1 de mai. de 2012

Pequena biografia de Tengo Miedo.


Houve o tempo que os caminhos se bifurcaram. Sempre os há. E porque nada é casual – nem a roupa  que assim se diz – mesmo o acaso que é casual – para nós se torna causal, porque cria algo que nos modifica, ou se modifica em nós – tem origem causal, pois pode inclusive ser hábito de uma pessoa, de um objeto e mesmo  uma lei da natureza que ignorávamos, por exemplo a gravidade, quando caímos pela primeira vez.
A professora botou uma gravura ou uma foto, Tengo Miedo não se lembra exatamente o veículo que transportava a cena, pode que fosse uma folhinha bem comportada, sabe que botaram aquela imagem frente a sua miopia, real e intelectual, e sabe que era uma árvore com flores amarelas em meio a outras árvores sem flores, e as árvores então, para Tengo Miedo não tinham nome, exceto as frutíferas: pé de manga, pé de goiaba, pé de maracujá e não havia quem o fizesse dizer tamarindeiro. Ele era da roça. A natureza era o que tinha que vencer e o deixava com as mãos calejadas e o nariz quase em carne viva pelo sol das tardes, aos dez anos de idade, e as meninas bonitas da classe gostavam de lhe dar as mãos, somente para depois se rirem de seus calos.
De uma feita, por uma ictericia, frequentou o Hospital das Clínicas na Quintino Bocaiuva em Ribeirão, e para lá chegar passavam, Tengo e sua mãe, pela avenida Nove de Julho, e caminhavam desde a parada do ônibus, pelo canteiro central, que na estação se encontrava forrado de amarelo, com as flores das sibipirunas. Da imagem oferecida na gravura agarrou o que o interessava: as flores amarelas. Delas falou como se de um tapete de flores se tratasse e por ele ele havia caminhado e aquilo o lembrara da procissão de Corpus Cristhis. ( Que na Alemanha tem um nome divino: Maria voa ao Céu. Maria fliegt nach Himmel, ou in den Himmel.) A professora lhe deu nota baixíssima pelos erros de português, língua que não era a sua, e, ela salientara, que fugira do tema. Tengo Miedo havia saído, mesmo, era da gravura. A sorte é que sabia os tipos de sujeitos que havia nas orações, e dependia pouco das redações para 'passar' de ano, porque estas serviam justamente a ajudar aos que não sabiam, tampouco o que era o sujeito. Filho de uma empregada doméstica, Tengo Miedo trabalhava nos tomatais depois das aulas e havia escrito que caminhara sobre o tapete de flores, quando os outros diziam que no canto esquerdo havia uma árvore com flores amarelas e se confundiam, já que era o direito da gravura em si.
Faz tempo que Tengo Miedo tenta sair da gravura. Há tempos que sempre podendo e mesmo quando não devia, elege a si mesmo. E em cada ocasião que assim escolheu foi castigado. Pelo que, foi descobrindo que a liberdade é dolorosa. Ainda hoje lhe dói a liberdade que não é apêndice, que possa ser extirpado. Ainda que seja um orgulho inútil, sente essa veleidade. O que não o faz um sujeito leviano ou irresponsável, já que responde integralmente pelos seus atos. Está situado, posto que sabe onde está e produz para viver desde a mais tenra idade. É o que é e está onde nasceu, geograficamente, na terra, é sociável, que onde passa busca deixar as pegadas de um homem livre, nos limites, em que o sofrimento pela liberdade não signifique a morte, seu único temor. Reconhece-a, sem urgência ou desespero, e espera o mesmo denodo da parte dela, porque cada minuto é precioso. E agora, daquilo que fizeram dele e sobre este veículo acrescentou camadas, fazendo o que é, que é a base, o pedestal e se nele sobe é porque são os próprios ombros.


Alegoria da Caverna.


Penso que quando partimos para julgamentos morais e éticos entramos num mundo de sombras, e as sombras são incertas, por dependerem da fonte de luz. Basta com se olhar a própria sombra ao sol e se verá o quanto ela muda com o giro da terra. Até bem pouco tempo, em termos de civilização, era o sol que transladava e houve quem escapou dessa mesma fogueira, tendo que, como se diz hoje, engolir as palavras proferidas. Hoje nos assombramos, quando tais julgamentos vêm à luz, porque a amplidão do espectro da moralidade depende da manipulação desta. O toco de vela ilumina menos, mas faz sombra maior, imprecisa e tremulante.
Os tocos de velas estão apontados para pontos de interesse de quem os manipula, de modo que todo o demais, na escuridão ai desapareça. Licitação do lixo. Plano diretor. Licitação da mobilidade social. Educação. Asfalto. Água. Natureza. Saúde. Dinheiro público a recuperar propriedades privadas. Etc. São importantíssimos os vereadores. Quanto devem ganhar? Não sei. Quantos devem ser? Não sei. Sei que deixamos essas crianças à merce dos mágicos lobistas, com suas cartolas cheias de guloseimas e surpresas.
O erro não está em eleger palhaços, mas em exigir que palhaços façam mágicas.
Muitos dos que estão na Câmara, foram para lá catapultados, graças a imensa popularidade, que os mesmos veículos, que hoje lhes fazem oposição, proporcionaram. E “pagamos o mico”, “o sapo”, enfim, nessa linguagem que nos é particular, “pagamos um pau”. Sabe por que? Porque nos dizem em quem votar. Votamos. Então dizem, que não sabemos votar. Se esquecem, para então recordar, tão só para dizerem que “nós” não temos memória. Assim acabamos por fazer essa estupidez, que é lutar para rebaixar o salário dos outros, quando é pelo aumento dos nossos que devemos sair pelas ruas, sejamos professores, policiais, enfermeiros, médicos, cozinheiros ou balconistas. Não devemos andar a olhar as estrelas para saber se há vida lá, e cairmos no buraco da calçada.


30 de abr. de 2012

Se não há fatos, só interpretações,Onde está a verdade?


Não há fatos, há interpretações. Mas se isso, a pergunta é: Onde está a verdade? A verdade é uma imposição da vontade de poder, uma vez que a vontade de poder quer conquistar tudo, quer inclusive a verdade. Dessa maneira, e porque a verdade, que é interpretação do fato, deve ser a verdade, que a vontade de poder deseja. Portanto a vontade de poder elege a pauta das verdades. Assim no fim do dia toda a cidade discutirá o que foi pautado pelo meio, cuja vontade de poder é mais poderosa. Entretanto não basta que seja poderosa, necessita crescer, além do já conquistado. Porque a simples manutenção a levaria a ser conquistada por outra vontade de poder, que não cessou. Desse modo quanto mais discutimos a pauta imposta, mais poder delegamos à verdade da vontade de poder. Todavia, se contrariamente elejo minha própria pauta, mais poderoso fico. Um exemplo radical e absurdo seria, todos apagarem os televisores, ou deixasse de ler jornais; ademais como, quase ninguém, lê livros e por isso temos escritores tão pouco poderosos, se isso fosse feito a TV, os jornais e as revistas deixariam de existir. E talvez o que se estivesse a discutir no serão, fosse o seu próprio salário, baixo não por acaso. E se nas discussões sua vontade de poder fizesse uma verdade, entre os seus, como: É necessário aumentar o nosso salário! E se não conseguissem o aumento? Isso sim é digno de indignação! O demais é tão só perda de individualidade, é tornar-se indistinguível, massa por redundância, é a loucura e todos gritamos : Sou eu! Mas, eu quem? Ou qual?

Cotas.



"Acabar com a escravidão não basta", disse Joaquim Nabuco. E acrescentou: "É preciso destruir a obra da escravidão". Por outro lado uma das mais belas frases de Sartre é : “O homem é e se faz com aquilo que fizeram dele”. Durantes séculos homens nasceram escravos de escravos pela cor da pele, é notório que não havia outro motivo, exceto a propriedade. Nisso a frase de Sartre tem um claro impedimento, porque o argumento de Sartre se dá dentro da vida de um homem, para os padrões do século XX, livre, quando a liberdade estava no centro da discussão. Seja que a frase sartriana pressupõe um acorrentamento de um homem que deve se fazer, e partindo justo deste acorrentamento. No entanto ao tratar-se da escravidão, onde o indivíduo nascia escravo, filho de escravos, e morria escravo e se gerasse descendente o seria forçosamente escravo, ainda que o recém-nascido tivesse sido gerado livre com a lei do ventre livre. Como uma criança pode ser livre se seus pais são escravos? Ou seja o homem escravizado era e permanecia até sua morte na mesma condição, e não podia fazer nada de si que não fosse escravidão. Com o advento da abolição desta, como quer Nabuco, necessária sim, mas insuficiente. Quem tiver o “capricho” de lê-lo entenderá o que significa a imperiosa necessidade de se destruir a obra da escravidão. De passagem se aprende o que fora a discussão sobre indenizações devidas pela expropriação do escravo, dada a abolição, depois a lei definiu que  se tratava - o escravo -  de uma propriedade anômala, visando não castigar o Estado com as indenizações, anômala, mas sempre propriedade. Para quem gosta das palavras, que é veículo por meio do qual enviamos e recebemos mensagens, sabe que “destruir” não é minimizar, rarefazer, negociar etc, e nos dizeres de Joaquim Nabuco é disso que se tratava, destruir o rastro futuro da escravidão passada, e ainda de que se trata hoje, porque ainda estamos naquele futuro, e as pegadas do passado insistem em continuar deixando suas marcas.

19 de abr. de 2012

O Barça atacou, ataca e atacará! Vencer é a questão. Gol solução.





O Barça antes de ser universal, ainda que modisticamente, em seu país – porque na Europa em geral cada cidade é um país, por isso: paisano – carregam o dístico: El Barça es Mès que un club.
Porque no curto verão da Anarquia e depois por muito tempo só se falou Catalão – língua que ademais da Catalunha é falada em Valência, nas ilhas Baleares, na Sardenha, cidade de Alguer – dentro do Estádio do Futbol Club Barcelona.
Durante o regime franquista o Barça era o mais subversivo que se podia permitir o povo da Catalunha. Seu contraponto, já, era o Reyal Madrid – por hábito protegido pelo regime – sempre campeão e vestido de branco, por isso merengues, por sua vez o Barça, blaugrana, azulgrená sempre atrás do Real Madrid, por isso culé, que vem de rabo – castelhano “cola” rabo; “culo” cua em catalçao e cu em português de Portugal, no Brasil bunda, já que aqui cu é o orifício, então “culero” na rabeira, “culé”.
Sem me aplicar muito ao oficialismo, penso que as coisas começaram a mudar, quando por ali chegou o holandês, Johann Cruijff, que em 1974 – porque o glorioso Zagallo quando perguntado disse desconhecer a Cruyff o mesmo tanto que desconhecia o time holandês, foi o que se viu. A Ignorância de Zagallo levou Luiz Pereira, talvez o maior central que o Brasil já teve, a cometer atrocidades (Fato que me faz pensar na inteligência emocional de Pelé, que intuíra, vexatório fracasso, anos antes – Cruijff, gastou a bola nos campos alemães. Pode ser, que nascia ali, 1974, e elevado a paroxismo o famigerado: Nem sempre ganha o melhor.
O quê, era a Laranja Mecânica ? Uma pelada com uma pitada de companheirismo, solidária, se preferirem, somada a velocidade? Pode ser.
Cruijff foi para o Barça, e ajudou a equilibrar a balança entre o poder financeiro do time da capital espanhola, que por isso era pago e devia representar Espanha, coisa feita às custas do erário espanhol, como agora, financiado pela Banca Estatal. Os catalães já haviam se unido entorno ao Barça, se fizeram sócios do clube, mantiveram o clube e foram crescendo. Poderoso financeiramente, o Barça se engraçou, via Johann que entendera o espirito do clube blaugrana, pelo futebol brasileiro. Telê Santana levara para Sarriá – então campo do Espanhol e bairro de Barcelona – o que se poderia sonhar de melhor do futebol brasileiro, tanto de jogadores como estilo de jogo – o que a mídia nacional deplorou, claro, sempre à sua maneira, e sempre atabalhoada e desarrazoadamente. Depois aderiu. Tarde. (Cabe aqui este parênteses: A mídia esportiva brasileira nem sequer chega ao sofisma, por desconhecer a lógica, nem chega a ser estúpida, pelo fato de que os estúpidos usam a lógica, à pena de se embaralharem, mas conseguem chegar a sínteses verdadeiras, ainda que partindo de falsas premissas. Dito isso e dessa maneira, tomemos o corpo do texto novamente em mãos.)
O mundo se encantou com o time de Telê. Despachado pela Itália. Inflexível Rossi. Cruijff e seu poder crescia, na terra do único estado Anárquico que existiu, e difundia a sua ideia de futebol arte, como se diz, futebol vistoso, bonito e de toque de bola.
Houve momentos dignos da eternização, alem do próprio holandês voador, com Romário, com Ronaldo que lá virou Fenômeno e Rivaldo o incompreendido.
Com Rijkaard como treinador, o Barça voltou a tocar a bola, e com a chegada de Ronaldinho em momento de brilhantismo ofuscante, conseguia dissolver o problema da conclusão, da solução suprema do futebol, que é o gol.
O Barça de Guardiola é uma volta a mais do parafuso Rijkaardiano, que era uma parafrase do time de Telê Santana. Finalmente o que vemos é um Barça brasileiro, explico: tanto o Culé como o torcedor brasileiro, somos medrosos, sentimos medo de tomar gol. Foi esse medo que nos fez sofrer o gol e a derrota para a Holanda na copa Africana. O gol em contra é o mesmo que o fantasma nos representa quando crianças, tememos, e tememos tanto que o barulho de nossos próprios passos nos assustam, e nos faz correr para a cama da mãe. A pergunta é: como se resolve este medo no futebol? A resposta parece esta: Tanto para o Seleção brasileira quanto para o Barça, se dá com a posse de bola. Não se trata de ir para cima do adversário. Se trata de ir empurrando-o pouco a pouco, e hipnotizando-o, sem agredi-lo definitivamente, de tal modo que este se sinta encurralado, mas cômodo, dentro do próprio campo e sem a bola, e quem possui a gorduchinha acaba por não finalizar, coisa que implicaria, acertando ou errando, em ceder a posse.
Do mesmo modo que certos conjuntos, culturalmente, temem tomar gol, o que os debilita na defesa, outros são capazes de jogar todo a partida dentro da própria área, a se defender.


No jogo, inflexível, o Barça hipnotizava o Chelsea, mas não ferroava. A existência da partida, desde o ponto de vista de uma narrativa, só existia porque passava pelos pés dos jogadores do Barcelona. O Chelsea a admitia e por fim se recolhia a sua insignificância, abdicando da posse de bola. Se fez alguma coisa de transcendente terá sido os lançamentos desde a lateral, atingindo a área barcelonina como se fossem pedras de fogo catapultadas. A posse do esférico raiou ao escândalo, para aquele jogo e aquela copa.
De qualquer maneira estéril possessão, Xavi dava meia volta, e depois volta inteira sobre si mesmo. Havendo entretanto momentos que geravam dúvidas cruéis ao Stanford Bridge, quando o time catalão mudava a pulsação, como quando Alexis tentou uma parábola por necessidade e errou na inflexão, ou Iniesta enganchado ao cal da linha de fundo, parece ter passado por dentro do incrível nigromante inglês, mas pouco resultava. O Chelsea depois de muito tempo cruzava a linha que divide o gramado e isso é e foi uma noticia, e por isso noticia é nova em inglês, aos vinte e nove do primeiro tempo o Chelsea aparece no campo adversário, antes houve outras duas oportunidades.
Se o que estava acontecendo em Stanford Bridge se invertesse, e se, com algum time brasileiro, eu por exemplo estaria morto, ou havia saído para caminhar no meio do canavial. Vi o jogo do Barça contra o Santos como brasileiro, ou santista de última hora, assim que não padeci, a não ser nos primeiros movimentos, quais indicavam do que se tratava, e foi, posto que o Santos não soube jogar sem a bola e naquele dia, nem com ela.

O Chelsea seguiu a reboque, onde o Barça ia, lá estava o Chelsea, no último terço do seu próprio campo, dentro da área. As vezes Drogba partia com uma bola, Puyol roubava-lhe a bola e por cima lhe embrulhava como se este fora um rebuçado, uma bala, ou Drogba se lançava à terra como se em uma largada olímpica de natação, e se transformava num croquete empanado de grama, tudo para romper, quebrar o ritmo, velho truque e válido.
O Barça refogava, preparava um cozidão em fogo de lenha. Lento.
Acontece o seguinte. Drogba fez tudo o que sabia, no limite do que isso significa, impecavelmente. Beirou por vezes as raias do não futebol, mas isso não é discutível, afinal se é permitido! É a tal da ética! Seria um absurdo que fosse exigida, como não foi. Por vezes tenho pensado que a maneira de vencer o Barça é, acreditem! Pelas pontas, como gritava uma personagem, Josoareana, a Telê Santana. Neste sentido, vi uma derrota do Barça em pleno Camp Nou, em que William ex-Corinthians resolveu o placar da mesma forma que fez Ramires, ir até o fundo e cruzar rasteira para trás, quando os pés dos beques já se foram. Lá estava Drogba, como Vavá, Romário, Geraldão etc, para fazer no limite de suas qualidades técnicas: tocar para dentro, sem segurança, porque quem sabe chutar com segurança manda por cima do travessão que o diga Roberto Baggio, e como fez Cesc. O futebol exigi certa humildade, nem sei se o futebol, ou a bola, essa humildade de Túlio, bater na bola com o que tiver de mais plano no seu corpo, quase com a sola do pé, o que Drogba mostrou naquele toque para gol. Entretanto continuo a gostar muito dos três dedos de Rivelino, dos efeitos de Zico, de Messi, do insondável Neymar. Mas a derrota se faz com um gol a menos.



12 de abr. de 2012

Inveja.


   Gosto de investigar, de navegar e de algum modo saber do lado obscuro de minha condição humana, porque me mantém são, ou me dá certo aspecto de sanidade. Imagino que se atuasse como se tais coisas não existissem, creio, que me tornaria um louco de camisa de força. Por outro lado gosto da civilização, luz elétrica, computadores e polícia, lei, justiça, ainda que encontre um preço muito alto, o que pagamos para simplesmente suprimir esse lado escuro.
         Em qualquer comunicação humana, ou entre humanos, em qualquer veículo, os esforços estão centrados basicamente sobre os mesmos pressupostos: A vida é o desabrochar de coisas amáveis; que tudo provem do amor, e do carinho, e do cuidado para com o semelhante, cada dia vivemos mais e melhor e mais tempos jovens, ser jovem é não deixar-se envelhecer, a qualidade de vida, e o cuidado para com os animais e finalmente para com os vegetais e por fim acabamos querendo resgatar os direitos dos insetos, com fúria carola e beata.
         Este tipo de pensamento, atividade que está mais para a fé que pensamento, e ainda mais distante da realidade, insiste-se em se fazer acreditar, que as relações humanas são sensíveis, simples e dóceis, do padre ou pastor com seus fiéis, como a doçura que todo papa tem com seu lento sinal da cruz, como as do professor com o aluno ou aluna, do médico e o paciente, da mãe e a filha, na filantropia, entre amigos e amigas, entre inimigos, sim, mas a realidade é que mesmo entre inimigos – relação mais transparente de todas - as relações estão untadas com azeite da inveja. Aceito como condição humana a existência da inveja. Em contra partida não concordo que isso nos faça seres humanos deficientes ou horrorosos, sua existência só tem me mostrado que não posso controlar todos os meus sentimentos.
          Os clássicos gregos nos deram Édipo, por exemplo, que provavelmente tenha inspirado a Sigmund Freud que veio a nos dizer e talvez, que se conseguíssemos afastar toda a cortina repressiva, conseguíssemos ver o justo momento no qual se quis matar os pais. Deles também é Medeia a matar os filhos. Enfileiro Raskólnikov, Riobaldo, Humbert Humbert mas também Lolita, Casmurro, Lozano em Satarsa – Adan y Raza, Azar y Nada - , Fausto, Stephen Dedalus que não perdoou a mãe que estava no leito de morte, Augusto Matraga e Joãozinho Bem-Bem – as duas faces da mesma moeda -, Gregor Samsa, Padre Amaro, Luísa, Doca Street e tantos outros a dizerem que é normal que na infância se tenha querido matar a seus pais, mas que o bom disso tudo é pensar, isto, que está mal e essas histórias nos mostram que eles ainda continuam a sangrar, pelo que temeram e fizeram. Em todas a vidas há algo que corre e as liga, querendo ou não ver, coisas como é a truculência do amor, os ciúmes, o sexo e perversões sem fim, entre todos os tipos de relações que existam, mesmo entre irmãos.
         Não creio que devamos ser condescendentes com Eurípedes, Sófocles, Machado, Guimarães, Eça, Dostoiévski, Goethe, Joyce, Cortazar, Vladimir Nabokov ou Kafka, que construíram histórias e personagens asquerosas e não menos reprimidos que nós, talvez tolhidos por uma censura diferente. Porque talvez tentaram mostrar de que matéria derivamos, além do barro, é claro e que podemos nos encontrar tão reprimidos quanto Matraga, a purgar até se encontrar com aquele que o levaria definitivamente ao inferno, Joãozinho Bem-Bem. Graças a deus! Porque não é uma boa ideia ser um traidor, ser comido por uma rata, se transformar numa barata, renegar a mãe, transar com ela, matar os filhos, invejar o pai a ponto de querer matá-lo, ainda que não saiba explicar o porquê de não se tratar de uma coisa boa, mas saber dessas coisas, talvez nos mantém em certa sanidade.
         Cada vez que me negam a simples discussão, me entristeço, porque vejo que seria generoso para com mais jovens, assumir que envelhecemos para toda Dolores Haze, permitir a morte, dizer adeus e evitar a epidemia de bom mocismo que se exige das criaturas e aqui entra a inveja, deixemo-nos envelhecer, chega de ser mais jovem que os jovens.



8 de abr. de 2012

Carta a Berta.



'Sei, que nada sei.'

Vou me gastar na assertiva: 'Sei que nada sei'.
Poderia dizer que quem diz: Sei, que nada sei, o faz no meio de um embaraço. E entre se calar e assumir a nulidade argumentativa – dado que tal afirmação sempre se faz em meio a calorosos, ou nem tanto, debates. - e diante do evidente naufrágio do argumento, então e neste caso, uma saída que parece 'sábia' é: Sei que nada sei.
'Sei que nada sei' tem sonoridade de 'sabedoria' oriental, e de notória muitos a pensam irrefutável, mas não é mais que um nenúfar, como aquele de Lao Tsé: “Quem sabe não fala, quem fala não sabe”. E tão simples quanto isso: Lao Tsé é mentiroso, porque não sabe, já que diz saber o que fala.
Os gregos tentaram estabelecer um mínimo de método à lógica. O método é matemático e é axiomático. Um axioma é uma proposição tão evidente que não precisa ser demonstrada. O homem é mortal. Se se tem este ponto 'indiscutível' pode-se partir para definições mais complexas derivadas de tal proposição. Sem que sejam tautologias: 'tudo que é demais sobra', ou sistemas tautológicos como os que exigem, aos recém-formados, experiência. Ou seja, pensar 'matematicamente' a lógica. Sem grandes floreios.
Se disser que todos os Ribeirão-pretanos são mortais, todos os Bonfinenses são mortais, então todos os Bonfinenses são Ribeirão-pretanos, isso é uma estupidez, ainda que seja verdade, o que é uma casualidade. Porque os Bonfinenses são Ribeirão-pretanos não por serem estes mortais e aqueles também, mas por Bonfim Paulista ser um distrito de Ribeirão Preto.
Há situações bastante confusas nesse ambiente. A estupidez é capaz de chegar a conclusões corretas por caminhos totalmente equivocados.
'Sei que nada sei' é um paradoxo. Um paradoxo é aparentemente correto, mas em algo se equivoca.
Epimênides que era de Creta disse: Os cretenses são mentirosos. Epimênides que era cretense mentia. Ainda que Epimênides conhecesse todos os cretenses. É uma estupidez. De tal modo que se se quer concluir algo, tal será: um ciclo vicioso, uma contradição. Mas isso era o principio de tudo. O principio da 'sabedoria', provavelmente, oriental, que criava mais enigmas que os resolvia. De algum modo soa 'oriental', oriental no sentido vulgar, ordinário ou 'mass media'. Porque o oriente, ou a noção de oriente, não coincide com o oriente geográfico, ao mesmo tempo que se confunde oriente com islamismo ou budismo e o que se diz é Lao Tsé querendo se passar por Confucionismo, sem sabê-lo sequer cético. Certo é que Austrália nada tem a ver com o oriente, sendo tanto ou mais oriental que a Índia. E a Grécia tão bem cravada no oriente é quem funda o pensamento ocidental, por outro lado os ocidentais Egito, Tunísia, Casablanca, Cairo, Israel ou Palestina tidos como orientais.
Desse modo um argumento que contenha a palavra Oriente como sujeito, ou predicado de algum sujeito, deve ser mesurada, ou adjetivada. Oriente-se.
Se digo que sei, algo sei.
Platão presenteou a lógica com um principio banal, o princípio da não contradição - que os sofistas não usavam pois os sofistas, os dialéticos de então, o que queriam era confundir o debate e se saírem vencedores, e não serem lógicos ou verdadeiros -.
Como o interesse aqui é ser lógico e partindo de premissas particulares, não estabelecer conclusões generalizantes. Universalizar é possível sim, desde que não se viole uma das leis do silogismo, tão caras a Aristóteles, ou seja não se universaliza partindo das premissas particulares. Leio esta frase:
Toda unanimidade é burra”. É frase cunhada por Nélson Rodrigues, e se tornou um fóssil que de quando em quando se desgarra de sua matéria pedra e volta para assustar os vivos de hoje. Não somos ou não devemos ser unânimes quanto ao governo ao a forma de governo, ao clube do coração, à melhor canção, porque seria nossa alma que ficaria prejudicada na unanimidade é o que Nélson Rodrigues quer dizer, é que seria um desastre para os interesses humanos, aqui não estamos tratando da lógica mas da alma, enquanto interesses humanos, que devem, partindo da frase, ser subversivos, ou discordar no mínimo de qualquer processo 'humano' que seja unânime. No entanto a frase é universalizante. Somos unânimes em crer que dois mais dois resulta quatro. Somos unânimes em nossa mortalidade. Somos unânimes que amanhã será outro dia, independente de nós, e nesse caso só o fim hoje da humanidade seria capaz de impedir o amanhã, da unanimidade. Portanto o que se desdobra é que não devemos ser unânimes cegamente, como diz Nélson Rodrigues “Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. Não sei se Nélson Rodrigues conhecia o Tratado de Sanhedrin que pertence ao Talmude, à tradição Judaica, porque nele há algo muito próximo, pois que senão:
"A lei, o privilégio concedido à determinada compreensão do que é certo, só se faz legítima na medida em que, dadas as condições necessárias, sua preservação possa até mesmo ser mantida através de sua desobediência." e mais adiante ...”O sentido de tal lei, expressão da alma e obviamente subversiva, é a desconfiança de que um processo possa ser tão bem conduzido que não paire qualquer dúvida quanto a uma leitura diferente da situação. A unanimidade expressa uma acomodação à verdade absoluta que é insuportável à vida e que tem grande potencial destrutivo."
Ou seja, se a lei não postular a desobediência será uma arbitrariedade. Donde conclui-se que a unanimidade é arbitrariedade. O tratado de Sanhedrin estabelece variados tribunais, com três, 23 e chegando a 71 juízes, dependendo da gravidade e abrangência do julgado. Mas deixa claro que se o veredicto for unânime este sera anulado, por que não creem em um processo ou procedimento perfeito, há que se estar atento.
Voltando ao mundo dos vivos.
Sei. Este é um argumento. Um segundo argumento dentro do mesmo pensamento não pode contraditar o primeiro como: Nada Sei.
É uma estupidez:
Sei,
Nada sei.
Logo: ...
Logo é um desadaptação à realidade ocidental. Quem sabe, num outro sistema lógico, nossa estupidez seja sabedoria, neste não. Posto que a realidade ocidental é e foi forjada por um sistema lógico – muito bem poderia ser outro, mas não é – marcado a bala e canhões e bombas atômicas e chibatas e tudo quanto foi necessário, até homilias. E a maior ambição de nosso sistema é definir uma noção aceitável – níveis aceitáveis – de estupidez.
Certo é que, é possível que exista quem saiba nada, e neste caso o sujeito estará condenado a não saber, nem mesmo, da própria ignorância, e não poderá afirmar que não sabe, porque nem sabe o que é saber ou não saber.
Sei. Sei, que sei alguma coisa. E se sei estas, que sei, há nada que impeça outras tantas existirem, quais não saiba. O que tento impedir, que aconteça na minha vida, é vir a sabê-las demasiado tarde, coisa que naturalmente sói não ocorrer. Outra coisa que sei, é que não sei algumas outras coisas, ou muitas quiça, mas se ignorar muitas ou poucas, uma frase, sábia que seja, não me fará sábio, muito menos se se tratar de uma estupidez, ainda que consagrada.