11 de mar. de 2016

Foi por amar...

Dormira pouco. O dia seguinte se casaria a uma hora absurda, haveria outras noivas e mais importantes. Com um vestido de passeio, que aproveitaria em outros proveitos. Ao fim da cerimonia convidaria uns quantos para o churrasco no quintal de casa. Quinze para a uma da tarde findava a festa. Sabia que uma moça como ela não podia aspirar a mais. Inda mais que os trinta estavam ali a dobrar a esquina. “Não sonho acordada”, se repetia. Se bem, que quase, quase. Aqueles dois palmos de véu, negro, lhe davam uma penumbra acolhedora. Nem queria pensar, mas o brilho do sacrário á sua frente iluminava um futuro impossível. Se este pequeno armário não estivesse pintado com uma fina camada de ouro, ela seria uma noiva de branco. O canto dos lábios num  fremir leve e brincalhão. Com vestido de noiva e tudo.
Festa de buffet no salão social do Bonfinense. Tudo e tudo e mais um. Tudo tão absurdo que reprimiu a vontade de rir. Talvez chorar. Tempos atrás, noivara com o filho do dono da venda. O mais velho. Fazia a inveja de todas as amigas. Não era nem um Marlon Brando, mas ela tampouco Sophia Loren. Aquele rapaz, “pouca coisa mais velho”, dizia, era a porta de saída da miséria. Desembrulhou com suavidade o papel que protegia seu parco enxoval. Ela mesma o havia bordado, quando mais jovem, quando ainda não sabia com quem compartilharia aqueles lençóis. Alguém batia à porta. Eram dois rapazes, os irmãos mais moços de seu prometido. Não aceitaram café. Nem a pinguinha que seu pai ofereceu. Tinham mais o que fazer. Disseram a ela que seu irmão mais velho não estava capacitado para o casamento. Soltaram a bomba H e se despediram, educadamente da cunhada, que jamais seria. É de se supor que os irmãos foram mais explícitos com o seu pai, que os acompanhou da soleira á porteira. Devolver o anel era feio? Mas não podia ficar com ele. Não queria. O derreteu. Ali o tinha, à sua frente, enquanto casava com um outro, a recordar-lhe que esteve a ponto de tocar com os dedos uma vida melhor, e disse: sim. Tampouco tinha outras opções. A recordo velha. Enlutada da cabeça aos pés. Silenciosa, discreta. Indo à igreja com um balde de plástico cheio de flores. Umas rosas abertas que não combinavam com aquela cara triste e pálida. Fico a perguntar a quem as oferecia.   

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