19 de mar. de 2012

Uma impressão d'O Artista. O filme.


Estava lendo o conto Mensagem na Garrafa de E. A. Poe; lá pelas tantas e totalmente submergido naquele mundo sobrenatural, o barco do narrador sossobrava depois de engolfado por uma onda gigante e espumosa, naufragava de proa. Narrador e um velho sueco estavam 'a salvos' em lugar exato, mas ignorado por mim, todavia descrito por ele; desconhecia da exatidão, por simples desconhecimento dos nomes das 'coisas' de um barco, certo é que era na popa. Eu tinha esta imagem, na verdade estava dentro dela, eu vivia a cena que se completava assim: o movimento das ondas produz cristas e abismos, pois do barco estando no abismo podíamos ver um imenso navio singrando a crista da onda, sabia antes de ler que aquele navio baixaria ao abismo e tocaria justo na proa do nosso barco que afundava começando por ela e este movimento de alavanca nos arremessaria justo ao outro navio.
Até então a narrativa era angustiante, acelerada e cheia de socavões. Deste movimento em diante ganhou uma terrível suavidade. Os tripulantes do grande navio não nos viam, sim a mim e a Poe, pois o velho sueco, como já sabia antes mesmo dos acontecimentos fantásticos, por que o narrador nos dava a saber que aquele homem não sairia daquele barco, daí que não nos acompanhou. E eu ali a vê-lo e ele não me via, nem sequer me imaginava, mas tampouco era visto por aqueles velhos, tão velhos que até as rugas se haviam gastado. De imediado me metia em A Invenção de Morel, qual o personagem tampouco é visto pelos hologramas. Então, eu discutia que fim teríamos? Ao mesmo tempo que sabia que Poe viera antes de Bioy Casares. E que Bioy Casares tratava da parte luzente da vida, das indiferenças decorrentes, fortuitas e gratuitas enquanto Poe nos leva a lado oposto por imanência fosco e inexorável. A balada final é a imagem fatal. O barco a girar num remoinho sempre rumo ao centro, ao fim. Há muito disso tudo que se transformou em cenas eternas de Hollywood.
Hollywood não brinca. Usa todos os truques da literatura. Principalmente da Literatura. Todas as figuras e imagens da Literatura da sinédoque à metalinguagem, passando pela intertextualidade.
O Artista de Hazanavicius é pura metalinguagem. Ainda que não exatamente uma produção de Hollywood é Hollywood falando de si e para tanto é também intertextual. Muito do filme talvez só faça sentido não só para mim, por que todos já o tenhamos visto desde os seus pressupostos. Para mim desde antes que Roberto Nóbile – era o operador - me mostrou a cabine de reprodução no Cine São Roque em Bonfim Paulista como a coisa se passava, e seu desespero quando exibia o mesmo filme que algum cinema de Ribeirão Preto - que começara um rolo antes sua exibição - e se angustiava com a espera da chegada do segundo rolo, que por vezes atrasou e ficamos, por isso, a ver a tela completamente branca. Falo disso por que foi naquela época que nos entupimos de um Kino mais próximo a 'O Artista' de M. Hazanavicius, e um pouco de nostalgia, claro ninguém é de ferro, e é disso que se trata N' “O Artista”. Daí que a presença do cãozinho se torna obrigatória, e é intertextual, e o é, por se tratar de presença recorrente no cinema mudo, um arquétipo. A batata da perna desconhecida e a singela tela que oculta à sua dona o galã, e ela a este, que lhe é desconhecida, mas a nós não, nunca são, pois este cinema nos permite saber mais e adiantado, e por vezes de forma exasperante, o que vai acontecer, como que nos preparando, nos cozinhando para a lágrima da qual não se pode fugir, pois começamos a dirigir as cenas e acabamos vivendo; e nossa vida amorosa é sempre de chorar. O cinema mudo nos dá esta liberdade, e criamos os diálogos, que sabemos de cor e interpretamos todo o tempo a nós mesmos e choramos às bicas, pois sabemos o que vai acontecer. E choramos de arrependimento, quando nos toca na cena ser o malvado, ou por haver sofrido a malvadeza. O final feliz também nos faz chorar, talvez mais ainda, pois é exatamente o que queríamos que acontecesse conosco, o melhor dos Happy endes, menos que se acenda a luz!

16 de mar. de 2012

Liberdade de pensamento e expressão, segundo Albert Camus.



Lucidez; Ironia; Desobediência; obstinação.

Lucidez. A lucidez supõe a resistência ao culto do ódio e da ira e o culto da fatalidade.

Estupidez. Frente à maré crescente da estupidez, se faz necessário alguma desobediência, mais ou menos isto: por menos caráter que tenhamos, não podemos aceitar ser desonestos, ou ainda, rechaçar o que nenhuma força consegue nos obrigar; numa palavra: não servir à mentira.

Ironia. A ironia é uma arma sem precedentes contra os muito poderosos, pois completa a rebeldia, não só esculachando o que é falso, como também a miúde apontando o que é certo.

Obstinação. Uma certa obstinação para não se desanimar diante de certos obstáculos a citar: a constância na tontice, bobeira, a abulia organizada e a estupidez agressiva. Camus escreveu este manifesto há 73 anos, originalmente orientado à imprensa francesa, por ocasião da possível capitulação dos franceses frente aos avanços do terceiro Reich. 























15 de mar. de 2012

Pizza de Línguiça com Pimiento, morron, amarillo!


Errei ao publicar aqui, quis postar no Bistro Rural. Mas, quinze, quinze, já que tá que fique!!
Este era o brado dos torcedores do Nho Quim, como era conhecido o XV de Piracicaba, nos tempos em que o futebol do interior importava alguma coisa.
Uma boa linguiça fina de pernil. Pimentão amarelo assado no forno a lenha e pelado. Cebola roxa assada no forno a lenha e cortada em lágrimas. Mussarela. Uns raminhos de erva doce e forno.
estes fiapinhos que se vê são de erva doce.




11 de mar. de 2012

Deixar para lá um olhar de cachorro.



Eu prefiro sangue no 'zóio' e coração peludo a olhar e ser olhado qual cão sem dono, como quem de dentro da animalidade, quer dizer, que a vida é coisa inútil, mais ainda, inglória. Ora, ora, ora! Se queremos paz. Há que se partir para o entendimento, e para tanto não posso me furtar a discussão de cada desarranjo meu ou do outro. Defender com clareza, até com fúria, se de fúria se tratar. De matreiro olhar de cachorro sem dono, já fui mordido algumas vezes, demorei a aprender, mas nunca mordi, não sem antes ensinar os dentes, rosnar ou mesmo latir. Verbos para cães e não gente nesta inversão fabular. Temo os olhos caídos, porque fazem com que abrandemos o coração, portanto direis; mas digo, não tem nada a ver com o coração, é a guarda que baixa, e não vigilantes: nhac!
No dia 'da mulher' – não me detive a discutir seu caráter contraditório, um dia especial, porque levaria a vida toda, não um dia – pois naquele dia o mundo se fez cor de rosa, alem de colorido, florido; em tudo quanto li, muitas homenagens, algumas picardias, como uma moça que comparava mulheres flores naturais com mulheres flores de plástico, mas aquilo era guerrinha interna, que sem mergulhar, bastava um escafandro, e se veria a nebulosa de veneno.
Não sou besta, loei, mecanicamente, aliás como todos, isso é um arquétipo comportamental, sei o nome da figura, mas nem sequer isso direi. Fico imaginando, se faço um texto com um mínimo de questionamento, toda essa gente afaimada sairia atrás de mim, como um exército brancaleônico, faminto e esfarrapado. Digo o mundo está lindo. A vida é bela. Irreparável. Se alguma reticencia... deixe pra lá, o tempo cuida de tudo, entretanto tome calmantes, sorria amarelo ou mesmo abaixe o olhar, murche as orelhas. Como dizia um louco de viola em punho, numa véspera de ano novo em Picinguaba: Tá ruim pá mim\ tá ruim pá ti\ vou fumar um...


9 de mar. de 2012

Urubus.



Tinha cinco anos de idade e morava em Pirassununga. A uma quadra de minha casa formou-se um ajuntamento de pessoas, porque um urubu andava tonto pelo chão, por haver trombado, segundo diziam todos, com o fio de alta-tensão. Especulava-se ainda que, devido sua maior massa, ele levava choque, coisa que não acontece aos pássaros menores. Óbvio que quem dizia isso, nem sequer tinha ideia de como ocorre o choque elétrico. Só vim a saber, numa aula de Artes e Música no colegial. Não devido à disciplina, mas pela indisciplina do Luiz. Luiz, japonês, segurando dois fios de cobre, enfiava um na tomada que havia na sala, enquanto o descuidado professor estava atento às pernas da Diva. O truque estava justamente em não introduzir ambos os fios, um em cada furo da tomada, mas tão somente um. Assim não formava o curto circuíto. Dá-se o mesmo com os pássaros que pousam nos fios de energia elétrica. A outra possibilidade é enfiar os fios em ambos os furos, mas estar isolado da terra, que é por onde se descarregaria a energia. Dessa maneira o urubu, ou qualquer outro pássaro leva choque.
Naquele momento, infantil, não estava preocupado com a história do choque; somente olhava para a imensidão do bicho, seu bico volteado e sua capacidade de se defender a bicadas, ainda que tonto, de todo aquele mundaréu de gentes que ali se juntara.
O que sei é que passei a ter sempre uma atenção especial para com os urubus. Uma admiração muito grande pelo seu voo. Sua capacidade irretocável de tomar as termas e subir. Esta é a parte bonita e que me interessa, ainda que saiba da maldade dos urubus, que o primeiro que fazem ao se depararem com sua presa, que ainda vive, por qualquer motivo imobilizada, atacam-na justo nos olhos. Numa palavra, os urubus cegam suas presas, quando vivas; só então começam a desfrutar do pasto, ainda que estejam vivas. Julgo que julguem uma falta de ética, comer a quem ainda pode vê-lo comendo-o. Li recentemente uma fábula, escrita por Ruben Alves, que não gostei. Ruben Alves chamava os urubus de seres naturalmente becados, fazendo analogia à beca de formatura, ou a indivíduos graduados. Na fábula, Ruben coloca os urubus querendo e estabelecendo cursos de canto. Penso que Ruben poderia ter escolhido qualquer outra ave. A galinha por exemplo, por indigna, mas os urubus não. Os urubus se isolaram deste mundo de grandezas, são silenciosos e tímidos e sabem que a vida só tem mesmo valor em estado putrefato. Portanto é justo o contrario do que pensamos, quando toda a grandeza se esvai é que o bicho descobre nela o grande valor nutritivo. Enquanto isso flana incansável. Seu voo é um jogo de paciência e disciplina. Ele sabe que a ordem é o aumento da entropia, a perda de informações importantes e o consequente caos e a deterioração, a plenitude é circunstancial. Coisas interessantes e embaraçosas acontecem, os aeroportos estão sempre muito próximos dos pontos de concentração de urubus. Tanto que vira e mexe há trombadas entre aviões e urubus, com perda total pare estes e parciais para aqueles. A diferença é que vamos para algum lugar desde o aeroporto, enquanto o urubu permanece a espreita dos que ficaram, é inexorável, não há fuga possível. Se se quiser traçar um paralelo, partimos como urubus e chegamos como carniça.      

8 de mar. de 2012

À Mulher.




Verdadeiro o fato e, é certo também que existe a discriminação da mulher em nossa sociedade. São alarmantes as cifras anuais de violência sexual, e a situação de assedio sexual, nem sempre devidamente atendida pelas autoridades competentes. Persiste ainda as diferenças salariais entre homens e mulheres. E há testemunhos frequentes de diferenças no trato pessoal no trabalho, que as vezes se estendem além do grau de capacitação profissional exigível na prática, assim como as condições requeridas para ascender a postos de responsabilidade.
Além do mundo do trabalho, existe e persiste a desigualdade entre homens e mulheres na distribuição das tarefas domésticas. É real o sexismo na publicidade, onde a mulher é considerada, a miúde, um objeto sexual. São igualmente verdadeiras as atitudes paternalistas de alguns homens relativamente às mulheres, seja dentro o fora do trabalho, e muitos outros signos sociais de desigualdade ou de discriminação, que por vezes são denunciados, mas ainda timidamente.
Há uma crescente preocupação com o uso da linguagem, principalmente na Europa. Há instituições que afirmam que há comportamentos verbais sexistas. Sendo que a linguagem, pode ser usada com propósitos múltiplos, entre outras coisas: ordenar, descrever, perguntar, enaltecer ou insultar; assim e desde já também pode ser usado para discriminar pessoas ou grupos sociais.

Neste contexto existem numerosas instituições mundiais advogando pelo uso de uma linguagem não sexista.
Dizem estas instituições: É necessário estender a igualdade social de homens e mulheres e conseguir uma maior visibilidade da mulher, para além do sexismo. De tudo que li as palavras que se fizeram notar é: visibilidade, invisibilidade, visível e invisível. Isto é: tornar a mulher visível numa frase ou oração em que também participe uma mulher, grosso modo: João e Maria vivem “juntos”, nesse caso o advérbio faz referência masculina: Juntos. Estas instituições pedem, de forma exagerada, neste caso que se inclua a mulher.

Entretanto não se pode negar que esta frase é sexista: Até os acontecimentos mais importantes de nossa vida, como escolher nossa esposa ou nossa carreira, estão determinados por influencias inconscientes. É introdutória de uma perspectiva bem caracterizada do androcentrismo, como se fosse uma perspectiva geral dos seres humanos. Ou ainda: nós brasileiros preferimos café a chá, como preferimos loira a morena. Não se trata do uso de artigos ou possessivos como: todos nós, os que vivemos num grande centro.... Mas sim frases tolas como esta: Elas nos fazem de bananas! Querendo parecer um alisamento do ego feminino.
É certo que o uso 'genérico' do masculino para designar os dois sexos, tem raízes profundas no sistema gramatical de nossa língua, e é, pode-se dizer, que quase impossível no caso aplicar censura.
Leia isto: uma cientista depois de fazer um discurso favorável, quase panfletário defendendo a mulher, e a necessidade de se abolir a discriminação de toda sorte, assim termina: Nós 'os' cientistas temos a obrigação de fazer com que a difusão da ciência seja acessível... Acrescenta ainda: um aspecto importante para a participação da mulher no mundo profissional é que haja facilidades para o cuidado 'dos filhos...' e agradece ao final: … 'aos amigos' e seu apoio e amizade...
Este tipo de texto está em toda parte, e produzidos por mulheres jornalistas, escritoras, artistas e muitas das vezes comprometidas com a defesa dos direitos das mulheres.
De todas as maneiras o movimento existe, principalmente na Europa, muito nas línguas românicas, português, espanhol, italiano e francês; mas sem esquecer do alemão onde 'man' é 'um que, alguém' e que ainda se relaciona diretamente com 'Mann' “homem” exemplo: Das sagt man. Que quer dizer: É o que dizem (notadamente masculino). Ou como 'on' em francês, 'hom' catalão que tem origem no latim “hominem”. Mas tudo isso é fóssil. O importante é saber usar a linguagem para expressar exatamente o que se deseja, desenvolver-se intelectualmente, defender as próprias ideias, tê-las, realizar-se pessoal e profissionalmente, em plena igualdade. Ainda que supostamente.

Refavela.



Havia até outro dia, tapume circular num dos 'coretinhos' da Pça das Bandeiras, ele era mequetrefe mal alinhavado, muito do malfeito. Pois não tardou a chegar a retroescavadeira e você, como eu, pode pensar que alguém antes desfez o malfeito! Tábua a tábua. Mas nem não sequer. À bruta, a retro, meteu seus dentes de máquina e estraçalhou, em uma dentada, sozinha, um pedaço do tapume. Eu vi. Vi os restos dos compensados estraçalhados em meio à terra, que a retroescavadeira, por andar 'de costas', não vê nada e vai quebrando e abrindo com furor a vala, descendo pela calçada da desdita praça. Neste seu refazer, nada se salva, nem um pedaço de calçamento. A construção civil, reis de geração de entulhos, públicos ou privados, persegue sua sina. Nem um isolamento caprichado. Só uma fita amarela de árvore em árvore, soltando os nós. Um refavelamento como cronologia inicial de uma engenharia. Claro que depois de tudo isso, a calçada na Visconde de Inhaúma ficará um remendado remendo. Os ladrilhos não coincidem jamais. Por isso os portugueses preferiam pedrinhas a ladrilhos regulares. Hoje é pó, tão só pó, para tudo que é lado. Deve ser uma equipe treinada em zelosas desocupações, nas desmanchações de barracos. Deve de ser!