Na realidade, a
primeira máquina que tive relações foi uma bicicleta. Alguém da
família me a presenteou, era costume. Dei um nome à bicicleta,
desde o primeiro momento, a magrela, por antonomásia e o nome
persistiu. Assim aprendi a andar de bicicleta, mas não creio que
tenha depositado nisso grande entusiasmo. Cheguei, as duras penas, a
um ciclista pequeno. Não soube fazer qualquer filigrana nas rodas e
manoplas, coisa quer era, lá por 1972, um sintoma de
inteligência. No mais, a magrela tinha seus muitos inconvenientes.
Não que tivesse partido a cabeça, ou gastado o nariz no asfalto,
ou invadido o bar do Cipó, coisa que era, então, bastante comum.
Não, andando de bicicleta jamais estiquei mais o braço que a
manga, mas tudo somado me pareceu desagradável. A corrente sempre
saia do pinhão ou da coroa, e se fosse numa subida, dava com os
genitais no selim, depois com toda aquela dor, ainda havia de
lambrecar a mão de graxa para voltar a corrente ao seu lugar, logo
o pneu furava, lá longe, bem depois da Canta Galo, e com uma
frequência escandalosa. E o freio? O freio, ou freava em demasia ou
de menos e tocava tentar fazer a curva da casa do Belarmino a
trocentos por hora, quando conseguia, porque se não, entortava
tudo, raios, aro e a cara. Se não bastasse, descobri uma coisa que
matou minhas ilusões: subir subidas em bicicleta era muito
cansativo, além de não ser mais rápido que se fosse a pé. E como
em Bonfim para se ir a qualquer lugar, se há de subir sempre uma
subida, pareceu-me que a bicicleta não fazia nada por mim. Foi
assim que a deixei.
9 de abr. de 2015
29 de mar. de 2015
Corrupção criativa, Fotografia.
Estamos
carecas de saber da corrupção que endêmica e institucionalizada
permeia nossa sociedade. Construtora que cria projeto, paga propina a
legislador e executivo para construir. Assim de fácil.
Qin
Yuhai, chinês de seus 50 anos, filiado
ao partido comunista chinês, e converteu-se numa das principais
personagens políticas da província de Henan. À sua vocação
politica unia o interesse pela criatividade, por meio da fotografia,
até o ponto que algumas fotos suas estão nos paineis do metrô de
Pequim, pessoa de destaque na Associação de Fotógrafos da China.
Suas exposições, em especial, uma em Londres, tinham, ou têm?,
crescente valorização. Quem quiser pode ir ao Google e completar a
pesquisa.
O
caso é que este ano, Qin Yuhai foi exonerado por uma comissão que
luta contra a corrupção. A acusação genérica era a que
Qin dedicava um tempo
excessivo à sua arte, a fotografia, e pouca atenção às suas
funções oficiais. Pombas! Podiam dar uns croques nele e o
reconduzir ao cargo, mas não, o assunto era mais complexo, Yuhai
aceitava subornos, como dizer?
Fotográficos. Quer
dizer, concedia privilégios em troca de materiais e outros detalhes
relacionados. Por exemplo, uma empresa que conseguiu um contrato para
promover o turismo na montanha Yuntai, o presenteou com 25 máquinas
fotográficas no valor de 179.000 dólares, depois a mesma empresa
lhe comprou um álbum com fotos suas por 270.000 dólares. Uma outra
empresa gastou 1.000.000 de dólares promovendo a sua obra na China e
no estrangeiro… e por ai vai.
O
caso é que por aqui sempre apareceria um advogado, e, com certeza,
chamaria
a isso de mecenato. E esse mecenato, pouco forçado, é claro,
contribuiu para que a obra de Qin, um artista genial.
Ebb
and Flow, em Londres. Aqui entrevistas e fotos de Qin Yuhai.
Penteando Macaco
Penteando macaco.
O Estado, a
Iniciativa privada e as Universidades contam com organismos que
realizam pesquisas, estudos de opinião, com custos estratosféricos,
para nos comunicar quais são as nossas preocupações. Será que é
necessário?
Sei perfeitamente o que e o quê de minhas preocupações. Asseguram,
estes custosos estudos e pesquisas, que nos preocupa e muito a
corrupção, e também a
educação, a
caristia, o dollar, o
pib… Devem servir, creio, para nos explicar. Isso, nos explicam.
Isso, mesmo, nos explicam a nós mesmos o quê de nós. Nosso
comportamento contraditório e suas razões ocultas, i.e., as razões
ocultas do nosso comportamento contraditório nas eleições, por
exemplo. Mas me pergunto, sempre consternado, qual a utilidade deles,
os estudos, as pesquisas. Principalmente se sabendo que a maioria dos
cidadãos dão, a estas pesquisas, respostas falsas, com a solenidade
de uma continência militar. Senhor! Sim Senhor! Enquanto os
calcanhares batem. Se pergunto a um corrupto se lhe preocupa a
corrupção, ele responderá que sim. Qual das duas razões devem
se encaixar nas suas preocupações?
Que não o descubram ou
uma
segunda, que os corruptos são os outros. Se
pergunto a um casal, se lhes preocupa a educação, sim, sim, sim,
sem educação um país .. e blá, blá e blague. E a maioria
absoluta e em primeiro turno vota num partido que está a vinte anos
à frente do Estado, com fortes indícios de corrupção, de péssimo
sistema educacional.
20 de mar. de 2015
Duplamente Ateu
Duplamente Ateu.
Sou individualista,
arre, se sou. Mas não me basta o meu umbigo. Ou faremos um
planejamento global para os 8 bilhões de pessoas de 2020, que
incluem poucos ou muitos vizinhos, nossos bairros, cidades ou vamos
logo lamber sabão. Moisés recebeu no monte Sinai dez mandamentos.
No entanto, faz uns anos, por volta de 1995, surgiram outros, a
substituí-los. Não sou quem os pensava, mas não os categorizei.
Quem fez isso foi Ricardo Petrella, em O Bem Comum…
São seis. Um, a
Mundialização: Há que se adaptar à globalização de capitais,
mercados e empresas. Não sei escrever como na Bíblia, aquele troço
de Haverás…. Dois: A Inovação. Há que se inovar, com a
finalidade de reduzir despesas. Três: A Liberalização. Abertura de
todos os mercados. Quarto: Desregulamentação: dará o poder ao
mercado, dando lugar a um Estado Notário. Quinto: A Privatização
eliminará qualquer forma de propriedade pública e de serviços
públicos. Sexto: A Competitividade: há de ser o mais forte se quer
sobreviver à competição mundial.
Fica-me a dúvida:
mandamentos ou maldições?
Vendo o escracho da coisa, meu otimismo frente a isso minguou. Nada
para desesperos. Se no velho mundo dos 10 mandamentos, era agnóstico,
agora sou ateu de vez, e beligerante ante este novo reino da economia
de mercado, aonde acontece o quê acontece. Não quero alvitrar um
futuro mais moderno, mais tecnológico, para quê?
7 de mar. de 2015
dA Hipocrisia, dO Farisaísmo, dO Fingimento
Uma
das ameaças mais elaboradas e repetidas pelo Estado Islâmico diz
textualmente: “Tomaremos Roma, quebraremos suas cruzes e
escravizaremos suas mulheres com a permissão de Alá”. Não deve
passar batido que conquistar Roma, dito pelo autodenominado califa
Abu Bakr-al-Baghdadi, queira dizer a vitória final contra os
infiéis, e tal como vão as coisas da guerra contra o EI, não me
estranharia porcaria nenhuma, que a profecia se faça realidade ao
longo deste século. Os analistas deste fenômeno nos avisam que os
jihadistas não estão interessados em petróleo ou diamantes, senão
as almas dos homens.
É
fenomenal e seus detratores tentam resolver os problemas à base de
silogismos éticos e axiomas sociopolíticos. Enquanto milhares de
jovens pelo mundo se alistaram aos exércitos do EI para lutar na
Síria e no Iraque e praticar as selvagerias horrorosas que temos
visto. Fico com umas perguntas: O quê estes recrutas receberam do
Estado Democrático de Direito e de Bem Estar Social? O quê
aprenderam no nosso sistema escolar? O quê assimilaram dos direitos
e liberdades? Quem lhes facilitou ou impediu a integração? Por que
não encontraram no mundo ocidental os modelos de convivência, onde
foram criados e educados? Nenhum tipo de ideal, de fé, de
horizonte, de possibilidade de levar a termo algum projeto de vida?
Que modelo pode ser a nossa sociedade, se recheada de corrupção,
de dupla moral, incapazes de frear o abismo aberrante que se agiganta
entre os ricos e os pobres, incapazes que somos de pôr fim a essa
tortura , a essa violação, a essa ignomínia contra os mais fracos?
Querem exemplos?
A
Hipocrisia, o farisaísmo, o fingimento são termos inventados,
praticamente, no nosso mundo ocidental, aonde mais se pratica, e mais
tradição se criou, e mais adeptos teve e tem. Tanto que mais ou
menos se tornaram virtudes., e na maioria dos casos, estratégia, um
mal menor, para evitar o mal maior. Os jihadistas não se inspiram
unicamente nas suras do Alcorão, pois há um catálogo em papel
couché e com imagens de exemplos na nossa história, remota e
recente. Façam as contas.
6 de mar. de 2015
Senha
Não sei quem não
está, mas sempre estou precisando de dinheiro. Fui onde o dinheiro
está. No banco. Aliás, na Caixa, no novo Shopping, que é onde
minha conta estava. Não está mais. Na minha frente uma grávida. Há
uma mocinha que faz uma triagem: Que deseja fazer?
Não ouvi o resto, ela tomou da senha e passou pela porta giratória.
Fui logo atrás. Senha C 567. Nos separamos. Sim “sem marcação”
. Nestes tempos, notei que a Caixa tem todos os tons de Grey. Do azul
ao branco, olho meu RG, já descolorido ele também, pelo passar do
tempo. A fila foi trocada pela dança das cadeiras. A moça grávida
foi para as cadeiras da esquerda, estou nas cadeiras da direita.
Ninguém marcou hora. Tanto faz. Tudo conflui no mesmo tíquete, uma
letra e um número. Há muitas cadeiras, mas não estranhe não
encontrar vaga. Não dá para ler, ou curtir um facebook, não se
pode distrair-se. A tela de TV vai passando os números. Não é uma
sequência simples, numérica, diria que é alfanumérica, o que não
permite calcular o tempo de espera em função da distância da cifra
luminosa e a do teu papel. Aqui o 51 pode vir antes do 11, segundo a
letra que tem à
frente. E todos pendentes daquela tela triste. Hipnotizados. Há
um casal com um carrinho de bebê. Sempre há carrinhos de bebê.
Uma moça que dá de mamar ao rebento, aproveitando o tempo morto. Um
garotinho corre pelo salão, fazendo vento, cansado daquele silêncio
tenso e insano. O bebê do carrinho de bebê dorme
placidamente. A mãe chora. Discretamente, mas chora. Usa um lenço,
que uma vez vi usar minha psicanalista, um triângulo às costas, que
serve de dique colorido para frear as lágrimas furtivas. Penso em
dar-lhe meu lenço, mas temo que não gostaria que haver sido
descoberta. Chega o seu número e sua letra é um tipo de céu, do
jogo de amarelinha, e se vão para um outro número. Desaparecem do
meu campo de visão, espero que tenham outras cadeiras. Torço.
Melhor. Fez me muito mal vê-la naquele estado de desesperança. Um
cumprimento inesperado, um artista plástico da cidade, premiado,
publicado. Sem perder de vista a tela da TV, falamos e rimos,
sobretudo rimos. Passamos um tempo no século XIX. Não descartamos
escrever a respeito. Chega a minha vez, vai lá diz ele, nisto a
moça grávida, Renata, interpõe-se! Diz
que foi num lugar que lhe disseram lá não era, e que era aqui e que
não precisaria enfrentar outra fila. Sra.?
Renata! Pode ir antes de mim! Recebi minha senha de volta, voltamos a
papear. Logo ela também se foi. O amigo me disse: Espere no café,
vamos tomar um café! Sim ?
Não, meu caro, creio que há um excesso de fluorescentes, e sempre
que saio destes lugares irreais, o mundo me parece mais amável e
luminoso. Tecnicamente é um banco dentro de um shopping. Mas para
mim é uma granja.
24 de fev. de 2015
Coisa Nossa
Coisa Nossa.
Paulie Gatto escolhe
dois homens a soldo da família Corleone e os dá instruções
precisas: Nada de golpe na cabeça – na cara sim – para evitar a
morte das vítimas. Mas no que diz respeito à boca do estômago,
têm liberdade de ação. Outra coisa: Se os castigados saírem do
hospital antes de um mês, perdem os favores da organização.
Gatto é capodecime,
tem dez homens, como os antigos decuriões romanos e recebeu o
mandato diretamente de Clemenza, um dos caporegimes comissionados
cuperiores, o qual ao seu turno, está atado ao comando do
consiglieri, no caso Tom Hagen. O conselheiro é o único de toda a
organização a que Don dá ordens. Este é o esquema, a estrutura do
clã mafioso, presidido por Vito Corleone, The Godfather de Mario
Puzo. Uma grande família onde os laços de sangue se misturam aos de
amizade formando uma pirâmide de fidelidade garantida pelo proveito
pecuniário, o interesse comum e a necessidade de segredo. Tudo se
sustenta por vínculos de lealdade e medo. A lealdade vem do sangue e
o afeto, por isso todos os clãs praticam o nepotismo e os lugares
principais da organização são da família, irmãos, filhos,
cunhados e genros do capo. E onde não há este vínculo, existe o
medo: a traição se paga com a morte e com o extermínio da família
desleal. Para garantir, afinal, existe a omertá. Lei do silêncio.
Se um ''soldado'' da organização, que é quem comete os
assassinatos ou as ilegalidades, ao ser detido pela polícia,
permanecer calado, sua família será protegida, sua mulher
continuará a receber o soldo, e ele, ao sair da prisão, será
recebido com todos os louvores e honrarias.
O Poderoso Chefão,
o padrinho, o Don, o chefe da organização, jamais será preso.
Entre ele e os executores de suas ordens há muitos elos, se um
falha, elimina-se. O Don, da mesma forma que os imperadores romanos,
só caem por uma conspiração interna ou por traição ou denúncia
do seu consigliere, a sua pessoa de confiança, a sua mão direita.
Só neste caso, o Don poderá dizer como Júlio César diante dos que
o apunhalavam nas escadarias do senado romano: “Até tu Brutus, meu
filho?”
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