A
Barca de Caronte, porque também há a barca de Flégias.
A
lua traça seu rastro trêmulo nas escuras águas do
lago. Caronte, aguarda diante da enorme proa em forma de cunha. A
barca cabeceia bruscamente pela ondas, sacudindo os marejados
passageiros que se apertam como sardinhas a bordo. O velho barqueiro
discute com um guerreiro que ainda esta vestido com sua armadura
ensagüentada e o pescoço varado por uma lança:
_
Não e não, Heitor! Por mais heróico que fosse
em Tróia, não posso te deixar embarcar sem pagar o
óbolo, aliás, como toda gente.
_
Caronte, meu velho, os aqueus amarraram meu cadáver ao carro
Aquiles e me arrastaram. Disse Heitor, e suponho que foi ai que perdi
o porta-moedas. _ Sinto muito. Já deixei muita gente embarcar
na carteirada, como Hércules e me custou um ano de cadeia
comum, porque sou filho de Nix, um semideus. Isso aqui é uma
democracia com suas normas, regras, leis e não uma satrapia
aonde todos fazem o que sai da cabeça do
quepensacomoquefazfeder. _ Oh, Heitor! Se na barca de Caronte quer
viajar, um óbolo terá que pagar. Cantam em coro umas
mulheres com longas túnicas negras. _ Helas, já ouviu o
coro grego! Então, Caronte aponta com a pá do remo para
a praia, terá que vagar durante cem anos pelas margens do
Estígia, então subirá grátis na barca.
São as regras. Vamos, pista!
_
Não há mais direitos, nos tratam como gado! Diz Psiquê
vomitando pela borda do barco. _ Se não está contente
vá nadando, senhora! Caronte repara em um novo passageiro, um
homem de aspecto solene que veste um manto de linho egípcio.
_
Isósceles! Não te esperava tão cedo, homem!
_
É, logo agora que acabei de desenhar esse triângulo tão
cult... se lamenta Isósceles, enquanto deixa o óbolo na
mão esquerda de Caronte. Heitor foi se afastando cabisbaixo e
quando comprova que ninguém o observa se esconde aproveitando
a sombra vinda de uma ilha ao fundo. Dali distingue um homem vestido
com camisa aberta no peito e calças de linho escuro. Antony
Quinn, o ator. Sim, amigo. Zorba o Grego! - dança uns passos
de sirtaki, parece que soa Mikis Theodorakis. _ Não lembra?
Caronte lhe fixa os olhos com aspereza e com cara de poucos amigos
parece não reconhece-lo. Veja, Caronte, foi tudo tão
repentino. Estava no estúdio e ... bem... Quinn fuça
nos bolsos, porra! Acho que não tenho moedas!
Nisso,
Heitor aproveita a distração de Caronte. Entra na água
e se agarra à uma corda e de um salto ágil cai na popa
e se esconde detrás do timão. E dali ouve Caronte
vociferar: Volto a repetir e repito quantas vezes seja necessário,
que não senhor Quinn! Que não aceito Elo, nem Visa e
nenhum cartão de crédito!
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