12 de mar. de 2016

Purismo.

Purismo. 

Nada mais tranquilizador para um determinado tipo de brasileiro que comprovar, ou ouvir dizer que seus inimigos políticos roubam. É, mais uma vez, o poder que não admite debate.
Cunho esta palavrona: Puritismo. Subst. Masc. Sing., a convicção de que – quase – todos os problemas do Brasil atual são produto da corrupção, em geral, e da corrupção dos políticos em particular. Ou mais encumpridado: Puritismo é um produto velho, uma lacra. Diante de certa prepotência do lulismo, certo jornalismo – à valentona - se dedicou a procurar os pontos frágeis na corrupção, que vinha desde a destruição e venda/privatização do Estado, para ocultar dos seus leitores e não narrar as mudanças estruturais, decisivas que aquele processo vem produzindo no Brasil.
A corrupção é a conduta  mais  fácil de julgar, e qualquer um pode condenar sem pensar muito, e mais precisamente, sem pensar.
Isso é velho. Lembro dos militares, eles começaram a mudar as estruturas sociais do país, destruindo as organizações sociais, produzindo divida externa, quais devemos até hoje, mas os julgam pela morte de Herzog e muitos outros. Terrível matar jovens, jornalistas... Mas diante do estrago que fizeram ao país, foi um mal menor. As torturas, os assassinatos, inclusive, frente ao que fizeram, um mal menor: um espantoso, limitado mal menor, diante do efeito do estrago geral que se estende no tempo, que ainda perdura. Mas é muito mais fácil se lembrar e entrar em acordo com o horror das torturas e roubos que no estrago estrutural do país – porque entre outras coisas, os que se beneficiaram com aquilo são, ainda, os donos de quase tudo até esses dias que correm.

 O mesmo aconteceu, mas sem a brutalidade e horror, mas com a mesma eficácia, com a venda/entrega do Estado nos anos FHC.
A fúria Honestista já mostrou sua cara na eleição de Collor, o caçador de Marajás. O grande problema é que Collor foi um monstro que se rebelou contra seu criador. Quem votou naquela eleição, deveria – como mínimo – estabelecer este paralelo, ligar os pontos, afinal o que mais se ensinou na escola daqueles tempos foi ligar com pontos coisas parecidas, ou semelhantes.

Sigamos. Muitas campanhas políticas se baseiam nesse Puritismo, muitos políticos aproveitam seu enraizamento popular para centrar seus esforços, seus discursos na denuncia da corrupção e deixar de lado definições políticas, sociais e econômicas. O Puritismo é a tristeza mais insistente da democracia brasileira: a ideia de que qualquer análise deve se fundar na pergunta criminal: quem rouba? Quem não rouba?. Como se não pudéssemos ir alem disso. E creio que não podemos. Infelizmente.
É terrível que os políticos eleitos para gerir o estado o roubem, nos roubem. Estamos todos de acordo com isso. Esse é, precisamente, o poder do discurso contra a corrupção: é muito difícil não estar de acordo. É, sem vontade alguma de desmerecer ninguém, um lugar comum, aonde todos podemos nos encontrar. Ninguém defende a corrupção e os corruptos. Não digo: está bem que afanem minha gaita. Talvez diga: esse filho da puta que está denunciando é um perverso que passa creme de chantilly na sua cadela. Há quem diga que o partido precisa de dinheiro para construir o poder, dizem, para fazer política, sem parar para pensar – eba pensar – que ao dizer, dizem bastante sobre a ideia do que é fazer politica.
A corrupção existe e é daninha. Mas também existe e faz tanto mal quanto, essa tendência generalizadora de atribuir à corrupção todos os problemas. A corrupção se transformou em algo útil, ela acaba com qualquer debate.

Se as empresas estatais foram vendidas a preço de banana a outras estatais estrangeiras – Telefonica, por exemplo, Telecom Portugal, por exemplo - não foi porque havia uma dívida de bilhões que obrigou o Brasil a fazer o que queriam os credores, mas porque um punhado de ministros de FHC gostavam de apartamentos em Paris.
Se há tantos pobres -e se lhes cuida tão mal e porcamente – a causa é menos da redistribuição de renda e o abandono das obrigações do Estado que no desvio de certos fundos. E assim sucessivamente. A discussão política é o tema que o show da corrupção sabe evitar.

A Honestidade é o grau zero da atuação política, é óbvio que deve-se exigir a qualquer político – como a qualquer empresário, faxineira, engenheiro, jornalista, caçador de sapo, domador de cachorro – que seja honesto.

É óbvio que a maioria dos políticos brasileiros não são, ou não parecem honestos, é óbvio que é necessário conseguir que sejam. Mais isso, em política, não serve para nada, que um político seja honesto não define, em absoluto, sua linha de atuação. Porra! O fato de Tiririca ser honesto nos dá a dimensão do abandono político em que nos meteríamos se todos fosse iguais a ele.

A honestidade deveria ser o mínimo denominador comum MDC, a partir do qual pergunta-se: Que fazer com as terras indígenas? Como resolver a questão energética? O que pensa do aborto?
Não argumento que a corrupção não seja um problema grave. Mas, também é grave quando todo debate político a ela se redunda. O debate sobre o poder. Sobre o poder da mídia. Sobre o super acumulo de riquezas. Sobre o acumulo de pobreza. Sobre a questão ambiental. Sobre a Amazônia. Sobre os rios. Tudo está fora do debate, em nome da corrupção.
A honestidade pode não ser de direita ou de esquerda, mas os honestos com certeza são.

Podemos ser honestos de esquerda e muito honestamente de direita, é a partir disso que devemos buscar a diferença. Quem administra honestamente a favor dos que têm menos – dedicando honestamente o dinheiro público aos hospitais, ás escolas... - será mais de esquerda, ou quem administre honestamente a favor dos que mais têm – dedicando honestamente o dinheiro público na melhoria das autopistas, ao redor dos shoppings centers, os bairros nobres... este será mais à direita. Baixando imposto ao pão, esquerda. Diminuindo impostos sobre o lucro. Direita. Tudo muito honestamente feito. Acatar as proibições eclesiásticas será honestamente de direita. Quem facilite o uso de anticoncepcional honestamente de esquerda. Quem invista na educação dos jovens para retirá-los da rua, será honestamente de esquerda. Quem enche a rua de policiais e de armas será honestamente de direita. Em suma, a honestidade junto com a vontade, a capacidade e a eficácia, quando existirem, atuarão obrigatoriamente com um programa de esquerda ou de direita.

É isso que o Puritismo evita discutir. A ideologia que certa direita sempre insiste em postular que não há ideologias, e que o que importa é a eficiência e a honestidade. Essa frase ´poderia muito bem ter saído da boca da doutora Dilma. Tamanho o disparate. Esses direitas pensam que a política é um capricho, uma vaidade.
Uns dizem que a corrupção mata. Sem dúvida que mata e é terrível. Mas o que mais mata é a falta de hospitais, a desnutrição, a falta de educação para a saúde, a violência, e a vida de merda que levam uma grande parte da população, e isso é mais um problema de participação política que de corrupção.

Há quem diga que se os políticos não roubassem, muitas coisas seriam melhores, saúde, educação, por exemplo.
Pode ser que melhorassem, marginalmente. Mas o que define a saúde ou a educação brasileiras não é a participação em 10%, 20% ou até 30% no dinheiro de quem delas se ocupam. O que as define é que - graças á ditadura militar e seus continuadores pseudo-democráticos – os brasileiros que podiam correram para os planos de saúde e educação particular, e os pobres ficaram com essa educação e essa saúde publicas que os políticos corroem – . E dessa forma, a esquerda anda muito de direita. Ou ainda, a esquerda é absolutamente de direita. Esse é o problema.

Se todos os políticos fossem honestos, ainda deveríamos decidir se queremos ou não uma educação de primeira, de segunda, de terceira. O mesmo valendo para a saúde. O mesmo valendo para a segurança pública. O mesmo para o trabalho. Ainda haveríamos de decidir se queremos que um rico tenha muitíssimas outras possibilidades de sobreviver a um infarto que um pobre. Ou não.
Deveríamos decidir se saber matemática é um direito de jovens cujos pais ganham menos de dois ou três salários mínimos. Ou não.
Todas essas decisões deixaram a mesa de negociação política, pela corrupção.
Muitos políticos e muitos cidadãos evitam essa discussão e falam da corrupção, que é mais fácil e não quer dizer absolutamente nada. Quem é louco de ser a favor do câncer?

Tal Puritismo é a forma de não pensar em certas coisas, um modo safado de calar a boca. Quando não há ideologia, a ideia da decência e da ética parece um refúgio possível. É curioso, não houve no Brasil contemporâneo um governante mais decente, mais refratário a acumular riqueza pessoal, que um senhor que viveu até há pouco num apartamento em San Conrado e que o seguem a chamar-lhe de volta, apesar de tudo: General João Figueiredo.
Não digo, para que fique mais claro o que penso, que não devemos nos ocupar de descobrir todos os roubos e corrupções que se possa. Pelo contrário – aplaudo e agradeço a quem o faça. Mas digo, também, que se não pensarmos a política para além disso, e se a pensarmos em termos de honestos e desonestos, se a pensarmos com um assunto de polícia, corremos o risco de voltar a eleger a um Fernando Collor de Mello.




Nenhum comentário: