8 de abr. de 2012

Carta a Berta.



'Sei, que nada sei.'

Vou me gastar na assertiva: 'Sei que nada sei'.
Poderia dizer que quem diz: Sei, que nada sei, o faz no meio de um embaraço. E entre se calar e assumir a nulidade argumentativa – dado que tal afirmação sempre se faz em meio a calorosos, ou nem tanto, debates. - e diante do evidente naufrágio do argumento, então e neste caso, uma saída que parece 'sábia' é: Sei que nada sei.
'Sei que nada sei' tem sonoridade de 'sabedoria' oriental, e de notória muitos a pensam irrefutável, mas não é mais que um nenúfar, como aquele de Lao Tsé: “Quem sabe não fala, quem fala não sabe”. E tão simples quanto isso: Lao Tsé é mentiroso, porque não sabe, já que diz saber o que fala.
Os gregos tentaram estabelecer um mínimo de método à lógica. O método é matemático e é axiomático. Um axioma é uma proposição tão evidente que não precisa ser demonstrada. O homem é mortal. Se se tem este ponto 'indiscutível' pode-se partir para definições mais complexas derivadas de tal proposição. Sem que sejam tautologias: 'tudo que é demais sobra', ou sistemas tautológicos como os que exigem, aos recém-formados, experiência. Ou seja, pensar 'matematicamente' a lógica. Sem grandes floreios.
Se disser que todos os Ribeirão-pretanos são mortais, todos os Bonfinenses são mortais, então todos os Bonfinenses são Ribeirão-pretanos, isso é uma estupidez, ainda que seja verdade, o que é uma casualidade. Porque os Bonfinenses são Ribeirão-pretanos não por serem estes mortais e aqueles também, mas por Bonfim Paulista ser um distrito de Ribeirão Preto.
Há situações bastante confusas nesse ambiente. A estupidez é capaz de chegar a conclusões corretas por caminhos totalmente equivocados.
'Sei que nada sei' é um paradoxo. Um paradoxo é aparentemente correto, mas em algo se equivoca.
Epimênides que era de Creta disse: Os cretenses são mentirosos. Epimênides que era cretense mentia. Ainda que Epimênides conhecesse todos os cretenses. É uma estupidez. De tal modo que se se quer concluir algo, tal será: um ciclo vicioso, uma contradição. Mas isso era o principio de tudo. O principio da 'sabedoria', provavelmente, oriental, que criava mais enigmas que os resolvia. De algum modo soa 'oriental', oriental no sentido vulgar, ordinário ou 'mass media'. Porque o oriente, ou a noção de oriente, não coincide com o oriente geográfico, ao mesmo tempo que se confunde oriente com islamismo ou budismo e o que se diz é Lao Tsé querendo se passar por Confucionismo, sem sabê-lo sequer cético. Certo é que Austrália nada tem a ver com o oriente, sendo tanto ou mais oriental que a Índia. E a Grécia tão bem cravada no oriente é quem funda o pensamento ocidental, por outro lado os ocidentais Egito, Tunísia, Casablanca, Cairo, Israel ou Palestina tidos como orientais.
Desse modo um argumento que contenha a palavra Oriente como sujeito, ou predicado de algum sujeito, deve ser mesurada, ou adjetivada. Oriente-se.
Se digo que sei, algo sei.
Platão presenteou a lógica com um principio banal, o princípio da não contradição - que os sofistas não usavam pois os sofistas, os dialéticos de então, o que queriam era confundir o debate e se saírem vencedores, e não serem lógicos ou verdadeiros -.
Como o interesse aqui é ser lógico e partindo de premissas particulares, não estabelecer conclusões generalizantes. Universalizar é possível sim, desde que não se viole uma das leis do silogismo, tão caras a Aristóteles, ou seja não se universaliza partindo das premissas particulares. Leio esta frase:
Toda unanimidade é burra”. É frase cunhada por Nélson Rodrigues, e se tornou um fóssil que de quando em quando se desgarra de sua matéria pedra e volta para assustar os vivos de hoje. Não somos ou não devemos ser unânimes quanto ao governo ao a forma de governo, ao clube do coração, à melhor canção, porque seria nossa alma que ficaria prejudicada na unanimidade é o que Nélson Rodrigues quer dizer, é que seria um desastre para os interesses humanos, aqui não estamos tratando da lógica mas da alma, enquanto interesses humanos, que devem, partindo da frase, ser subversivos, ou discordar no mínimo de qualquer processo 'humano' que seja unânime. No entanto a frase é universalizante. Somos unânimes em crer que dois mais dois resulta quatro. Somos unânimes em nossa mortalidade. Somos unânimes que amanhã será outro dia, independente de nós, e nesse caso só o fim hoje da humanidade seria capaz de impedir o amanhã, da unanimidade. Portanto o que se desdobra é que não devemos ser unânimes cegamente, como diz Nélson Rodrigues “Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. Não sei se Nélson Rodrigues conhecia o Tratado de Sanhedrin que pertence ao Talmude, à tradição Judaica, porque nele há algo muito próximo, pois que senão:
"A lei, o privilégio concedido à determinada compreensão do que é certo, só se faz legítima na medida em que, dadas as condições necessárias, sua preservação possa até mesmo ser mantida através de sua desobediência." e mais adiante ...”O sentido de tal lei, expressão da alma e obviamente subversiva, é a desconfiança de que um processo possa ser tão bem conduzido que não paire qualquer dúvida quanto a uma leitura diferente da situação. A unanimidade expressa uma acomodação à verdade absoluta que é insuportável à vida e que tem grande potencial destrutivo."
Ou seja, se a lei não postular a desobediência será uma arbitrariedade. Donde conclui-se que a unanimidade é arbitrariedade. O tratado de Sanhedrin estabelece variados tribunais, com três, 23 e chegando a 71 juízes, dependendo da gravidade e abrangência do julgado. Mas deixa claro que se o veredicto for unânime este sera anulado, por que não creem em um processo ou procedimento perfeito, há que se estar atento.
Voltando ao mundo dos vivos.
Sei. Este é um argumento. Um segundo argumento dentro do mesmo pensamento não pode contraditar o primeiro como: Nada Sei.
É uma estupidez:
Sei,
Nada sei.
Logo: ...
Logo é um desadaptação à realidade ocidental. Quem sabe, num outro sistema lógico, nossa estupidez seja sabedoria, neste não. Posto que a realidade ocidental é e foi forjada por um sistema lógico – muito bem poderia ser outro, mas não é – marcado a bala e canhões e bombas atômicas e chibatas e tudo quanto foi necessário, até homilias. E a maior ambição de nosso sistema é definir uma noção aceitável – níveis aceitáveis – de estupidez.
Certo é que, é possível que exista quem saiba nada, e neste caso o sujeito estará condenado a não saber, nem mesmo, da própria ignorância, e não poderá afirmar que não sabe, porque nem sabe o que é saber ou não saber.
Sei. Sei, que sei alguma coisa. E se sei estas, que sei, há nada que impeça outras tantas existirem, quais não saiba. O que tento impedir, que aconteça na minha vida, é vir a sabê-las demasiado tarde, coisa que naturalmente sói não ocorrer. Outra coisa que sei, é que não sei algumas outras coisas, ou muitas quiça, mas se ignorar muitas ou poucas, uma frase, sábia que seja, não me fará sábio, muito menos se se tratar de uma estupidez, ainda que consagrada.



6 de abr. de 2012

Sexta-feira da Paixão.



Equinócio é o fenômeno no qual a duração da noite é igual a do dia. O último deu-se no final de março (21), o equinócio de outono.
  • Quer dizer que a sexta-feira da paixão se dá na primeira sexta-feira posterior à lua Crescente - no Plenilúnio - que se segue ao equinócio de outono. Entende?
  • Muito bem. Você poderia me dizer quem ajeitou as coisas deste modo ?
  • Isso foi um acordo firmado no ano de 325, no concilio de Niceia, na Anatólia – hoje Turquia – de Constantino. Porque antes a Pascoa 'caia' na 14ª lua da primavera – hemisfério norte – sem considerar o dia da semana. E os romanos faziam Pascoa no domingo subsequente.
  • Xente, que de lá pra cá, muita água passou debaixo da ponte!
  • E muita água por cima da ponte, bem mais do que deveria! Mas chega a ser poético o tipo de escolha, o modo, o sistema, depois de tal lua, depois do equinócio. Fico a pensar em minhas férias, a todo vapor no equinócio de primavera; e que terminará em plena lua cheia. Desde miudinho que reparo no plenilúnio, e acho que não combina com a sexta da paixão, talvez se fosse minguante, pode ser, pois esse dia, agora nem tanto, mas de pequeno, o sentia tétrico, aquele homem na cruz, a procissão do senhor morto, aquelas chagas abertas e os hematomas na imagem, pardeus que me assustavam. Não podia sequer se pregar um prego numa madeira, e como a cada ano, sei lá por que cargas d'água, me dava com um martelo em punho um prego e a avó a berrar (baixinho): Moleque atentado!

5 de abr. de 2012

Judas Iscariotes é Deus.



Quando menino, malhei o Judas. Por ignorância, confundia Judas com Judeu, malhava a ambos Judeus.
Que beijo! Nenhum outro beijo – real ou fictício - amealhou tanto reconhecimento, para o bem ou mal, que o dado por Judas Iscariotes. Para o cristianismo foi fundamental, porque numa quinta-feira como hoje e por trinta moedas Jesus foi traído por Judas, e por esse beijo, é até nossos dias Judas é maldito e vilipendiado. Há uma leitura possível que é a de que esse beijo forjou a glória de Jesus, ao mesmo tempo é episódio dos mais novelescos que se encontra na Bíblia. Judas é sem dúvida a personagem fundamental para a existência do Catolicismo, um oximoro. Oximoro é uma figura de linguagem que mistura palavras contraditórias: bondade cruel, sol negro, luz escura e o beijo de Judas, que é a traição glorificante.
A tese de traição glorificante é de Nils Runeberg e é descrita por J.L.Borges em Tres versiones de Judas, em Artificio de 1944. Segundo Borges, De Quincey defende que Judas quis forçar Jesus a assumir sua divindade e ascender uma rebelião contra Roma. Já Runeberg sugere que sendo Jesus O Mestre predicador e operador de milagres aos olhos das multidões, não faltava o tal beijo denunciador, e completa que o beijo não foi casual, foi premeditado, mas premeditado por Deus e tem caráter misterioso na industria da redenção.
Relata Borges nos dizeres de Nils: “ O verbo feito carne, passou da ubiquidade ao espaço da eternidade”. E para operar esta transformação foi necessário o sacrifício de um homem em nome da humanidade. O homem, Judas Iscariotes, foi quem intuiu o terrível propósito de Jesus. A tese é: se Deus se rebaixou a ser mortal, Judas discípulo do Verbo feito carne se rebaixou a delator. Porque Jesus não poderia partir para a morte de forma voluntária. A delação em si é imensa infâmia, mas se somarmos a ela as trinta moedas, mais ainda se reprova o traidor, e com isso ganha direito ao fogo eterno.
Nils Runeberg termina com uma conclusão macabra, ou seja, que O Verbo feito carne ter padecido somente uma tarde na cruz é uma heresia uma blasfêmia, pois seria somente um momento atroz na eternidade, assim que Deus se fez carne, totalmente, e totalmente homem, homem até a infâmia, até a delação e o abismo, e para salvar a humanidade escolheu o pior de todos os destinos: foi Judas. Deus poderia eleger qualquer outro destino na trama da história e ser: Pitagoras, Cesar ou mesmo Jesus.
Dizem que Nils seguiu errante pelas ruas de Malmô, mas que estava contente por dividir com Deus um pedacinho do Inferno.



pinturas: acima Judas de da Vinci, e abaixo o beijo de Caravaggio. 



3 de abr. de 2012

Manifesto pela Politica.



No começo era a lei da força bruta. A lei do mais forte. Que foi, por eras, a constituição das tribos, comunidades, pátrias e impérios. Os seus exércitos, os inquisidores, os capatazes, os DOPS, a tortura etc, eram a forma, método, modo etc de aplicar a lei. A força era usada para defender basicamente a propriedade. No fundo eram os juízes, os tribunais, os supremos, os inquéritos, os delegados e os policiais. Houve muitas mudanças, há um certo equilíbrio, não o bastante, nem o suficiente no uso deste predicado da propriedade, mas continua valendo, ainda que suavemente, e por vezes até de modo obscuro. Seria obsceno se não dissesse que houve algo de distribuição de propriedade e a consequente democratização dos mecanismos de aplicação da lei. A Justiça.
Nada disso caiu do céu. Foi necessário que a cabeça de Maria Antonieta fosse parar no balaio, o mesmo, onde jazeu a de seu marido, o rei absoluto de França; para gerar os Direitos Individuais dos “homens”, que lá, naquele momento, na revolução francesa, ainda eram dos homens no sentido do macho com propriedade, o restante eram mulheres e 'sans culottes', não do homem enquanto humanidade.
Depois foi necessário que a Revolução Russa trouxesse no seu bojo os Direitos Sociais. Sim, só foi possível a jornada 'limitada' de trabalho em função das lutas sociais, onde a ponta de lança foi o comunismo, anarquismo ou o socialismo. Foram dados anéis para que não se perdessem os dedos. Foi necessário que mulheres americanas – operárias – morressem para que algum direito às, outras todas, mulheres fosse conferido. Foi necessário que Martin Luther King existisse para no minimo por fim à Ku Klux Klam.
No processo de lutas intestinas entre nós, humanos, sempre esteve e está presente a politica. Politica é negociata por excelência. Eu quero trabalhar menos horas e ganhar o mesmo. Horas de trabalho são propriedades de quem as vende, o capital é propriedade de quem as compra. Eu quero mais e o outro paga menos do que quero. Entra em jogo a politica. A politica é a cartilagem. Politica é a graxa. Sem a politica temos osso raspando em osso e ferro com ferro. Em suma é força.
No quesito força há sempre a inutilidade da frase: Oprimidos unidos jamais serão vencidos. União impossível. Acaba prevalecendo a força da propriedade que paga, e pouco, para oprimidos uniformizados ou não a oprimirem seus pares. Não é o caso de viver em devaneios, porque a opção é clara, inequívoca e inexorável: a opção é Capital e Democracia e seja lá o que for isso.
E seja lá o que for a democracia, é com ela que queremos ampliar os direitos, estendê-los aos animais, à natureza como um todo. Queremos acabar com a fome no mundo. Queremos acabar com o machismo. Queremos condições de trabalho para além da irrisória. Queremos acabar com todos os preconceitos. Queremos saúde para todos em igual condições de oferta. Queremos condições de vida digna na velhice. Queremos educação para toda a gente. Queremos arte, queremos e queremos. Mas isso não se pede. Nunca se pediu. Isso se exige. Mesmo sendo exigência e não mendicância, nada estará garantido. Porque depende e muito da politica. Dos partidos políticos. Para tanto devemos estar dentro dos partidos. Não importa em qual partido. Desde que se saiba o quê defende o partido. Se o partido é liberal, ou neo liberal não devemos pedir a estes que não loteiem as terras acerca dos mananciais, eles querem justamente estes sítios. Se o partido verde não é verde, ou transformemo-lo em verde ou fundemos o verde. Ou o vermelho. Ou o rosa. Não podemos ficar daqui ou dacolá a desferir-lhes adjetivos como se estivéssemos na arquibancada e nosso craque não quer correr, ou não pode, pois só sai de noitada.
Já disseram que a democracia é ruim, mas é o melhor que temos. Seria leviano concordar com isso, mas não faz sentido aprofundar nesse tema, porque é o que temos, ainda que falaciosa, pois implica que deleguemos poderes a outros ao votar. E ao delegar ficamos desprovidos de poder. Não é bem assim. Podemos e devemos continuar com os poderes individuais e fazer valer nossos desejos e quereres. Tal possibilidade é maior, ou será maior, se estivermos dentro da luta partidária, vigiando se nossos desejos são bem tratados, ninados e mimados ou são e serão abandonados.
Não faz sentido ficar a bater panelas, porque os políticos devem ser os nossos representantes, mas com a nossa sombra sempre às suas vistas, do contrário os teremos transformado em adversários, um tipo de monarquia pelo voto, e um dia desses haveremos de cortar suas cabeças em vez do salário.
Na mais insignificante das câmaras municipais a cada dia se vota matéria que é do nosso interesse. Até mesmo a escolha do nome de uma rua pode trazer reflexos importantes no presente e no futuro de nossa cidade. Assim desde matérias aparentemente banais até às que portarão profundas consequências à nossa coditidianidade. São do nosso interesse, e por ser do nosso interesse, e interesse neste momento é o que importa, não os direitos, porque de nada valem os direitos se não os fizermos valer, e os faremos valer por força do nosso interesse.
Com toda a história da humanidade sabida, decorada e em punho devemos exigir, que se vote em comunhão com nossos interesses. Perdemos muito em cada voto velado, perdemos muito, talvez mais, numa votação de lei que estabeleça as diretrizes de uso do solo, que com a corrupção. Claro que devemos ser contra a corrupção, mas ela não deve permanecer no centro do debate. Temos outras urgências. Enquanto a corrupção estiver no centro do debate, ela esconderá toda uma sorte de matérias mais importantes que afligirão os filhos de nossos filhos; em Ribeirão Preto, por exemplo, temos a questão – cessão por 20 anos, na casa do bilhão de reais - do lixo, do Plano Diretor, da licitação do 'Transporte Público” e a questão da água, só para citar alguns, e estes são de sumo interesse de todos nós e estão na pauta. Como esteve na pauta o da Recuperação do Centro da cidade com um derrame de dinheiro público – pouco é certo - em propriedades particulares, que por mera coincidência pertencem a uns poucos, que deixaram que seus imóveis se tornassem ruínas para não gastarem um tostão furado do capital próprio. Deviam, sim, reformar tais imóveis – questão de segurança pública - que estão a ponto de cair sobre a cabeça dos inquilinos e transeuntes.
Leia o estatuto de partido do seu interesse, haverá partido que lhe dificultará tal procedimento. Filie-se. Discuta. Dentro e fora do partido escolhido, é mais fácil vigiar seu representante, fazendo-se presente no dia a dia da própria vida. Não devo ficar esperando que alguém faça por mim o que nem eu mesmo faço. Haja credulidade, inocência!
É certo que devemos e podemos renovar até mesmo toda a Câmara municipal, mas que diferença trará o bispo sardinha posto no lugar de um animador de auditório.
Deveríamos ir mais a Câmara Municipal do que vamos ao shopping e ao cinema, porque assim daríamos sustança a nossos representantes e não seria necessário castigá-los tanto.
Se nada disso der certo, no mínimo iremos aprender o quão diferentes são os nossos interesses e da dificuldade, que se trata, de transformá-los em direitos, claro para todos.

29 de mar. de 2012

Locupletemo-nos todos.



Não sou ambientalista, mas compreendo os que reivindicam a preservação, e por não ser do contra, aceito suas teses. Todavia acredito que chegaríamos mais longe pela via obliqua da estética e da elegância que pela obtusa demagogia. Ninguém ama ninguém ou belo, talvez o esplendor erótico.
Todo esse nhenhenhém se deve ao fato de existir lei, já velha, que regulamenta o uso do solo às margens de rios, córregos e riachos. Não sei a quantos metros devem estar, as obras, do leito do rio. De orelhada sei que juntando a lei federal com a municipal chega a quase 100 metros. Entretanto o novíssimo condomínio Olhos d'Água, se avizinha ao olho d'água que corre rumo ao ribeirão Preto. Certo é que terraplenou à 25 centímetros dele, na verdade jogou terra no olho d'água, autorizados por duas placas, que plantadas no local, exibem alvarás e o que mais servir com álibi. Inútil espernear. Por isso adianto que a campanha publicitária na hora da venda louvará o verde, por meio de uma verde montagem, que do verde, saibam os amantes do verde, só os olhos rasos d'água!

27 de mar. de 2012

Flor de plástico


Teoria social da conspiração... é uma consequência da desaparição de Deus como ponto de referência, então fica a pergunta: Quem O há relevado? Karl Popper.


Por que o capitalismo é isso: feito da própria impossibilidade, seu eixo fundamental é: daquilo que há e querem que todos compremos, não dá para todos. Em suma o desejo de todos é a todos insaciável, não há iPad para todos, se todos o quiserem. Não há ruas para todos os carros, ainda que não exista carros para todos os que os desejam, não há leitos hospitalares para todos, ainda que os Planos de Saúde insistam em vendê-los. Um dos sintomas de nosso tempo é a fatal falta de verdades. Embora existam verdades em excesso e excessivas, difundidas em todo e qualquer suporte e forma, apesar disso, não as temos o quanto baste, e essas que temos, temo que se tornaram impronunciáveis. Declaro antes de mais nada, não ser adepto de qualquer teoria da conspiração, e este 'impronunciável' nada mais, ser, que a impossibilidade do interlocutor. Por que todos nos tornamos pastores, radiologistas, cozinheiros, artistas, médicos, críticos políticos, sociólogos, filósofos, ignorantes e substituímos o não crer em deus para acreditar em tudo. Assim defendemos os cães, mas não queremos subtrair deles os carrapatos gordos como feijões. Queremos encher o azul do céu de filhotes, como se fossemos sanhaços e que encontraremos, por todo o sempre, um papaia em qualquer parte. Queremos subir no mais metálico dos carros, por um estribo, e que este seja o mais distante possível do chão, e enquanto isso desejamos esquecer que haveremos de apear, e então ser o atropelável, por incauto, mas sempre furibundo.
Não há duvida que não existimos individualmente, senão que partindo da tribo ou sociedade na qual vivemos, assim o indivíduo é uma abstração ridícula. Isso não diz mais do que isso: somos parte do todo, que pode sim individualizar-se, mas sempre carregando consigo as marcas da sua tribo, que a cada dia não é outra senão a própria humanidade. Assim o cubano não é o cubano de outro planeta, mas o vizinho de Miami, e uns e outros necessários entre si. O que não quer dizer que não se possa suprimi-los. Mas a supressão de uns fará ausência aos outros, que por isso mudarão e mudaremos todos, e se nos individualizarmos depois da supressão de uns ou outros, seremos distintos do que seríamos se antes o fizéssemos.
Não cabemos no mundo da maneira que pensamos. Cada um por si, já que deus não revelou seu sucessor. Falta espaço e ouvimos “Quero uma casa no campo”, estamos assustados com a cidade e o multitudinário que isso implica. Um circense terá dito que lá em Piracicaba saltava de uma sarjeta a outra uma rua de treze metros! A resposta deve ser: aqui é Piracicaba, salte. Não há volta possível ao campo, à natureza ao bucolismo. Não entraremos nesse rio por segunda vez. Aqui é o campo e havemos de tocar muitas peças, aplanar arestas, chafurdar muita lama, jogar o palito do sorvete numa lixeira e o celofane do cigarro em outro, recolher a merda dos cães, assim como castrá-los junto aos gatos até quase sua extinção, saber muitas senhas, parar em muitos semáforos e ver muita TV ou Internet para que não tenhamos tempo de pensar no sentido disso tudo, para só então poder dormir com todo o ruido de fundo que sempre resta, como a torturante torneira a gotejar.
O 'não' poderia ter sido uma opção, mas já se extinguiu o tempo desta possibilidade, logo será obrigatório. A menos que insistamos na paranoia do ser Eleito entre milhões de enjeitados, somente para que permaneça a possibilidade, impossibilitada, que atende por esperança, essa loteria diuturnamente fraudada.
As vezes posamos de flor e rapidamente aparecem as abelhas, mas sabemos tratar-se de uma calêndula de plástico com umas gotas de água com açúcar.             

19 de mar. de 2012

Uma impressão d'O Artista. O filme.


Estava lendo o conto Mensagem na Garrafa de E. A. Poe; lá pelas tantas e totalmente submergido naquele mundo sobrenatural, o barco do narrador sossobrava depois de engolfado por uma onda gigante e espumosa, naufragava de proa. Narrador e um velho sueco estavam 'a salvos' em lugar exato, mas ignorado por mim, todavia descrito por ele; desconhecia da exatidão, por simples desconhecimento dos nomes das 'coisas' de um barco, certo é que era na popa. Eu tinha esta imagem, na verdade estava dentro dela, eu vivia a cena que se completava assim: o movimento das ondas produz cristas e abismos, pois do barco estando no abismo podíamos ver um imenso navio singrando a crista da onda, sabia antes de ler que aquele navio baixaria ao abismo e tocaria justo na proa do nosso barco que afundava começando por ela e este movimento de alavanca nos arremessaria justo ao outro navio.
Até então a narrativa era angustiante, acelerada e cheia de socavões. Deste movimento em diante ganhou uma terrível suavidade. Os tripulantes do grande navio não nos viam, sim a mim e a Poe, pois o velho sueco, como já sabia antes mesmo dos acontecimentos fantásticos, por que o narrador nos dava a saber que aquele homem não sairia daquele barco, daí que não nos acompanhou. E eu ali a vê-lo e ele não me via, nem sequer me imaginava, mas tampouco era visto por aqueles velhos, tão velhos que até as rugas se haviam gastado. De imediado me metia em A Invenção de Morel, qual o personagem tampouco é visto pelos hologramas. Então, eu discutia que fim teríamos? Ao mesmo tempo que sabia que Poe viera antes de Bioy Casares. E que Bioy Casares tratava da parte luzente da vida, das indiferenças decorrentes, fortuitas e gratuitas enquanto Poe nos leva a lado oposto por imanência fosco e inexorável. A balada final é a imagem fatal. O barco a girar num remoinho sempre rumo ao centro, ao fim. Há muito disso tudo que se transformou em cenas eternas de Hollywood.
Hollywood não brinca. Usa todos os truques da literatura. Principalmente da Literatura. Todas as figuras e imagens da Literatura da sinédoque à metalinguagem, passando pela intertextualidade.
O Artista de Hazanavicius é pura metalinguagem. Ainda que não exatamente uma produção de Hollywood é Hollywood falando de si e para tanto é também intertextual. Muito do filme talvez só faça sentido não só para mim, por que todos já o tenhamos visto desde os seus pressupostos. Para mim desde antes que Roberto Nóbile – era o operador - me mostrou a cabine de reprodução no Cine São Roque em Bonfim Paulista como a coisa se passava, e seu desespero quando exibia o mesmo filme que algum cinema de Ribeirão Preto - que começara um rolo antes sua exibição - e se angustiava com a espera da chegada do segundo rolo, que por vezes atrasou e ficamos, por isso, a ver a tela completamente branca. Falo disso por que foi naquela época que nos entupimos de um Kino mais próximo a 'O Artista' de M. Hazanavicius, e um pouco de nostalgia, claro ninguém é de ferro, e é disso que se trata N' “O Artista”. Daí que a presença do cãozinho se torna obrigatória, e é intertextual, e o é, por se tratar de presença recorrente no cinema mudo, um arquétipo. A batata da perna desconhecida e a singela tela que oculta à sua dona o galã, e ela a este, que lhe é desconhecida, mas a nós não, nunca são, pois este cinema nos permite saber mais e adiantado, e por vezes de forma exasperante, o que vai acontecer, como que nos preparando, nos cozinhando para a lágrima da qual não se pode fugir, pois começamos a dirigir as cenas e acabamos vivendo; e nossa vida amorosa é sempre de chorar. O cinema mudo nos dá esta liberdade, e criamos os diálogos, que sabemos de cor e interpretamos todo o tempo a nós mesmos e choramos às bicas, pois sabemos o que vai acontecer. E choramos de arrependimento, quando nos toca na cena ser o malvado, ou por haver sofrido a malvadeza. O final feliz também nos faz chorar, talvez mais ainda, pois é exatamente o que queríamos que acontecesse conosco, o melhor dos Happy endes, menos que se acenda a luz!