-napishti, e lhe pergunta pelo segredo da vida
eterna, fica decepcionado pelo que ouve: numa época remota, os
deuses decidiram destruir a humanidade, com uma inundação, e ele e
sua esposa foram os únicos a quem permitiu-se sobreviver. Advertido
pelos deuses, o casal construiu uma gigantesca barca e nela reunirão
um casal de animais de cada espécie. Depois do dilúvio de seis
dias, Ut-napishti abriu a janela do barco e descobriu que estava
encalhado numa ilha. O trabalho era imenso, repovoar a terra, por
isso foi recompensado pelos deuses com a imortalidade, mas que jamais
tal ação se repetiria. Gilgamesh fica desolado. No entanto
Ut-napishti, querendo recompensar Gilgamesh por sua busca, diz ao
gigante que no fundo do oceano, do oceano mais profundo da terra,
cresce uma planta que devolve a juventude. Gilgamesh não perde mais
tempo. A procura. Encontra. E no caminho de volta a Uruk um serpente
lhe rouba a planta. Desolado, volta para casa para esperar pelo tempo
que os deuses ainda lhe permitiam.
17 de set. de 2014
Recreação antonímica.
Recreação
antonímica.
Penso que gosto dos
matizes, talvez prefira os antônimos que admitam gradações: Frio e
quente, espera ai, mas também morno quando convém, e ainda mais se
ampliemos aos extremos: Gelados e ferventes... sempre que o passar do
tempo nos permita outras eleições. Entre o preto e o branco, se
prescindo de outras cores, vejo inumeráveis tons, não 50, mas
cinzas para dar e vender, ainda que estejam disfarçados no
Arco-Íris.
Vivo ou morto?
Não sei, mas deve haver um meio termo. Há mortos que atuam mais
objetivamente que os vivos mortos. Ou será mortos vivos ?
E
ganhar e perder? A Marina inventou uma que gostei: prefiro perder
ganhando que ganhar perdendo! Não vai longe o tempo das amargas
vitórias e das doces derrotas. No entanto creio que nisso de vitória
e derrota, há um estado líquido, ou volátil: o empate. Tablas,
diz-se no xadrez e se apertam as mãos.
15 de set. de 2014
Triplo Filtro socrático. Bom. Útil. Verdadeiro.
Triplo filtro
socrático´
Bom, útil e
verdadeiro.
Muita coisa dos
filósofos gregos permaneceu graças ao famoso: boca a boca, que para
mim deveria ser boca orelha. Outras foram transcritas.
Uma destas
histórias, relata que um conhecido de Sócrates vai se aproximar
para dizer: “sabe que escutei sobre aquele teu amigo?
Pergunta a qual Sócrates responde com outra: “ Vc está
completamente certo que o que vai me dizer é absolutamente certo?”
. - Não, só ouvi a respeito...” E Sócrates o interrompe: “
Então, não sabes ao certo, se é ou não verdade?”.
E continua: “é uma coisa boa e construtiva a que quer me contar,
sobre meu amigo?”. - Não, bem pelo contrário, realmente é
negativa...”. O ateniense replica: “Então deseja me dizer uma
maldade sobre ele e não está, entretanto, certo que seja verdade?”
. “Bom te farei mais uma pergunta, se o que quer comentar sobre o
meu amigo é de alguma utilidade?”. -”Não, pensando bem, creio
que não”, responde o fofoqueiro. E Sócrates conclui: “ Se o que
quer me dizer não é certo, nem positivo, e tampouco útil para mim,
por quê me há de contar? Por qual motivo haveria de ter algum
interesse de saber dessa sua história?”
Este
é o famoso filtro triplo socrático.
14 de set. de 2014
Como dar uma má notícia.
Como dar má
notícia.
O sitiante despertou
na madrugada pela insistência do telefone: Oi! Sou o Tonho, que
cuida do seu sítio. - Ola, seu Antônio, que aconteceu para o senhor
me ligar a estas horas?
- Nada, seu Doca, só queria lhe dizer que o seu loro morreu. - O meu
loro, o louro que
ganhou o concurso na TV?
- Exato, este. - Que tristeza seu Antônio! Mas, morreu como? - Ele
comeu carne podre. - E quem lhe deu carne? - Ninguém, ele comia a de
um dos seus mangalargas puro sangue que morreu. - Como? Seu Antônio, me explica isso direito!
- De cansaço, seu Doca, cansaço, de tanto ir ao poço buscar água.
Valha me deus! E porque fazia isso? - Para apagar o fogo! - Fogo?
Onde? Que fogo? - Na sua casa, seu Doca. - Meu deus, mas como pegou
fogo! - Foi acidente, puro acidente, um círio que estava perto da
cortina, pois veja... - Círio! Para que
tinham um círio acesso?
Se no sítio
tem energia elétrica? - Então, seu Doca, foi um círio do velório!
- Velório! Velório de quem, seu Antônio? - Então, da sua mãe,
senhor. Ela veio para cá tarde, sem avisar, e eu disparei um tiro
de escopeta, pensava que era um ladrão...
12 de set. de 2014
Areia Movediça.
Areia movediça.
Havia um tipo de
cinema em que o que se reservava aos malvados, que me amedrontava,
era a armadilha movediça. Invisível. Quando o mocinho estava em
perigo, sorrateiramente aparecia uma areia, e tremia na poltrona,
por vezes nosso herói se safava com algum truque, um galho, mas o
malvado não tinha salvação, morte terrível. Lenta e cruel.
Agônica. É a prova de existência da potência posta em ação, a
impotência, quanto mais se movia, mais a desapiedada natureza o
engolia, voraz. Do infeliz sendo chupado, com calma pela areia, nada
mais que ver suas mãos se despedindo.
Era recorrente, até
um ajudante de Lawrence da Arábia foi vitimado.
Mais tarde, descobri
que o corpo humano é menos denso que a areia, e que no deserto é
ainda menos provável acontecer tal solapamento. Alívio e descanso
aos meus pesadelos, então viver sem este sofrimento.
No entanto, os
candidatos ao Planalto continuam a afundar na areia movediça da
política, e Tarzan ou Peter O'Toole, nada poderá fazer com seus
olhos tristes, ou seu lenço palestino, porque o reino da realpolitik
é mais desapiedado!
11 de set. de 2014
Incidente em Antares.
Democracia é no
voto.
Não sei se a vocês,
mas a mim dá medo, o caráter belicista de alguns do anti-petismo.
Nem por tanto, isso será um pedido de reconciliação, por não
estarmos em guerra. No entanto, resultam surrealistas seus gritos de
guerra, totalitários, nazis e não sei quantos floretes mais
desembainharão, digo tudo isso, partindo do quê e como explicitam
seus slogans, que vejo e leio, e nada menos, a pedir o desaparecimento
do partido dos trabalhadores. Sim, lhes convém, se entende os
partidários, cada vez menos dissimulados, do submetimento de
parcelas da população, que mal botou a cabeça para fora, nestes cinco
lustros de democracia parca, e como não nos conseguem assimilar,
pedem nossa desaparição.
Têm usado de todos
seus equipamentos para além do limite do razoável, e as vezes de
forma bizarra como o insepulto defunto, e as eleições ganham
contornos do Incidente em Antares.
Gostaria muito de
não pensar nisso tudo. Gostaria muito que nas próximas eleições
celebrássemos uma democracia menos rarefeita de ideias. Gostaria
muito de celebrar uma vitória, não a derrota deles, mas isso
tardará outros lustros.
Por agora, pode
parecer, que queira justificar os descaminhos defraudadores de
alguns, porque não me gosta muito isso tudo, titular a vida
política como ''politiqueira'' e ''corrupta''. No entanto, ainda
que pareça, não sou contra conhecer as porcarias que estão
debaixo do tapete, dentro dos armários. Me debato, sim, pela
emancipação cidadã, que por sorte me parece desairada, respira
outros ares...
Assim, se quero
emancipação, quero também transparência, decência, da mesma
forma que quero um país mais justo e limpo. Com vertigem. Com valor,
Com vontade e voto. Acima de tudo, Voto.
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