16 de mai. de 2016

Suicídio.

Suicídio.

Corria o ano de 1976, mais precisamente não sei se 75. Trabalhava na Caprichosa Modas da São Sebastião datilografando duplicatas. De repente um alvoroço, um mundaréu de gente descia pela Visconde rumo a General. Largamos, eu e o Melo, os afazeres, a ver o quê. No edifício número 490, que tem um estacionamento, la no topo, um homem caminhava se equilibrando, ajudado pelos braços abertos. A massa, meu coração palpitava, calada. Ele foi e voltou umas três vezes. Parava, olhava para baixo. Fez sinais ao povaréu. Do espanto a multidão passou ao escarnio e gritou uníssono: Pula. Ele ameaçou. Mas não pulou. Entretanto escorregou. Ainda assim, conseguiu se segurar na parede com as duas mãos, e com os pés patinava pela parede e tentava voltar. Não conseguia. Foi se cansando. Já não tentava mais. Escapou. Berrou voando. E se esborrachou no teto de uma loja de roupas. Quebrou as telhas. E foi colhido pela lage. Que afundou. Trincou. Mas não o deixou passar. Por vários dias, revia seu voo assustador. Nunca soube, ou não quis saber dos propósitos daquele homem. No breve tempo que durou o ato, os bochichos diziam se tratar de um louco, para mim, então, todo suicídio era coisa de loucos. .
Faz quatro anos, Dimitris Chistoulas, de setenta e sete anos, farmacêutico aposentado, se disparou um tiro a cabeça no meio da praça Syntagma de Atenas, diante do Parlamento, todo mundo entendeu suas razões. Depois sua nota de suicídio era clara: “O governo reduziu a nada, literalmente, a minha capacidade de sobrevivência, que dependo da pensão, que durante mais de trinta e cinco anos paguei sozinho, sem a ajuda do estado. E que pela minha idade não tenho o poder de resistir ativamente (...) não encontro outra solução que não esta, para um final digno, antes que me encontre obrigado a procurar comida no lixo” . Foi um suicídio público, usado como protesto que não podemos menosprezar.
Um suicídio sempre impressiona, porque a maioria das pessoas não concebem que se possa considerar que a vida não seja uma prioridade. Deve ser por isso que esta maioria, a fim de viver, está disposta a viver de qualquer maneira. O suicídio em privado,surpreende. Mas a sua condição faz que o potencial crítico se dilua. No entanto, quando alguém se suicida publicamente, à surpresa se soma o espanto, e mais que se tirar a própria vida se acredita que queira dizer algo com o gesto que é um grito.


 Oceane, garota de 19 anos. "ao vivo"

 Já é triste a morte, mais triste se se soma a banalização, e nos tornamos vouyers num mirante. 

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