29 de abr. de 2016

Duplo assassinato no quarto vermelho de um motel..


    Não me recordo como cheguei aqui. Sei que é um quarto de motel pelo quadro de avisos e tarifas e as instruções em caso de incêndio pendurado na porta. Seguro na mão um copo com um pouco de bourbon, o deixo cair, e assisto aturdido como os cristais se esparramam como contas de um colar. Há uma janela aberta. O vento move sem vontade as cortinas vermelhas. Detrás das cortinas aparece um japonês da PF anão, sorri para mim e começa a dançar. Estala os dedos ao ritmo de uma música que não ouço, com sua voz gutural diz algo incompreensível: - “A gente assaz sina é pedreira, né.”
    Desvio o olhar do monstrengo e me
    sinto estranhamente turvado, é quando vejo Eliane Catanhede sentada discretamente numa poltrona num canto do quarto, sorri, mostrando duas filas simétricas de dentes alvíssimos e ajusta a saia sobre os joelhos num gesto ensaiado. O anão japonês da PF segue dançando sobre o piso de tabuleiro de xadrez do quarto vermelho.
    Da janela me chegam rumores de vozes roucas e discordantes. São agentes da PF, também, porque percebo claramente um “ Temos um duplo assassinato”. Logo as vozes são abafadas pelo ruído de sirenes e barulho de passo sobre pedras britadas. Estão rodeando o edifício, ao que parece o assassino se encontra ainda no motel.
    O anão japonês da PF já não dança, está imóvel, como uma caixinha de música sem corda.. Eliane Catanhede jaz sem ânimo sobre a poltrona. Agora entendo tudo. O anão japonês da PF, ou talvez Eliane, suspeito, colocaram alguma droga no bourbon que demorou a fazer efeito. Perdi muito tempo contemplando absorto um baile que só existia na minha cabeça. Um duplo crime. Está claro quem é o assassino, porque o trinco da porta do quarto está fechado por dentro, e Eliane e o anão japonês da PF estão mortos. Esmurram a porta. -- PF! Abra imediatamente.    

27 de abr. de 2016

Uma ponte para poucos.





Se queremos nos conhecer, a nós mesmos, devemos entender nossas trajetórias. Donde viemos até adonde vamos. E especialmente saber, se vamos para onde dissemos que iríamos, ou queríamos ir. As trajetórias são mais valiosas que a acumulação de experiências e tropeções pontuais, porque as trajetórias criam hábitos. Se não a avaliarmos não pode haver consciência do próximo passo. Que pode ser um desvio de rota, para o qual não há retorno. Como país, a rota democrática, sempre a interrompemos. A ponte que propõem nada mais é que um retorno ao passado mais cruel. A rota do aniquilamento da maior parte da população. Em qualquer momento haveremos de tentar novamente, e recomeçar do zero.

só vou te contar um segredo não nada,nada de mal nos alcança pois tendo você meu brinquedo nada machuca nem cansa

só vou te contar um segredo 
não nada,nada de mal nos alcança 
pois tendo você meu brinquedo 
nada machuca nem cansa.  fulgaz, Marina. 


Normalmente, contam-me coisas que já sei, mas as vezes no meio da conversa aparece um detalhe, novo, um perdigoto, um lapso de linguagem, um sem querer, que recolho com cuidado, como se fosse um coração pulsando fora do peito, carrego-o com carinho, até o novo dono. Não se pode desperdiçar nenhum detalhe das conversas, não desperdiço, porque não se sabe se se converterá, lá à frente numa ponta de um novelo que se pode ir puxando, puxando. As vezes, e isso é o mais desesperador, me contam coisas com a condição de que não as conte a ninguém. Sim, digo que sim. Ouço em silêncio. Me emociono. E calo. Para sempre. Normalmente, isso que tenho que guardar, é aquilo que daria verossimilhança e intensidade a um relato, e tem que ver, claro, coma as coisas humanas dos que compartilham com os demais humanos. Tenho o quintal cheio de buracos, nos quais enterrei meus segredos. Está se tornando um campo minado, mas a alguem tenho que dizer o que me calo, para que não me expluda.

22 de abr. de 2016

Velório de Nézin do Corote e Mel Gibson.



No funeral do Nèzin do Corote o padre passou seu sermão, curto, falando de Mel Gibson. A câmara ardente estava cheia, muitos candidatos. Nèzin nunca teve uma relação estreita com Mel Gibson. Não teve nenhuma, na verdade. Mas o padre achou que tinha o zap, sete-copas e espadilha. O caso é que o tipo não havia começado mal o despacho: “vejam vocês, nessa vida não somos ninguém.
De um dia para outro um ser querido nos deixa, assim, inesperadamente. Repentinamente.” Ele sabia, mas não ia dizer nada, ali à frente da mãe e dos irmãos de Nèzin do Corote, sobre sua entrega a Allan, alambique; e continuou ...” bom como Nèzin que só tinha 50 anos, tampouco era uma criança...” Vendo que não podia falar muito da vida porca de Corote, decidiu falar de Mel Gibson. Desse sim, sabia muito. Deve ser por culpa do filme Paixão de Cristo.
Não creio que o padre tenha gostado ou visto o filme, mas dá no mesmo, é como se o tivesse visto. E se meteu com o cineasta como sempre fazemos, seja, direto no bolso. Esse Mel Gibson, tem mais dinheiro que estrelas no firmamento. Aquela metáfora, ou como quer que se chame esta hipérbole demente, me pareceu dum valor poético altíssimo e precioso, e um tanto acidental.

Recordei disso, não sei bem por quê, acho que foi com a história de um senhor do Adelino Simeone, um bairro da periferia de Ribeirão Preto, digamos, José, seu José, que morreu faz uns meses, numa casa cheia de lixo. José tinha síndrome de Diógenes. Tinha também uma bicicleta velha, que passeava pelas tardes. Ia de lixo em lixo, tomando os desperdícios como tesouros. Até um computador encontrou. No mundo real, José era um sujeito fodido, sem família nem trabalho, um louco de vida desgraçada e penosa. No mundo virtual, se transformava, como se transforma Clark Kent ao sair da cabine.



No Facebook, José se sentia Super-homem. Enfeitara seu perfil com fotos do rio Pardo, de poentes, e de amanheceres. Bendizia a paz, o amor, a esperança. Muitas crianças, cães e gatinhos. E tudo era curtir e amei. Não estava só. Tinha 700 amigos. Tinha mais amigos que estrelas o firmamento. Feliz. Naquele dia, que faz meses, abandonou a realidade de vez, aos 51 anos, emparedado pelo lixo, foi encontrado só, primeiro pelos urubus, depois pelos vizinhos, mera repetição, veio o Datena. E o padre, também becado, nem foi até lá, para falar mal de Mel Gibson. Acho que já virou pó, desse que se fazem estrelas, dessas que abundam no firmamento. .







Poeta e Ladrão, Nobre Deputado.

Poeta e Ladrão, nobre deputado.


Ao que me consta, ele advertiu numa entrevista: “...não creio que alguém possa viver de escrever poesias. Empresa romântica e quixotesca”. Mas ele vivia bem. O delegado Menezes o deteve no Hotel Asturias no Rio de Janeiro no verão de 1989. No momento que se aprontava para assistir à entrega do prêmio Machado de Assis de poesia, do qual dizia ao delegado ser jurado. Era o seu habitat. Concurso ao qual havia apresentado seu último livro: “Tanajuras, o vértice”. Levava consigo a arma incriminadora, a esferográfica. Não é que escrevesse tão mal que merecesse ir preso. Tinha uma certa fama, de fato. Ainda o encontramos na Amazon e no sitio Domínio Público do governo federal. Jaboti, Jaboticaba, fora publicado em 1985. O problema é que quando não fazia versos falsificava cheques. Ninguém suspeitaria desse maranhense de formas divertidas; Jusmari Negromonte poeta e romancista ganhador do premio Ribeirão das Letras de Literatura entre outros galardões e Sarnem, o Deputado, fossem a mesma pessoa que alimentava uma capivara, uma folha corrida delitiva mais extensa que seu corpus poético. Qualquer cronista da época citava uns versos de seu poema “ Pardeus, que Máscara!” , que rapidamente adquiriam um novo sentido.
Rasgue o seu disfarce,/
rasgue e pronto,/
o carnaval já terminou/
o carnaval se foi tonto” .
Dele foi retirada a máscara, e para ele a festa estava acabada; no entanto, não sofria pelos milhões de cruzados estafados, porque logo ao sair da prisão em 1996 foi preso novamente, depois de mais um golpe do colarinho branco, esse sim, deixou uns bancos cariocas com um buraco de milhão de dólares, toda uma fortuna. Se fizermos caso da crônica que assinava Julinho Chiavenato no A Cidade, o delegado que levava o caso, mostrou-se admirado. “Me deu muito trabalho, quer dizer, novamente me deu muito trabalho, senhor Sarnem. Cada vez o faz melhor e é difícil pegá-lo”. Continua Julinho, O poeta agradeceu o elogio “ Isso quer dizer que nós dois temos sido bons profissionais” .

Moral da história, Sarnem roubava porque havia, ele próprio, que editar seus livros de poemas, e acima de tudo queria ser poeta, sem ter que se importar com o preço.  

19 de abr. de 2016

Por Deus! Pardelhas!

Topou 
com o muro da incredulidade
                                ateu
Levado na manada fanática,        à toa.
Fingiu 
isenta                                                                  distância dos extremos
ator.
Engolido                                      cru,                             por deus!       atum.
Espera
a próxima, 
até.



18 de abr. de 2016

Eu, O Monstro.

Eu, o Monstro.

Estou com minha miséria existencial até o pescoço. Há coisas para as quais não estou preparado. Hoje enfrento cara a cara a mais dilacerante de todas. Uma ferida que sangra sem remédio. Não é mortal, sei, mas levarei esta cruz pelo resto de minha vida. Minha filha, minha mais e única amada filha, meu tesouro, a luz dos meus olhos, gravou-me em minhas roncaduras. E os botou para que ouvisse. Os ouvi. Os ouvi junto com toda a família. E asseguram que esse estranho ser roncador  que dorme com minha querida Joana, sou eu. Dei um ultimato a minha querida filha: borre esses roncos de seu celular, ou que suporte as consequências... adotar uma filha.