Purismo.
Nada
mais tranquilizador para um determinado tipo de brasileiro que
comprovar, ou ouvir dizer que seus inimigos políticos roubam.
É, mais uma vez, o poder que não admite debate.
Cunho
esta palavrona: Puritismo. Subst. Masc. Sing., a convicção
de que – quase – todos os problemas do Brasil atual são
produto da corrupção, em geral, e da corrupção
dos políticos em particular. Ou mais encumpridado: Puritismo
é um produto velho, uma lacra. Diante de certa prepotência
do lulismo, certo jornalismo – à valentona - se dedicou a
procurar os pontos frágeis na corrupção, que
vinha desde a destruição e venda/privatização
do Estado, para ocultar dos seus leitores e não narrar as
mudanças estruturais, decisivas que aquele processo vem
produzindo no Brasil.
A
corrupção é a conduta mais fácil de julgar, e qualquer
um pode condenar sem pensar muito, e mais precisamente, sem pensar.
Isso
é velho. Lembro dos militares, eles começaram a mudar
as estruturas sociais do país, destruindo as organizações
sociais, produzindo divida externa, quais devemos até hoje,
mas os julgam pela morte de Herzog e muitos outros. Terrível
matar jovens, jornalistas... Mas diante do estrago que fizeram ao
país, foi um mal menor. As torturas, os assassinatos,
inclusive, frente ao que fizeram, um mal menor: um espantoso,
limitado mal menor, diante do efeito do estrago geral que se estende
no tempo, que ainda perdura. Mas é muito mais fácil se
lembrar e entrar em acordo com o horror das torturas e roubos que no
estrago estrutural do país – porque entre outras coisas, os
que se beneficiaram com aquilo são, ainda, os donos de quase
tudo até esses dias que correm.
O mesmo aconteceu, mas sem a brutalidade e horror, mas com a
mesma eficácia, com a venda/entrega do Estado nos anos FHC.
A
fúria Honestista já mostrou sua cara na eleição
de Collor, o caçador de Marajás. O grande problema é
que Collor foi um monstro que se rebelou contra seu criador. Quem
votou naquela eleição, deveria – como mínimo –
estabelecer este paralelo, ligar os pontos, afinal o que mais se
ensinou na escola daqueles tempos foi ligar com pontos coisas
parecidas, ou semelhantes.
Sigamos.
Muitas campanhas políticas se baseiam nesse Puritismo, muitos
políticos aproveitam seu enraizamento popular para centrar
seus esforços, seus discursos na denuncia da corrupção
e deixar de lado definições políticas, sociais e
econômicas. O Puritismo é a tristeza mais insistente da
democracia brasileira: a ideia de que qualquer análise deve se
fundar na pergunta criminal: quem rouba? Quem não rouba?. Como
se não pudéssemos ir alem disso. E creio que não
podemos. Infelizmente.
É
terrível que os políticos eleitos para gerir o estado o
roubem, nos roubem. Estamos todos de acordo com isso. Esse é,
precisamente, o poder do discurso contra a corrupção: é
muito difícil não estar de acordo. É, sem
vontade alguma de desmerecer ninguém, um lugar comum, aonde
todos podemos nos encontrar. Ninguém defende a corrupção
e os corruptos. Não digo: está bem que afanem minha
gaita. Talvez diga: esse filho da puta que está denunciando é
um perverso que passa creme de chantilly na sua cadela. Há
quem diga que o partido precisa de dinheiro para construir o poder,
dizem, para fazer política, sem parar para pensar – eba
pensar – que ao dizer, dizem bastante sobre a ideia do que é
fazer politica.
A
corrupção existe e é daninha. Mas também
existe e faz tanto mal quanto, essa tendência generalizadora de
atribuir à corrupção todos os problemas. A
corrupção se transformou em algo útil, ela acaba
com qualquer debate.
Se
as empresas estatais foram vendidas a preço de banana a outras
estatais estrangeiras – Telefonica, por exemplo, Telecom Portugal,
por exemplo - não foi porque havia uma dívida de
bilhões que obrigou o Brasil a fazer o que queriam os
credores, mas porque um punhado de ministros de FHC gostavam de
apartamentos em Paris.
Se
há tantos pobres -e se lhes cuida tão mal e porcamente
– a causa é menos da redistribuição de renda e
o abandono das obrigações do Estado que no desvio de
certos fundos. E assim sucessivamente. A discussão política
é o tema que o show da corrupção sabe evitar.
A
Honestidade é o grau zero da atuação política,
é óbvio que deve-se exigir a qualquer político –
como a qualquer empresário, faxineira, engenheiro, jornalista,
caçador de sapo, domador de cachorro – que seja honesto.
É
óbvio que a maioria dos políticos brasileiros não
são, ou não parecem honestos, é óbvio que
é necessário conseguir que sejam. Mais isso, em
política, não serve para nada, que um político
seja honesto não define, em absoluto, sua linha de atuação.
Porra! O fato de Tiririca ser honesto nos dá a dimensão
do abandono político em que nos meteríamos se todos
fosse iguais a ele.
A
honestidade deveria ser o mínimo denominador comum MDC, a
partir do qual pergunta-se: Que fazer com as terras indígenas?
Como resolver a questão energética? O que pensa do
aborto?
Não
argumento que a corrupção não seja um problema
grave. Mas, também é grave quando todo debate político
a ela se redunda. O debate sobre o poder. Sobre o poder da mídia.
Sobre o super acumulo de riquezas. Sobre o acumulo de pobreza. Sobre
a questão ambiental. Sobre a Amazônia. Sobre os rios.
Tudo está fora do debate, em nome da corrupção.
A
honestidade pode não ser de direita ou de esquerda, mas os
honestos com certeza são.
Podemos
ser honestos de esquerda e muito honestamente de direita, é a
partir disso que devemos buscar a diferença. Quem administra
honestamente a favor dos que têm menos – dedicando
honestamente o dinheiro público aos hospitais, ás
escolas... - será mais de esquerda, ou quem administre
honestamente a favor dos que mais têm – dedicando
honestamente o dinheiro público na melhoria das autopistas, ao
redor dos shoppings centers, os bairros nobres... este será
mais à direita. Baixando imposto ao pão, esquerda.
Diminuindo impostos sobre o lucro. Direita. Tudo muito honestamente
feito. Acatar as proibições eclesiásticas será
honestamente de direita. Quem facilite o uso de anticoncepcional
honestamente de esquerda. Quem invista na educação dos
jovens para retirá-los da rua, será honestamente de
esquerda. Quem enche a rua de policiais e de armas será
honestamente de direita. Em suma, a honestidade junto com a vontade,
a capacidade e a eficácia, quando existirem, atuarão
obrigatoriamente com um programa de esquerda ou de direita.
É
isso que o Puritismo evita discutir. A ideologia que certa direita
sempre insiste em postular que não há ideologias, e que
o que importa é a eficiência e a honestidade. Essa frase
´poderia muito bem ter saído da boca da doutora Dilma.
Tamanho o disparate. Esses direitas pensam que a política é
um capricho, uma vaidade.
Uns
dizem que a corrupção mata. Sem dúvida que mata
e é terrível. Mas o que mais mata é a falta de
hospitais, a desnutrição, a falta de educação
para a saúde, a violência, e a vida de merda que levam
uma grande parte da população, e isso é mais um
problema de participação política que de
corrupção.
Há
quem diga que se os políticos não roubassem, muitas
coisas seriam melhores, saúde, educação, por
exemplo.
Pode
ser que melhorassem, marginalmente. Mas o que define a saúde
ou a educação brasileiras não é a
participação em 10%, 20% ou até 30% no dinheiro
de quem delas se ocupam. O que as define é que - graças
á ditadura militar e seus continuadores pseudo-democráticos
– os brasileiros que podiam correram para os planos de saúde
e educação particular, e os pobres ficaram com essa
educação e essa saúde publicas que os políticos
corroem – . E dessa forma, a esquerda anda muito de direita. Ou
ainda, a esquerda é absolutamente de direita. Esse é o
problema.
Se
todos os políticos fossem honestos, ainda deveríamos
decidir se queremos ou não uma educação de
primeira, de segunda, de terceira. O mesmo valendo para a saúde.
O mesmo valendo para a segurança pública. O mesmo para
o trabalho. Ainda haveríamos de decidir se queremos que um
rico tenha muitíssimas outras possibilidades de sobreviver a
um infarto que um pobre. Ou não.
Deveríamos
decidir se saber matemática é um direito de jovens
cujos pais ganham menos de dois ou três salários
mínimos. Ou não.
Todas
essas decisões deixaram a mesa de negociação
política, pela corrupção.
Muitos
políticos e muitos cidadãos evitam essa discussão
e falam da corrupção, que é mais fácil e
não quer dizer absolutamente nada. Quem é louco de ser
a favor do câncer?
Tal
Puritismo é a forma de não pensar em certas coisas, um
modo safado de calar a boca. Quando não há ideologia, a
ideia da decência e da ética parece um refúgio
possível. É curioso, não houve no Brasil
contemporâneo um governante mais decente, mais refratário
a acumular riqueza pessoal, que um senhor que viveu até há
pouco num apartamento em San Conrado e que o seguem a chamar-lhe de
volta, apesar de tudo: General João Figueiredo.
Não
digo, para que fique mais claro o que penso, que não devemos
nos ocupar de descobrir todos os roubos e corrupções
que se possa. Pelo contrário – aplaudo e agradeço a
quem o faça. Mas digo, também, que se não
pensarmos a política para além disso, e se a pensarmos
em termos de honestos e desonestos, se a pensarmos com um assunto de
polícia, corremos o risco de voltar a eleger a um Fernando
Collor de Mello.