21 de fev. de 2017

A Barca de Caronte


A Barca de Caronte, porque também há a barca de Flégias.

A lua traça seu rastro trêmulo nas escuras águas do lago. Caronte, aguarda diante da enorme proa em forma de cunha. A barca cabeceia bruscamente pela ondas, sacudindo os marejados passageiros que se apertam como sardinhas a bordo. O velho barqueiro discute com um guerreiro que ainda esta vestido com sua armadura ensagüentada e o pescoço varado por uma lança:
_ Não e não, Heitor! Por mais heróico que fosse em Tróia, não posso te deixar embarcar sem pagar o óbolo, aliás, como toda gente.
_ Caronte, meu velho, os aqueus amarraram meu cadáver ao carro Aquiles e me arrastaram. Disse Heitor, e suponho que foi ai que perdi o porta-moedas. _ Sinto muito. Já deixei muita gente embarcar na carteirada, como Hércules e me custou um ano de cadeia comum, porque sou filho de Nix, um semideus. Isso aqui é uma democracia com suas normas, regras, leis e não uma satrapia aonde todos fazem o que sai da cabeça do quepensacomoquefazfeder. _ Oh, Heitor! Se na barca de Caronte quer viajar, um óbolo terá que pagar. Cantam em coro umas mulheres com longas túnicas negras. _ Helas, já ouviu o coro grego! Então, Caronte aponta com a pá do remo para a praia, terá que vagar durante cem anos pelas margens do Estígia, então subirá grátis na barca. São as regras. Vamos, pista!
_ Não há mais direitos, nos tratam como gado! Diz Psiquê vomitando pela borda do barco. _ Se não está contente vá nadando, senhora! Caronte repara em um novo passageiro, um homem de aspecto solene que veste um manto de linho egípcio.
_ Isósceles! Não te esperava tão cedo, homem!
_ É, logo agora que acabei de desenhar esse triângulo tão cult... se lamenta Isósceles, enquanto deixa o óbolo na mão esquerda de Caronte. Heitor foi se afastando cabisbaixo e quando comprova que ninguém o observa se esconde aproveitando a sombra vinda de uma ilha ao fundo. Dali distingue um homem vestido com camisa aberta no peito e calças de linho escuro. Antony Quinn, o ator. Sim, amigo. Zorba o Grego! - dança uns passos de sirtaki, parece que soa Mikis Theodorakis. _ Não lembra? Caronte lhe fixa os olhos com aspereza e com cara de poucos amigos parece não reconhece-lo. Veja, Caronte, foi tudo tão repentino. Estava no estúdio e ... bem... Quinn fuça nos bolsos, porra! Acho que não tenho moedas!
Nisso, Heitor aproveita a distração de Caronte. Entra na água e se agarra à uma corda e de um salto ágil cai na popa e se esconde detrás do timão. E dali ouve Caronte vociferar: Volto a repetir e repito quantas vezes seja necessário, que não senhor Quinn! Que não aceito Elo, nem Visa e nenhum cartão de crédito!




Nenhum comentário: