Chega um momento da
noite, que o mercúrio parece estar pregado por pés e mãos no
capilar do termômetro, 29 nove graus, as duas da madrugada. Um gato
miava entusiasta, e era tudo, nem os motoqueiros faziam suas
costumeiras estridências.
Peguei a ler um
livro – o de sempre, lido e relido, posso parar e pegar em qualquer
página que sei de onde e aonde vai – e comecei a me sentir irmão
anônimo de uma multidão de insones, e os imaginava pelo mundo,
despertos, mas silenciosos, só isso os fazia merecedores de
agradecimentos, numa cultura consagrada a fazer barulho – manhã,
tarde e noite – com uma contumácia digna das melhores causas,
como as há, para o roubar terras aos indígenas, juntar figurinhas
da copa, tirar o medonho do corpo... notei que me invadia uma onda de
amor universal e indiscriminado.
Sei que são
momentos de debilidade, os advirto, e tenho sorte, que não são as
horas dos que batem à porta vendendo algo ou cooptando fiéis para
alguma seita, porque temo que se me pegassem com a guarda baixa, me
deixasse conduzir por um sentimentalismo solitário e inofensivo.
Por sorte chegou uma
bufada do nordeste, está certo que a nove quilômetros por hora diz
o google, tão fraco e silencioso, que como eu, inspirava meiguice,
ternura, e me fez dormir.
Neste momento, em
que escrevo, se me lembro bem, as condições são idênticas,
parece-me, e fico a me perguntar pelos avós, que resolveram se
encravar bem nos beiços do dragão , a esperar por suas mordidas
quentes e meigas, que os levaria ao céu, um a um