1 de jul. de 2016

Gregório de Matos

#vademecum

...
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus que de repente
um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!

Atribui-se a Gregório de Matos este poema. Somos instados a lê-lo e o temos lido como critica a uma situação colonial, mas não é uma critica aos fundamentos, ele se vale da convenção, dos limites preestabelecidos por uma convenção, que é a produção de sátira. É uma sátira que prevê a critica, nada de revolucionaria; critica esperada aos costumes, modos de vida e situações. O poeta que fazia sátira tinha que criticar. Como um crucifixo nos dias de hoje, não quer dizer que seu portador seja um cristão. A cultura letrada era então o manipular de convenções.
O séc 18 conhece Basílio da gama, Santa Rita Durão, Silva Alvarenga, Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto, Tomas Antônio Gonzaga, todos portugueses, manipulando convenções típicas de sua época. Não extrapolam os limites, reproduzindo a sociedade. Na inconfidência não se produziram inconfidências.
Não há ninguém à frente de seu tempo. Os gênios conseguem se expressar sintetizando coisas que o mundo oferece, o artista é talvez mais do seu tempo que todos os outros.
A logica constitutiva do império português é a diversidade em alguns eixos, populações diferentes, territórios diferentes, realidades diferentes integrando um governo à distância. O império é todo diversidade mas é português e é católico. Estruturas do império português são a monarquia e a igreja católica. Um rei e uma religião.
Por que a cultura letrada deveria seguir uma lógica discrepante? Há elementos específicos num império cheio de especificidades, são criticas esperadas, como em Cartas Chilenas. Não se critica o alto escalão, mas seus representantes, e o representante ao final é aquele que não honrou o Rei. Se o governador é ruim, mata-se o mal governo, para preservar e fortalecer a autoridade máxima. João Adolfo Hansen. Suposta brasilidade. Antônio Cândido. A formação da literatura brasileira. Sérgio Buarque as voltas com antecipação de um Brasil, via letras, parte de um mundo mais amplo. Antônio Cândido propõe que a brasilidade deve ser trocada pela formação da brasilidade, pois está em formação a literatura brasileira em formação.
Formação do Brasil contemporâneo, se forma no passado, a colonização dá feições, constituição a largo prazo.
A poesia do séc 18 é portuguesa eivada de especificidades da colônia. Vocabulário, dicção etc, onde a sociedade estamental, colonial e escravista, não elimina a matriz europeia, prolongamento de manifestação do império sem ser o império.
Assim leviano como sou, digo que criticar a democracia via partidos é criticar o chumbo ou o colt não quem puxa o gatilho, são repertórios do capitalismo. Problemas do capitalismo.

Tolstoi e a Copa

Tolstoi e a Copa.

Durante a Copa posso usar o tempo do jeito que desejo.  A leitura de clássicos me cai como uma luva, porque para encarar textos de 1500 páginas, este é um tempo ideal, tem que ser assim um pouco obcecado e gostar de superação pessoal, comparo acabar um livro desse calibre  a chegar ao topo de uma montanha, a montanha da vida. E mais, se manter ali no topo, porque com a literatura não há cabaninhas a meio do caminho, com fogueirinha e café quente, quando se chega ao topo, lá se fica... colado com clara seca de ovo... Guerra e Paz... Tolstoi... quinze capítulos... dois epílogos... um horizonte avermelhado de agosto em julho.... primeira leitura... temeroso... sem devoção.... aqui estou... diante de uma precisa metáfora essencial de mim... grandes intenções, ideias ambiciosas... e a Copa é ímã...e... sou ferro... Enquanto isso viajo na maionese, no tempo, no dia que acabei de ler, uma leitura rápida, como a volta para casa de um embriagado, que se esquece o caminho percorrido, mas não será problema de fundo ou de forma, bastará que releia, e se não bastar, outras vezes em outras línguas, e com essa obsessão, sei que uma grande obra aguenta todas  elas, suas culturas e vieses, mas se preciso for, o farei no original.... isso  será a extrema grandeza...

Mandrice

Preguiça.

Não sei se acontece o mesmo com vocês, mas frequentemente, me invade uma plácida preguiça, que me converte num homem verdadeiramente feliz. É então, que me abandono a arte de vadiar, imune frente ao pecado do não fazer nada. Então olho pela janela de um trem imaginário e me perco entre a paisagem cinética. Lá, aonde tudo passeia diante de mim, é quando tudo se esvai, e .., nada, só contemplação, nada tem a mínima importância.  A sina, o trabalho e tudo quanto escraviza estão nalgum quarto  sem luz, e sei que me vigiam pelo buraco da fechadura no que toco com a ponta dos dedos a nua liberdade. O pensamento se alenta com a sensação de que tudo é só uma das possibilidades. E lá, sem catecismos que me ameassem, porque o mundo segue sem mim. Mandriice, preguiça, bendita palavra. Mas mandriice é ainda mais bendita, se dita com preguiça, lentamente, litania a sair como um sopro amoroso dos lábios,  saborosamente. Creio, que se a preguiça me ocupasse por mais tempo, economizaria muitas aspirinas.

30 de jun. de 2016

Quase inventei um reciclador de opiniões!

Quase inventei um reciclador de opiniões!


Andava a pensar, esta tarde, que o nosso problema são as velhas opiniões que lançamos por onde passamos. Há opiniões tipo k7, carro-de-boi, vela, preto é inferior, ser gay é uma viadajem, calça boca de sino, mulher gosta de apanhar, sutiã, tirar demônio do corpo, a terra é o centro do sistema solar... por ai vão emporcalhando os rincões mais recônditos do pensamento humano.
Pensei em inventar uma máquina para reciclar estas velhas opiniões (formadas sobre tudo) , dar uma lustrada, uma pintada, fazer uma patina e quem sabe vender como relíquia. Afinal, antigamente, uma bela coleção Barsa, na estante da sala dava um ar de ilustração, mesmo lá pras bandas de Fernandópolis. Quem sabe essa gente não esteja a precisar de umas opiniões restauradas como se tivessem sido o primeiro dono? Daria pra ganhar algum dinheiro. No entanto, logo conclui que seria de mal gosto, alguém luzindo a opinião de outro, opinião é como cueca, calcinha, não dá pra usar a de outra pessoa. Mudei de ideia, melhor dito, encontrei outra solução.
No princípio pensei em usar umas engrenagens platônicas que tenho, um motor aristotélico do tipo silogistico que deve estar em algum lugar, se minha mulher não jogou no lixo, com um catalizador hegeliano, um sistema de direção marxista e acessórios kierkegaardianos para transformar opiniões em verdades. Já pensou? Me perguntei, e sorri sozinho com esse pardalismo. No entanto, fui pensando mais, mais pensei,que afinal, se acabássemos com as opiniões, acabaríamos com tudo que é humano. Não haveria mais discussão de natal. Discussão de relação. De futebol. De política. De nada. Então, desisti dessa máquina de transformação. Afinal iria transformar todos em máquinas, sem opiniões, só verdades, e não é esse o meu interesse maior. Porque gosto de me aferrar às minhas opiniões, meus símbolos e crenças.



Colchões sob Medida. Conto.

Colchões sob medida.
Enquanto matava o tempo até chegar a hora da consulta na dermatologista, que de quando em quando visitava, duas a três vez ao ano, por vezes lhe fazia um peeling e tirava pequenas marcas do rosto, passeava pelo calçadão. Se sentia bem não fazendo nada, observar pessoas, ser observada, com reserva se dizia, ela própria naquele vai-e-vem de gentes, seus rostos, todos carregamos nossos fardos, pensava. Os mirava relaxadamente, agora era tudo o que tinha por fazer, à tarde tudo exigira mais pressa, mais seriedade, beleza sobretudo. Na empresa haverá a apresentação de um novo produto. Por isso aproveitou para cuidar da aparência. Entre um pensamento e outro, se fixou na grande vitrine de uma loja de colchões, que tem à sua frente. “Colchões sob medida”, pronto, acabou o sossego. O colchão do Guilherme está pequeno para ele, talvez fosse hora de um novo. Ela entra decidida na loja, da qual só sabe o nome, “Colchões sob Medida” e ela precisa de um. Um jovem lhe pergunta que medida gostaria; ela diz que um de um metro e noventa.
A loja está em reforma, tudo bastante desordenado, por culpa da reforma, parece. O atendente pede que ela espere uns minutinhos, antes de conduzi-la a um grande escritório, sem rastro de colchões. “O gerente lhe atenderá, em seguida”.
Ela acha estranho, e quer esclarecer, só precisa de um colchão, não se trata de compra no atacado, só um colchão de solteiro, para uso particular. O atendente lhe deixa um sorriso de cumplicidade, como quem diz: estou a par.
Os minutos passam e a situação lhe parece mais surreal, decide ir embora. Vai em direção à porta, e justo agora entra um jovem, sorridente, atrativo, bem vestido, e se apresenta como Carlos. Muito mais alto que ela, e porque não dizer, ela o olhou fixamente, olho no olho. Com um gesto elegante, a pegou pelo antebraço e a conduziu a uma sala contigua; ela acreditava ser o depósito, o armazém. A sala, muito bem decorada, ali sim, havia um grande colchão de casal, coberto com uma colcha de Ibitinga, bem bordada, tudo para os clientes terem uma noção concreta de como ficaria em sua casa, se diz. Em todo lugar é a mesma coisa, mas ali não, têm muito bom gosto; meia-luz, livros espalhados; todos sabem ninguém lê, mas gostam de ver livros espalhados, um senão, talvez, um excesso de cenografia. Enquanto ela dava conta de tudo, o jovem trancava a porta atrás deles; tirou o paletó, tem aquecedor, disse, enquanto a ajudava a tirar o casaco que levava sobre o vestido, sempre que a temperatura baixe de vinte graus, que dizem, lhe caia bem.
Fique à vontade, ele disse, num tom nada comercial. Ela não entende a mudança de atitude dele, lhe parece tomar umas liberdades não cabidas a um vendedor de colchão, de solteiro, creio que ficou claro, um colchão de solteiro para meu filho Guilherme, lhe repete enquanto ele estende uma taça de champanhe e a leva para sentar na cama. Ela dá-lhe um chega para lá, isso já é demais, a coisa toda é muito ridícula. Ele, supostamente, está acostumado à situações como esta, e não se imuta e sugere, amavelmente, insinua, sutilmente, que talvez, ela prefira ir a um outro lugar, um motel, discreto, é isso?
Sua cabeça gira no meio de um grande caos. Estava cega? Que merdas fiz para estar no meio desse redemoinho? Me deixei seduzir? Ofendida e cheia de raiva deu-lhe um empurrão e o atira de costas sobre a cama, freia os primeiros impulso, porque de subto teve medo. A situação é tão absurda que se vê encurralada; é conveniente quebrar os cercos o mais rápido possível. Com a serenidade ausente, recupera a calma e o casaco. Ele a olha sarcasticamente. Ela não quer fingir, e com sensibilidade, quase cordial, confessa que não quer parecer boba, tenho a certeza que se equivocou, um mal-entendido, apesar do bom começo, ratifica, que não é o que ele pensa, talvez se havia precipitado. Realmente, entrei aqui para comprar um colchão de solteiro para meu Guilherme, que nos últimos meses deu uma espichada considerável e os seus pés ficam fora da cama. Entrei atraída pelo nome, sobretudo, porque me chamou a atenção, sem malícia, sem ver nele um duplo sentido, havia? Desculpe o transtorno. Ela fugiu sem esperar resposta. Aturdida e atabalhoadamente, ainda foi à consulta, na sala de espera tomou água a goles pequenos, saboreando como se fosse um elixir, tombada sobre a maca do consultório, adormeceu, agora respira ofegante como se estivesse numa relação sexual. E se não tivesse fugido? A dermatologista a desperta com gritos e pequenos beliscões.


Domingo

Domingo.
Sentado ali na minha poltrona, com Ão ronronando conivente, explode no que em mim pensa, a frase do livro; "Se procura a verdade,prepare-se para o inesperado, porque é difícil de se encontrar, e quando se a encontra, sói ser desconcertante". Mais uma vez Heráclito me surpreende, memorizei algumas frases, num tempo que as lia com afinco; sempre tentando encontrar o que nelas se ocultava. Bem acomodado naquela poltrona domingueira, deixo andar as folhas suavemente sem as ler,  diante da lógica que nenhum homem pode nadar no mesmo rio, porque nem rio nem homem serão os mesmo na segunda vez que coincidam. Creio sempre no mesmo rio? Sou ou não sou sempre o mesmo? Onde reside a verdade? Quero, de fato, encontrar a verdade. Que é a verdade e quem a possui?  Os domingos podem residir nisso. Abandono o relógio que me controla noutros dias e me entrego à virtude de vagabundear, não fazer outra coisa que coçar placidamente sem me fixar em nada,  enquanto o urubu voa lento, sem destino, como uma gota de suor escorre desde o sovaco. Bem sentado nessa poltrona, bebendo uns goles de heineken, sem TV, ou qualquer outra voz a me informar que o mundo está prestes a explodir e ninguém sabe remediar. O domingo é meu espaço para a ignorância, alienado do mundo, longe do populismo barato, dos rançosos, dos oxidados, dos vomitivos, fechar os olhos e o silêncio... Que vida sem interesse é essa? Não sei. Sei que a vida que vivo ali sentado na minha poltrona é o universo que quero me perder.

29 de jun. de 2016

Sorte.

Nos primeiros tempos, se levantava, fazia a barba, se duchava, se vestia alinhadamente, pegava a pastinha com seus currículos, enfrentava filas, despachava currículos pelo correio. Voltava para casa. Esperava um toque do telefone. Um e-mail. Um torpedo. Sentava-se no sofá e via televisão. Então começou alternar, dia sim, dia não ia distribuir currículos. Voltava para casa e via televisão. Já não ia distribuir currículos. Foi perdendo a vontade de comer. Foi perdendo a vontade de se barbear. Ficava em casa. Vestido com seu moletom. Sentava no sofá. Esquecia de ligar a televisão. Esquecia de comer. Um dia bateu a sorte à sua porta. O encontrou morto.