3 de fev. de 2011

Gourmets, Sibaritas: gourmandises. A cebola.

lágrima de cebola


A sorte das nações depende do modo que se alimentam. Brillat-Savarim .




A cebola é Kierkegaardiana, um ser em várias camadas, que ao ser desvelado capa por capa, sempre nos mostra menos, até o próprio lugar nenhum, onde a profundidade é sinônimo de vacuidade, nada. Tinha um amigo que não lhe gostava a cebola, repetia isso a cada encontro gastro enólico. Um dia me cansei dizendo enolicamente: quem é você para não gostar da cebola, ela é que pode gostar ou não de ti. Talvez o tenha dito mais; que a cebola ao menos faz chorar e ele melifluamente: minha mãe... mas não me lembro desta parte.
Há uma cena em Brazil o filme em que o protagonista viu seu amigo sumir em meio um redemoinho de folhas de jornais e no intento de localizá-lo naquele embrulho, separa desesperadamente folha por folha até chegar no mais absoluto nada.
A cebola pode ter seu ponto de partida na Ásia – Afeganistão - , passou pela Pérsia, Africa.. andou mundo. Faz chorar por exalar - ao ser cortada – ácido sulfínico que é volátil e instável, e o gás produto desta instabilidade em contato com a água dos olhos produz ácido sulfúrico, que é irritante, então choramos para diluir o ácido. Enfim a cebola é controversa.
Encontramos alguma variedade da allium cepa por aqui, menos do que se poderia, devido a monocultura subjacente. Eu gosto muito da cebola nacional para a salada.
cebola nacional

Tomate e cebola, azeite e sal. A cebola nacional é aquela mais oblonga, digo aquela, pois a maioria é produzida por aqui. Como dizia: oblonga e a sua camada mais externa nunca se seca por igual não sabe envelhecer, como a da argentina. Ela é excelente para a salada, por ser mais adocicada. Quando recém-colhida é mais tenra, é o momento ideal para desfrutar de todas suas qualidades, mas se pretender algum preciosismo de textura, vá a parte mais interna do bulbo. Como o caso é salada de cebola, esta merece um corte especial. Sempre a corto na longitude e em quatro, desmancho-a o menos possível. Uso uma flor de sal, sal marinho etc. Azeite - tenho um que se acaba – de azeitonas alberquinas, sua acidez muito baixa e a pouca força da azeitona é ideal para apreciar o vigor desta delicadeza.
cebola roxa
A cebola roxa é globosa e é algo mais picante e menos doce que a cebola branca nacional. É uma alternativa para saladas que carecem um pouco de cor. É fantástica para refogados e quando se quer ganhar tonalidade para o molho final. Ao ser refogada perde sua cor. Uma maneira deliciosa de perpetrá-la é assada e depois cortada em lágrimas.
Outa possibilidade é a cebola globosa e dourada, que alguns dizem: argentina. cebola argentina
Tango puro. Altas concentrações de sulfínico. Eu não choro, por usar lentes de contato, creio. Gosto dela para fazer refogados. Se presta muito para o trabalho de cortar em cubinhos, sua formação não se desfaz facilmente, permitindo cortes mais amiudados. Coisa que se poderia conseguir com um ralador, mas que desde já se diga, não é a mesma coisa. Ao ralar danifica-se completamente suas células e fazendo-a verter mais liquido e por conseguinte gás, fazendo mais chorar, e pouco se prestando ao refogado, que vira uma papa.
Sua acidez, muito ajuda no cozimento de outros alimentos – amolece - . É um ingrediente fácil nos ceviches por esta razão, cozinhar o peixe.
Cortes.
Pode-se cortar na forma de lágrimas.
Em cubinhos mui pequenos, são chamados brunoises.
Em cubos um pouco maiores, são chamados mirepoix ( note que aqui o nome inicialmente é de um conjunto de ingredientes – base para cozidos em geral - que é formado por cebola, cenoura, aipo, toucinho etc, também se presta a dar nome ao corte.)
Em tirinhas do sentido longitudinal, são chamadas: a juliene, a juliana.
Ou ainda em rodelas grosseiras, grossas, finas e finíssimas.
O tamanho do corte é determinado pelo uso subsequente, tem finalidade. O brunoise tende a desaparecer dentro da preparação do prato, enquanto o mirepoix tanto pode permanecer visível – na sopa – como ser coado, apartado do que se tem de fato interesse o caldo, os sucos.
refogado

Existem tantos refogados quantos podem imaginar uma pessoa; que imagina mais coisas que as pobres coisas que existem. Eu já perpetrei um refogado por duas horas e trinta minutos. Tudo para fazer uma paella. Valeu a pena.




cebolinha de conserva assada embebida em balsâmico sobre gelatina quente de cassis, estágio ElBulli-Hotel-Sevilla

2 de fev. de 2011

Gourmets, sibaritas: gourmandises. A SALSINHA.

Salsinha.

Cuidado com a salsinha picadinha enfeitando seu prato. A salsinha quando fresquinha ajuda a “abrir o apetite”, agrega frescor ao prato e aromatiza. Se misturada à água onde se coloca a alcachofra que se está a lavar, preparar, impede a oxidação da flor. Ela deve ser cortada miudamente com esmero. Um grande instrumento para isso é uma faca bem amolada. Deve-se cortar e não esmagá-la. A meia lua é um ótimo esmagador – em geral “cego” - , tanto que o processo a salsinha deixa na tábua todo o seu sumo. Há os que espremem em um pano, o produto do esmagamento, na tentativa de tirar todo o suco que ainda resta, tentativa esta desesperada de deixá-la sem umidades, afim de impedir que “melem”, processo em geral inócuo e inútil, meia hora depois a salsinha está a cheirar coco de porquinho-da-índia, malgrado o chef insiste com o “toque final” a enfeitar o prato. Mais vale uma folha da salsinha bem escolhida.




por exemplo



Assim há duas definições importantes: cortar e esmagar, picar. Para cortar: faca amolada, para esmagar, faca cega batendo, fazendo barulho, com frequência maior que certos processadores de certas CPU. Cortar é importante, quanto mais silencioso o processo, mais eficaz. Esmagar, pilar, picar é também importantíssimo, por exemplo na hora de fazer um pesto genovês. Aliás, o pesto genovês só vale a pena se feito do modo mais próximo do original: pilão, mão-de-pilao, folhas de basilicão ( escaldadas), pinhõezinhos, azeite extravirgem, alho (branqueado) e um grande parmesão. Por hora atento à salsinha que enfeita o seu prato.

NOTA: ESTES CONSELHOS ESTÃO ENDEREÇADOS À SIBARITAS E GOURMETS. TODOs OS DEMAIS PODEM DEVEM CONTINUAR A FAZER COMO SEMPRE.

1 de fev. de 2011

Parmeggiana...

Primeira matéria.
Matéria-prima.

Os cremes de leite em embalagem tetra pak ganham sua consistência por ação das gomas (espessantes) que contêm: carragenato, guar, jatai e xantana. Há os que se resignam com uma goma, mas há os que as carregam todas. A xantana é um espessante que espessa até água. Muito usada para as famosas reduções de “aceto balsâmico” . Sem a presença da goma se poderia reduzir o vinagre até a consistência, textura desejada, devido a presença natural dos açucares do vinho de origem. Mas a coisa virou febre, então deu-se a famosa “criatividade”: as gomas. Se um dia for fazer um “Tirami su” e usar estes cremes de leite, falharás, pois não são matéria-prima que dizem ser, senão que produto acabado, e além de carregarem uma infinidade de produtos do tipo E-(núm)., e não serem creme feito do leite, não servem ao propósito do capricho culinário ao qual alguém se dedica.
Agências de segurança alimentar (Brasil e exterior) autorizam o consumo destas gomas dentro de um limite diário. Aparentemente não causam problemas para a saúde. Acontece porém que, como se pode comprovar, estão por todas as partes. No suco, mais espesso que o suco natural, na redução do balsâmico, do cabernet-sauvignon, em todos os caldos e temperos prontos com um plus de MSG ( glutamato monossódico - ajinomoto) , no hambúrguer, no caldo para feijão etc. Ah! Em algumas margarinas, cuidado que estragas o teu bolo.
O glutamato monossódico por via transversa está presente até
nos famosos parmegianas de nossa cidade, via caldo de galinha ou carne, ( usam para temperar!)(famosa cozinha Franco-italiana-cearense) ou diretamente no molho de tomates “para tirar a acidez” (italo-falsa-mineira). Não duvido que tenha se imiscuindo à pizza. O famoso “molho madeira” via shoyo, para escurecer a água do banho de algum pedaço de carne desprezado, e a famosa “água-benta” ou mingau ou maisena ou amido de milho.
O comensal faz cara de gourmet, força o sotaque: - Garçon, um filé ao madeira. Tumba. Água do banho, shoyo, maisena e o famigerado bissulfito de sódio que impregna o famoso champinhom. O “filé” está temperado com glutamato e algo misturado. Bom proveito.

31 de jan. de 2011

O GOSTO DO SENHOR BLOOM

moleja
...Lo que más le gustaba eran los riñones de cordero a la plancha que
le proporcionaban al paladar un delicado gustillo a orina tenuemente aromatizada.



Experimentei uma moleja. Sabe a noz. Saber é o verbo do paladar. Assim a moleja sabe a noz. O vinho sabe a frutas silvestres vermelhas com uma pitada de pimenta do reino e de fundo, quiças, tomilho. A moleja é uma glândula carnuda situada na parte inferior do pescoço de bovinos e suínos. A que eu comi era bovina. Sabia a noz. Não sei se sabia a noz. Receio que o garção tenha me sugestionado, ou outra pessoa qualquer. Temo pois não terei certeza que saiba a noz. Tenho procurado a moleja, mas os açougueiros não têm vaga ideia do que falo. A moleja é a tireoide. Ando tão estrangeiro que algumas manhãs tardo quarto de hora a saber onde estou. Confesso: há dias que só são possíveis depois de algumas lágrimas, pois jurava na vigília que dormia debaixo de um banco na praça Castro Alves, e como desjejum e banho havia um mergulho no Farol da Barra. Vendia umas pulseirinhas, por ali. Comia uns camarões secos com uma cerveja, e cruzava a baia direção à ilha de Itaparica. A sede de cerveja nascia no trajeto e morria no primeiro buteco da Boa Vista, junto com mexilhões-catados com tomate e coentro. Eu pedia para juntarem uma mica de leite de coco e uma gota de azeite de dendê.
Mexilhão sabe a mar. O mar é uma placenta estourada.

Parado ai no ponto?

Num ponto de ônibus da Av. Independência, uma publicidade municipal contra a dengue diz: 600 mil contra a dengue.”e você” Parado ai no ponto ? Pois é senhor publicista, se o sistema de mobilidade pública funcionasse, estaria em casa cuidando de minhas bromélias. Por bom humor ficaríamos nisso, mas em tal reclame há questões implícitas, subliminares ou subjacentes de grave teor discriminatório, senão vejamos: Primeiro dá a ideia que todos estão fazendo algo contra a dengue – risível - e a cidadã\cidadão que está ali parado no ponto, nada faz; e o “nada-faz” é em oposição aos demais que tudo fazem, como os que conduzem seus veículos pelas ruas da cidade, não estão ali parados e leem a tal apelo e concluem que a indivídua\o ali parado “que nem poste” é culpado\a pela dengue, ou seja a criatura espera o ônibus mais do que quer, mais do que é necessário em qualquer lugar civilizado, espera indignamente, sujeito às intempéries, ao destempero e despreparo das empresas concessionarias, e ainda leva a culpa da infestação. Como quem espera ônibus é pobre, a infestação se liga, indexa e se linka ao desgraçado. Que a sociedade civil tenha suas mazelas e esta estranha necessidade de nutrir alteridade em relação a negros e pobres: sentimento mazombo,é coisa déjà-vu, mas dum órgão ou ente público que paga a publicidade com dinheiro que saiu também do meu bolso... tratamento isonômico, meus senhores, por favor! A publicidade viola a constituição em : artigo terceiro inciso IV dignidade da pessoa humana; artigo quinto inciso X … inviolável a honra e imagem das pessoas, difusamente. Mandado de segurança.

29 de jan. de 2011

saudosismo.

Se o Pedro II anda ocioso, é porque a arte é ociosa. Há quem pense utilitária. Muitos. Utilitária. Mas a arte nada tem a ver com produção contínua e em poucas cores da cultura de massa. A grande arte, ao menos, não. Se nos é difícil discriminá-la em meio ao utilitarismo – arte-para-as-massas -; é um outro problema – talvez não consigamos nos distinguir em meio a tudo -. Convir se torna necessário, já que é impossível gostar de ópera uma vez por década, ou teatro, ou cinema, ou música clássica. Razão de sobra têm os que usam para outro fim um teatro de ópera, se para seu fim o Pedro II não opera. A obra arquitetônica tem fim como equipamento, por não ser arte, se tanto, teria fim em si como já o disse. A arte é artéria e não parte da carteira, de nada adiantará que apartes a Marte, a arte não reparte, nem se reparte como sorte em um carteado; então a arte pode dizer se quiser; desde que profundezas a vida surge.





Aqui vai meu momento de espanto no ano de 2007 em Sevilha.



eu





Hoje não sei o que dizer.
Há sempre um livro nestas páginas em branco, uma vida nesta cronologia sem espaço.
Sou um estranho neste jardim.
Rapazes e moças " Chefs" do ElBulli- Alqueria - por cinco meses. Neurocirurgiões operando o próprio Deus, Michelangelos descascando o mármore onde Davi se esconde.






aneis de polvo

Então mandam: espátula, sim;
faca, sim;
Coador chinoix, sim;
manteiga clarificada, sim;
redução de carne,sim;
prato para “empratar”, sim.
Andam de um lado para o outro carregando a certeza que irão decidir o futuro da vã humanidade.
Há a compenetração e a seriedade a tangerem o obtuso.
A ubiquidade: ser, prato e ingredientes -necessária - .
Mas a flauta é mais feliz que o flautista e a música se perde no vácuo dos ouvidos moucos.
Chego a achar que falta vida ao prato, uma fumacinha talvez - aquela fumaça quase protagonista nos filmes cults filmados em San Francisco e bairros pobres de N.Y. - que seja uma fumacinha subindo do filé, como sinal de vida, ou de vida vazando,que viver é vazar em..., algo além da obtusidade fulgurante do fenótipo "belo". E por pequeno que seja um dedal ele transbordará se uma cabeça de alfinete ai for vertida, por sua falta.
Asséptico, pasteurizado é este mundo privado de qualquer barroquismo, ainda que se permita um certo rococó da bisnaga com redução de balsâmico, ziguezagueando pelo prato, da erótica gota de caldo de carne, grossa como fosse uma musselina finíssima, colocada ali para que jamais termine de incidir sobre o fundo branco de um prato que em sua demasia é branco.

28 de jan. de 2011

Teatro Pedro II. A farsa.

Em latim amarelo e cariado o homem com um berrante a tiracolo troou: OoÕ chão preto, do palco do pedro segundo, introibo meu berrante ad altare dei, deixo os conservadores basbaques e o pseudo intelectual furibundo. Os prelados protetores das artes sacam suas espadas. Pequena farsa seu nome de imperador.
Ajoelhemos e perdoemos seus olhos cinzentos – (si bemol tenor) o prelado mor.
Não seja hiperbóreo. (lá maior) o homem do berrante.
Thalata! Thalata! Nossa doce mãe. (ré menor soprano) a cultura.
É o fim. (mi maior com sexta – baixo). O homem-evento com um sorriso ainda tolerante.
O homem do berrante apresentava os animais que chacoalhavam o sinete ao entrarem no palco, coberto de feno e estrumes das estrelas.
Boooi Zebu, vaaacamarela...
A plateia em delírio atirava seus chapéus aos camarotes, estes estouravam champanhe sobre tudo.