Suicídio.
Corria o ano de 1976,
mais precisamente não sei se 75. Trabalhava na Caprichosa
Modas da São Sebastião datilografando duplicatas. De
repente um alvoroço, um mundaréu de gente descia pela
Visconde rumo a General. Largamos, eu e o Melo, os afazeres, a ver o
quê. No edifício número 490, que tem um
estacionamento, la no topo, um homem caminhava se equilibrando,
ajudado pelos braços abertos. A massa, meu coração
palpitava, calada. Ele foi e voltou umas três vezes. Parava,
olhava para baixo. Fez sinais ao povaréu. Do espanto a
multidão passou ao escarnio e gritou uníssono: Pula.
Ele ameaçou. Mas não pulou. Entretanto escorregou.
Ainda assim, conseguiu se segurar na parede com as duas mãos,
e com os pés patinava pela parede e tentava voltar. Não
conseguia. Foi se cansando. Já não tentava mais.
Escapou. Berrou voando. E se esborrachou no teto de uma loja de
roupas. Quebrou as telhas. E foi colhido pela lage. Que afundou.
Trincou. Mas não o deixou passar. Por vários dias,
revia seu voo assustador. Nunca soube, ou não quis
saber dos propósitos daquele homem. No breve tempo que durou o
ato, os bochichos diziam se tratar de um louco, para mim, então,
todo suicídio era coisa de loucos. .
Faz quatro anos,
Dimitris Chistoulas, de setenta e sete anos, farmacêutico
aposentado, se disparou um tiro a cabeça no meio da praça
Syntagma de Atenas, diante do Parlamento, todo mundo entendeu suas
razões. Depois sua nota de suicídio era clara: “O
governo reduziu a nada, literalmente, a minha capacidade de
sobrevivência, que dependo da pensão, que durante mais
de trinta e cinco anos paguei sozinho, sem a ajuda do estado. E que
pela minha idade não tenho o poder de resistir ativamente
(...) não encontro outra solução que não
esta, para um final digno, antes que me encontre obrigado a procurar
comida no lixo” . Foi um suicídio público, usado como
protesto que não podemos menosprezar.
Um suicídio
sempre impressiona, porque a maioria das pessoas não concebem
que se possa considerar que a vida não seja uma prioridade.
Deve ser por isso que esta maioria, a fim de viver, está
disposta a viver de qualquer maneira. O suicídio em
privado,surpreende. Mas a sua condição faz que o
potencial crítico se dilua. No entanto, quando alguém se
suicida publicamente, à surpresa se soma o espanto, e mais que
se tirar a própria vida se acredita que queira dizer algo com
o gesto que é um grito.
Oceane, garota de 19 anos. "ao vivo"
Já é triste a morte, mais triste se se soma a banalização, e nos tornamos vouyers num mirante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário