3 de mai. de 2012

Uma resposta para a pergunta: Por que há algo e não, mais bem, nada?

Eu vou dizer: Por quue há tudo o que há? Por que há filosofia? Música? Literatura? Pintura? Escultura? Arquitetura? Por que de tudo isso? Por que há a arte? Porque em todas as formas de expressão o homem tenta se imortalizar, transcender-se a si mesmo. Todas estas tentativas existem porque o homem é um ser finito. Porque o homem morre. Quando digo homem digo mulher também. Deveríamos fazer uma revolução e usar a palavra mulher, mas de alguma forma daríamos no mesmo. Então o homem é um ser finito, tem os dias contados, e ainda que mortal, tem fome de imortalizar-se, ou de imortalidade. Ninguém quer morrer! Shakespeare houvera trocado Hamlet, Macbeth por dois anos a mais de vida. Otelo por mais seis meses, se houvesse uma garantia. O homem sente pavor da morte. E mesmo assim finito e mortal se pergunta por ela. O por quê da finitude? A enfrenta, afronta sem a negar. Há entretanto negações como a droga, o sexismo e um montão de cerimônias para ocultar o fato de saber que se morre. Mas a filosofia bota essa questão adiante e sabendo-se um ser finito sabe, que  e por isso  se angustia. E se angustia porque morre. Quando a angustia revela ao homem que seu destino é o nada, ou lhe aparece a ideia do nada e a ideia do nada o leva a saber que ele, homem, vai ser nada por muito tempo,  ser nada na eternidade.
É nisso que reside a grandeza do homem, e essa grandeza se revela não somente na filosofia, mas em muitas manifestações, nos romances, na pintura, na música e em tudo que termina, e quando termina a partitura, a música, nos angustiamos. Por isso também existem os livros, montanhas de livros escritos sobre isso, a morte, mas não só, muito há para que possamos pensar nossa situação nesse mundo. E aqui e agora precisamos pensar nossa situação. Como país precisamos pensar. Não pensar o que querem que pensemos. Não estamos em outro lugar que senão o Brasil. E é no Brasil e como brasileiros que devemos pensar e devemos pensar agora, por que não sabemos se vamos poder fazê-lo depois, mais adiante. Porque o homem é aberto a milhares de possibilidades, mas em todas essas possibilidades e em algum momento está a morte, mas ainda assim, sem urgência, sem desespero temos que considerar que cada minuto é absolutamente precioso, e agora, agora tem uma densidade de ser, da qual temos que participar e nos comprometermos e que 'filosofar' é necessário. Por quê? Porque este pais necessita pensar! Precisamos abandonar tudo aquilo que nos distraia, toda a pataquada e estupidez, tudo que trabalha para nos estupidificarmos, em todos os meios, tudo quer colonizar nossa subjetividade. Toda gente se diz contra a colonização, mas o que se dá, é justamente a colonização do subjetivo do cidadão. Noutras palavras sujeitar o sujeito. Muitos médias estão para, com seu infinito espetáculo triste de pataquadas, atar o sujeito, sujeitá-lo! E sujeitado, está impedido de ver a própria situação. 

Por que há algo, e não, mais bem, nada?


Estou aqui, você ai. Estamos nesse mundo e há o mundo e caminhamos nele daqui para lá e de lá para cá. Poderia ter ocorrido de não haver nada. Absolutamente nada. Não posso conceber o nada. Nem imaginá-lo. O que sabemos é que há algo, está tudo isso, está a terra, o céu, os miramos, estão as estrelas! Dai surgem as perguntas, e algumas são definitivas. Só os humanos podem fazer estas perguntas. Estamos aqui, imperfeitos em meio a tanta perfeição do universo. Somos seres finitos diante da temporalidade infinita do universo. Somos carentes em meio a abundância que nos rodeia.
Me sinto por demais pequeno ante tanta grandeza. E talvez a única amostra de grandeza possível para mim seja justamente afrontar esse sentimento de coisa pequena. Por que há algo?
Se a terra é um mero peão que gira em torno de si e do sol. E sobre este peão estamos nós esses serzinhos metafísicos. E este ser metafísico é o homem. O homem metido sobre um peão, pequeno, finito, mortal, cheio de angustia, é mortal e mesmo assim segue vivendo e tem ademais a grandeza de perguntar por tudo, tudo é tudo o que há, e tudo o que há é a totalidade, por que há algo e não mais bem nada? Faço-me essa pergunta e me enche a angustia, porque, quiças, não tenha resposta.
Porque tampouco haverá resposta se a pergunta for: qual o sentido do universo? Um universo em expansão. Wood Allen, em algum filme dele, um garoto não quer ir mais a escola, e diz que não adianta estudar se o universo está em expansão, para que estudar se ele nunca o alcançará, porque ele segue expandindo. Wood Allen gosta disso, em outro momento, quando lhe dizem que Einsten disse que Deus não joga dados, então Wood Allen diz que Deus não joga dados, mas sim a escondidas. E isso podemos tomar como o silêncio de Deus. O que Wood Allen pode ter querido dizer é que Deus está pavorosamente ausente de nossos queixumes.   

1 de mai. de 2012

Pequena biografia de Tengo Miedo.


Houve o tempo que os caminhos se bifurcaram. Sempre os há. E porque nada é casual – nem a roupa  que assim se diz – mesmo o acaso que é casual – para nós se torna causal, porque cria algo que nos modifica, ou se modifica em nós – tem origem causal, pois pode inclusive ser hábito de uma pessoa, de um objeto e mesmo  uma lei da natureza que ignorávamos, por exemplo a gravidade, quando caímos pela primeira vez.
A professora botou uma gravura ou uma foto, Tengo Miedo não se lembra exatamente o veículo que transportava a cena, pode que fosse uma folhinha bem comportada, sabe que botaram aquela imagem frente a sua miopia, real e intelectual, e sabe que era uma árvore com flores amarelas em meio a outras árvores sem flores, e as árvores então, para Tengo Miedo não tinham nome, exceto as frutíferas: pé de manga, pé de goiaba, pé de maracujá e não havia quem o fizesse dizer tamarindeiro. Ele era da roça. A natureza era o que tinha que vencer e o deixava com as mãos calejadas e o nariz quase em carne viva pelo sol das tardes, aos dez anos de idade, e as meninas bonitas da classe gostavam de lhe dar as mãos, somente para depois se rirem de seus calos.
De uma feita, por uma ictericia, frequentou o Hospital das Clínicas na Quintino Bocaiuva em Ribeirão, e para lá chegar passavam, Tengo e sua mãe, pela avenida Nove de Julho, e caminhavam desde a parada do ônibus, pelo canteiro central, que na estação se encontrava forrado de amarelo, com as flores das sibipirunas. Da imagem oferecida na gravura agarrou o que o interessava: as flores amarelas. Delas falou como se de um tapete de flores se tratasse e por ele ele havia caminhado e aquilo o lembrara da procissão de Corpus Cristhis. ( Que na Alemanha tem um nome divino: Maria voa ao Céu. Maria fliegt nach Himmel, ou in den Himmel.) A professora lhe deu nota baixíssima pelos erros de português, língua que não era a sua, e, ela salientara, que fugira do tema. Tengo Miedo havia saído, mesmo, era da gravura. A sorte é que sabia os tipos de sujeitos que havia nas orações, e dependia pouco das redações para 'passar' de ano, porque estas serviam justamente a ajudar aos que não sabiam, tampouco o que era o sujeito. Filho de uma empregada doméstica, Tengo Miedo trabalhava nos tomatais depois das aulas e havia escrito que caminhara sobre o tapete de flores, quando os outros diziam que no canto esquerdo havia uma árvore com flores amarelas e se confundiam, já que era o direito da gravura em si.
Faz tempo que Tengo Miedo tenta sair da gravura. Há tempos que sempre podendo e mesmo quando não devia, elege a si mesmo. E em cada ocasião que assim escolheu foi castigado. Pelo que, foi descobrindo que a liberdade é dolorosa. Ainda hoje lhe dói a liberdade que não é apêndice, que possa ser extirpado. Ainda que seja um orgulho inútil, sente essa veleidade. O que não o faz um sujeito leviano ou irresponsável, já que responde integralmente pelos seus atos. Está situado, posto que sabe onde está e produz para viver desde a mais tenra idade. É o que é e está onde nasceu, geograficamente, na terra, é sociável, que onde passa busca deixar as pegadas de um homem livre, nos limites, em que o sofrimento pela liberdade não signifique a morte, seu único temor. Reconhece-a, sem urgência ou desespero, e espera o mesmo denodo da parte dela, porque cada minuto é precioso. E agora, daquilo que fizeram dele e sobre este veículo acrescentou camadas, fazendo o que é, que é a base, o pedestal e se nele sobe é porque são os próprios ombros.


Alegoria da Caverna.


Penso que quando partimos para julgamentos morais e éticos entramos num mundo de sombras, e as sombras são incertas, por dependerem da fonte de luz. Basta com se olhar a própria sombra ao sol e se verá o quanto ela muda com o giro da terra. Até bem pouco tempo, em termos de civilização, era o sol que transladava e houve quem escapou dessa mesma fogueira, tendo que, como se diz hoje, engolir as palavras proferidas. Hoje nos assombramos, quando tais julgamentos vêm à luz, porque a amplidão do espectro da moralidade depende da manipulação desta. O toco de vela ilumina menos, mas faz sombra maior, imprecisa e tremulante.
Os tocos de velas estão apontados para pontos de interesse de quem os manipula, de modo que todo o demais, na escuridão ai desapareça. Licitação do lixo. Plano diretor. Licitação da mobilidade social. Educação. Asfalto. Água. Natureza. Saúde. Dinheiro público a recuperar propriedades privadas. Etc. São importantíssimos os vereadores. Quanto devem ganhar? Não sei. Quantos devem ser? Não sei. Sei que deixamos essas crianças à merce dos mágicos lobistas, com suas cartolas cheias de guloseimas e surpresas.
O erro não está em eleger palhaços, mas em exigir que palhaços façam mágicas.
Muitos dos que estão na Câmara, foram para lá catapultados, graças a imensa popularidade, que os mesmos veículos, que hoje lhes fazem oposição, proporcionaram. E “pagamos o mico”, “o sapo”, enfim, nessa linguagem que nos é particular, “pagamos um pau”. Sabe por que? Porque nos dizem em quem votar. Votamos. Então dizem, que não sabemos votar. Se esquecem, para então recordar, tão só para dizerem que “nós” não temos memória. Assim acabamos por fazer essa estupidez, que é lutar para rebaixar o salário dos outros, quando é pelo aumento dos nossos que devemos sair pelas ruas, sejamos professores, policiais, enfermeiros, médicos, cozinheiros ou balconistas. Não devemos andar a olhar as estrelas para saber se há vida lá, e cairmos no buraco da calçada.


30 de abr. de 2012

Se não há fatos, só interpretações,Onde está a verdade?


Não há fatos, há interpretações. Mas se isso, a pergunta é: Onde está a verdade? A verdade é uma imposição da vontade de poder, uma vez que a vontade de poder quer conquistar tudo, quer inclusive a verdade. Dessa maneira, e porque a verdade, que é interpretação do fato, deve ser a verdade, que a vontade de poder deseja. Portanto a vontade de poder elege a pauta das verdades. Assim no fim do dia toda a cidade discutirá o que foi pautado pelo meio, cuja vontade de poder é mais poderosa. Entretanto não basta que seja poderosa, necessita crescer, além do já conquistado. Porque a simples manutenção a levaria a ser conquistada por outra vontade de poder, que não cessou. Desse modo quanto mais discutimos a pauta imposta, mais poder delegamos à verdade da vontade de poder. Todavia, se contrariamente elejo minha própria pauta, mais poderoso fico. Um exemplo radical e absurdo seria, todos apagarem os televisores, ou deixasse de ler jornais; ademais como, quase ninguém, lê livros e por isso temos escritores tão pouco poderosos, se isso fosse feito a TV, os jornais e as revistas deixariam de existir. E talvez o que se estivesse a discutir no serão, fosse o seu próprio salário, baixo não por acaso. E se nas discussões sua vontade de poder fizesse uma verdade, entre os seus, como: É necessário aumentar o nosso salário! E se não conseguissem o aumento? Isso sim é digno de indignação! O demais é tão só perda de individualidade, é tornar-se indistinguível, massa por redundância, é a loucura e todos gritamos : Sou eu! Mas, eu quem? Ou qual?

Cotas.



"Acabar com a escravidão não basta", disse Joaquim Nabuco. E acrescentou: "É preciso destruir a obra da escravidão". Por outro lado uma das mais belas frases de Sartre é : “O homem é e se faz com aquilo que fizeram dele”. Durantes séculos homens nasceram escravos de escravos pela cor da pele, é notório que não havia outro motivo, exceto a propriedade. Nisso a frase de Sartre tem um claro impedimento, porque o argumento de Sartre se dá dentro da vida de um homem, para os padrões do século XX, livre, quando a liberdade estava no centro da discussão. Seja que a frase sartriana pressupõe um acorrentamento de um homem que deve se fazer, e partindo justo deste acorrentamento. No entanto ao tratar-se da escravidão, onde o indivíduo nascia escravo, filho de escravos, e morria escravo e se gerasse descendente o seria forçosamente escravo, ainda que o recém-nascido tivesse sido gerado livre com a lei do ventre livre. Como uma criança pode ser livre se seus pais são escravos? Ou seja o homem escravizado era e permanecia até sua morte na mesma condição, e não podia fazer nada de si que não fosse escravidão. Com o advento da abolição desta, como quer Nabuco, necessária sim, mas insuficiente. Quem tiver o “capricho” de lê-lo entenderá o que significa a imperiosa necessidade de se destruir a obra da escravidão. De passagem se aprende o que fora a discussão sobre indenizações devidas pela expropriação do escravo, dada a abolição, depois a lei definiu que  se tratava - o escravo -  de uma propriedade anômala, visando não castigar o Estado com as indenizações, anômala, mas sempre propriedade. Para quem gosta das palavras, que é veículo por meio do qual enviamos e recebemos mensagens, sabe que “destruir” não é minimizar, rarefazer, negociar etc, e nos dizeres de Joaquim Nabuco é disso que se tratava, destruir o rastro futuro da escravidão passada, e ainda de que se trata hoje, porque ainda estamos naquele futuro, e as pegadas do passado insistem em continuar deixando suas marcas.

19 de abr. de 2012

O Barça atacou, ataca e atacará! Vencer é a questão. Gol solução.





O Barça antes de ser universal, ainda que modisticamente, em seu país – porque na Europa em geral cada cidade é um país, por isso: paisano – carregam o dístico: El Barça es Mès que un club.
Porque no curto verão da Anarquia e depois por muito tempo só se falou Catalão – língua que ademais da Catalunha é falada em Valência, nas ilhas Baleares, na Sardenha, cidade de Alguer – dentro do Estádio do Futbol Club Barcelona.
Durante o regime franquista o Barça era o mais subversivo que se podia permitir o povo da Catalunha. Seu contraponto, já, era o Reyal Madrid – por hábito protegido pelo regime – sempre campeão e vestido de branco, por isso merengues, por sua vez o Barça, blaugrana, azulgrená sempre atrás do Real Madrid, por isso culé, que vem de rabo – castelhano “cola” rabo; “culo” cua em catalçao e cu em português de Portugal, no Brasil bunda, já que aqui cu é o orifício, então “culero” na rabeira, “culé”.
Sem me aplicar muito ao oficialismo, penso que as coisas começaram a mudar, quando por ali chegou o holandês, Johann Cruijff, que em 1974 – porque o glorioso Zagallo quando perguntado disse desconhecer a Cruyff o mesmo tanto que desconhecia o time holandês, foi o que se viu. A Ignorância de Zagallo levou Luiz Pereira, talvez o maior central que o Brasil já teve, a cometer atrocidades (Fato que me faz pensar na inteligência emocional de Pelé, que intuíra, vexatório fracasso, anos antes – Cruijff, gastou a bola nos campos alemães. Pode ser, que nascia ali, 1974, e elevado a paroxismo o famigerado: Nem sempre ganha o melhor.
O quê, era a Laranja Mecânica ? Uma pelada com uma pitada de companheirismo, solidária, se preferirem, somada a velocidade? Pode ser.
Cruijff foi para o Barça, e ajudou a equilibrar a balança entre o poder financeiro do time da capital espanhola, que por isso era pago e devia representar Espanha, coisa feita às custas do erário espanhol, como agora, financiado pela Banca Estatal. Os catalães já haviam se unido entorno ao Barça, se fizeram sócios do clube, mantiveram o clube e foram crescendo. Poderoso financeiramente, o Barça se engraçou, via Johann que entendera o espirito do clube blaugrana, pelo futebol brasileiro. Telê Santana levara para Sarriá – então campo do Espanhol e bairro de Barcelona – o que se poderia sonhar de melhor do futebol brasileiro, tanto de jogadores como estilo de jogo – o que a mídia nacional deplorou, claro, sempre à sua maneira, e sempre atabalhoada e desarrazoadamente. Depois aderiu. Tarde. (Cabe aqui este parênteses: A mídia esportiva brasileira nem sequer chega ao sofisma, por desconhecer a lógica, nem chega a ser estúpida, pelo fato de que os estúpidos usam a lógica, à pena de se embaralharem, mas conseguem chegar a sínteses verdadeiras, ainda que partindo de falsas premissas. Dito isso e dessa maneira, tomemos o corpo do texto novamente em mãos.)
O mundo se encantou com o time de Telê. Despachado pela Itália. Inflexível Rossi. Cruijff e seu poder crescia, na terra do único estado Anárquico que existiu, e difundia a sua ideia de futebol arte, como se diz, futebol vistoso, bonito e de toque de bola.
Houve momentos dignos da eternização, alem do próprio holandês voador, com Romário, com Ronaldo que lá virou Fenômeno e Rivaldo o incompreendido.
Com Rijkaard como treinador, o Barça voltou a tocar a bola, e com a chegada de Ronaldinho em momento de brilhantismo ofuscante, conseguia dissolver o problema da conclusão, da solução suprema do futebol, que é o gol.
O Barça de Guardiola é uma volta a mais do parafuso Rijkaardiano, que era uma parafrase do time de Telê Santana. Finalmente o que vemos é um Barça brasileiro, explico: tanto o Culé como o torcedor brasileiro, somos medrosos, sentimos medo de tomar gol. Foi esse medo que nos fez sofrer o gol e a derrota para a Holanda na copa Africana. O gol em contra é o mesmo que o fantasma nos representa quando crianças, tememos, e tememos tanto que o barulho de nossos próprios passos nos assustam, e nos faz correr para a cama da mãe. A pergunta é: como se resolve este medo no futebol? A resposta parece esta: Tanto para o Seleção brasileira quanto para o Barça, se dá com a posse de bola. Não se trata de ir para cima do adversário. Se trata de ir empurrando-o pouco a pouco, e hipnotizando-o, sem agredi-lo definitivamente, de tal modo que este se sinta encurralado, mas cômodo, dentro do próprio campo e sem a bola, e quem possui a gorduchinha acaba por não finalizar, coisa que implicaria, acertando ou errando, em ceder a posse.
Do mesmo modo que certos conjuntos, culturalmente, temem tomar gol, o que os debilita na defesa, outros são capazes de jogar todo a partida dentro da própria área, a se defender.


No jogo, inflexível, o Barça hipnotizava o Chelsea, mas não ferroava. A existência da partida, desde o ponto de vista de uma narrativa, só existia porque passava pelos pés dos jogadores do Barcelona. O Chelsea a admitia e por fim se recolhia a sua insignificância, abdicando da posse de bola. Se fez alguma coisa de transcendente terá sido os lançamentos desde a lateral, atingindo a área barcelonina como se fossem pedras de fogo catapultadas. A posse do esférico raiou ao escândalo, para aquele jogo e aquela copa.
De qualquer maneira estéril possessão, Xavi dava meia volta, e depois volta inteira sobre si mesmo. Havendo entretanto momentos que geravam dúvidas cruéis ao Stanford Bridge, quando o time catalão mudava a pulsação, como quando Alexis tentou uma parábola por necessidade e errou na inflexão, ou Iniesta enganchado ao cal da linha de fundo, parece ter passado por dentro do incrível nigromante inglês, mas pouco resultava. O Chelsea depois de muito tempo cruzava a linha que divide o gramado e isso é e foi uma noticia, e por isso noticia é nova em inglês, aos vinte e nove do primeiro tempo o Chelsea aparece no campo adversário, antes houve outras duas oportunidades.
Se o que estava acontecendo em Stanford Bridge se invertesse, e se, com algum time brasileiro, eu por exemplo estaria morto, ou havia saído para caminhar no meio do canavial. Vi o jogo do Barça contra o Santos como brasileiro, ou santista de última hora, assim que não padeci, a não ser nos primeiros movimentos, quais indicavam do que se tratava, e foi, posto que o Santos não soube jogar sem a bola e naquele dia, nem com ela.

O Chelsea seguiu a reboque, onde o Barça ia, lá estava o Chelsea, no último terço do seu próprio campo, dentro da área. As vezes Drogba partia com uma bola, Puyol roubava-lhe a bola e por cima lhe embrulhava como se este fora um rebuçado, uma bala, ou Drogba se lançava à terra como se em uma largada olímpica de natação, e se transformava num croquete empanado de grama, tudo para romper, quebrar o ritmo, velho truque e válido.
O Barça refogava, preparava um cozidão em fogo de lenha. Lento.
Acontece o seguinte. Drogba fez tudo o que sabia, no limite do que isso significa, impecavelmente. Beirou por vezes as raias do não futebol, mas isso não é discutível, afinal se é permitido! É a tal da ética! Seria um absurdo que fosse exigida, como não foi. Por vezes tenho pensado que a maneira de vencer o Barça é, acreditem! Pelas pontas, como gritava uma personagem, Josoareana, a Telê Santana. Neste sentido, vi uma derrota do Barça em pleno Camp Nou, em que William ex-Corinthians resolveu o placar da mesma forma que fez Ramires, ir até o fundo e cruzar rasteira para trás, quando os pés dos beques já se foram. Lá estava Drogba, como Vavá, Romário, Geraldão etc, para fazer no limite de suas qualidades técnicas: tocar para dentro, sem segurança, porque quem sabe chutar com segurança manda por cima do travessão que o diga Roberto Baggio, e como fez Cesc. O futebol exigi certa humildade, nem sei se o futebol, ou a bola, essa humildade de Túlio, bater na bola com o que tiver de mais plano no seu corpo, quase com a sola do pé, o que Drogba mostrou naquele toque para gol. Entretanto continuo a gostar muito dos três dedos de Rivelino, dos efeitos de Zico, de Messi, do insondável Neymar. Mas a derrota se faz com um gol a menos.