Não sei quem não
está, mas sempre estou precisando de dinheiro. Fui onde o dinheiro
está. No banco. Aliás, na Caixa, no novo Shopping, que é onde
minha conta estava. Não está mais. Na minha frente uma grávida. Há
uma mocinha que faz uma triagem: Que deseja fazer?
Não ouvi o resto, ela tomou da senha e passou pela porta giratória.
Fui logo atrás. Senha C 567. Nos separamos. Sim “sem marcação”
. Nestes tempos, notei que a Caixa tem todos os tons de Grey. Do azul
ao branco, olho meu RG, já descolorido ele também, pelo passar do
tempo. A fila foi trocada pela dança das cadeiras. A moça grávida
foi para as cadeiras da esquerda, estou nas cadeiras da direita.
Ninguém marcou hora. Tanto faz. Tudo conflui no mesmo tíquete, uma
letra e um número. Há muitas cadeiras, mas não estranhe não
encontrar vaga. Não dá para ler, ou curtir um facebook, não se
pode distrair-se. A tela de TV vai passando os números. Não é uma
sequência simples, numérica, diria que é alfanumérica, o que não
permite calcular o tempo de espera em função da distância da cifra
luminosa e a do teu papel. Aqui o 51 pode vir antes do 11, segundo a
letra que tem à
frente. E todos pendentes daquela tela triste. Hipnotizados. Há
um casal com um carrinho de bebê. Sempre há carrinhos de bebê.
Uma moça que dá de mamar ao rebento, aproveitando o tempo morto. Um
garotinho corre pelo salão, fazendo vento, cansado daquele silêncio
tenso e insano. O bebê do carrinho de bebê dorme
placidamente. A mãe chora. Discretamente, mas chora. Usa um lenço,
que uma vez vi usar minha psicanalista, um triângulo às costas, que
serve de dique colorido para frear as lágrimas furtivas. Penso em
dar-lhe meu lenço, mas temo que não gostaria que haver sido
descoberta. Chega o seu número e sua letra é um tipo de céu, do
jogo de amarelinha, e se vão para um outro número. Desaparecem do
meu campo de visão, espero que tenham outras cadeiras. Torço.
Melhor. Fez me muito mal vê-la naquele estado de desesperança. Um
cumprimento inesperado, um artista plástico da cidade, premiado,
publicado. Sem perder de vista a tela da TV, falamos e rimos,
sobretudo rimos. Passamos um tempo no século XIX. Não descartamos
escrever a respeito. Chega a minha vez, vai lá diz ele, nisto a
moça grávida, Renata, interpõe-se! Diz
que foi num lugar que lhe disseram lá não era, e que era aqui e que
não precisaria enfrentar outra fila. Sra.?
Renata! Pode ir antes de mim! Recebi minha senha de volta, voltamos a
papear. Logo ela também se foi. O amigo me disse: Espere no café,
vamos tomar um café! Sim ?
Não, meu caro, creio que há um excesso de fluorescentes, e sempre
que saio destes lugares irreais, o mundo me parece mais amável e
luminoso. Tecnicamente é um banco dentro de um shopping. Mas para
mim é uma granja.
6 de mar. de 2015
24 de fev. de 2015
Coisa Nossa
Coisa Nossa.
Paulie Gatto escolhe
dois homens a soldo da família Corleone e os dá instruções
precisas: Nada de golpe na cabeça – na cara sim – para evitar a
morte das vítimas. Mas no que diz respeito à boca do estômago,
têm liberdade de ação. Outra coisa: Se os castigados saírem do
hospital antes de um mês, perdem os favores da organização.
Gatto é capodecime,
tem dez homens, como os antigos decuriões romanos e recebeu o
mandato diretamente de Clemenza, um dos caporegimes comissionados
cuperiores, o qual ao seu turno, está atado ao comando do
consiglieri, no caso Tom Hagen. O conselheiro é o único de toda a
organização a que Don dá ordens. Este é o esquema, a estrutura do
clã mafioso, presidido por Vito Corleone, The Godfather de Mario
Puzo. Uma grande família onde os laços de sangue se misturam aos de
amizade formando uma pirâmide de fidelidade garantida pelo proveito
pecuniário, o interesse comum e a necessidade de segredo. Tudo se
sustenta por vínculos de lealdade e medo. A lealdade vem do sangue e
o afeto, por isso todos os clãs praticam o nepotismo e os lugares
principais da organização são da família, irmãos, filhos,
cunhados e genros do capo. E onde não há este vínculo, existe o
medo: a traição se paga com a morte e com o extermínio da família
desleal. Para garantir, afinal, existe a omertá. Lei do silêncio.
Se um ''soldado'' da organização, que é quem comete os
assassinatos ou as ilegalidades, ao ser detido pela polícia,
permanecer calado, sua família será protegida, sua mulher
continuará a receber o soldo, e ele, ao sair da prisão, será
recebido com todos os louvores e honrarias.
O Poderoso Chefão,
o padrinho, o Don, o chefe da organização, jamais será preso.
Entre ele e os executores de suas ordens há muitos elos, se um
falha, elimina-se. O Don, da mesma forma que os imperadores romanos,
só caem por uma conspiração interna ou por traição ou denúncia
do seu consigliere, a sua pessoa de confiança, a sua mão direita.
Só neste caso, o Don poderá dizer como Júlio César diante dos que
o apunhalavam nas escadarias do senado romano: “Até tu Brutus, meu
filho?”
15 de fev. de 2015
Oitavo dia.
Oitavo dia.
Ele foi para um bar
na rodoviária, que era o único que não fechava, e por vezes o sol
saia no meio das trevas, fez-se o pequeno ajuste. O esforço fora
imenso, dar vida à Terra, ao rio, ao mar, os pássaros... Necessito
mais anarquia paisagística, pensou, mais sombras... deve ser uma
questão de origens... girava no tamborete e a visão do mundo... a
falta de humor em diferentes cores, a insistência do chinês em sua
tese repetida com apresentações diferentes a cada dose de
cachaça... tudo é excessivo, mas é mesmo um grande engenho, com o
qual poderia recriar seu próprio espírito, mais agudo, tirar peso
das preocupações. Cheguei ao extremo, mas não fiz falar as
árvores, nem os animais conversassem com pessoas, ou que rissem, nem
fiz que os pássaros falassem, para que não brigassem em pleno
voo... Ah! Está bom assim!
Plagio.
Plagio.
Os escritores de
hoje querem ser originais, e todo mundo sabe que a originalidade é
materialmente impossível. Há nesta obsessão, nesta ideia fixa, um
ponto de hipocrisia que o atual sistema econômico deu a nossa vida
social. Jamais o plágio foi considerado coisa criticável. Hoje é.
Porque o escritor que o faz é considerado pelos companheiros como um
homem que quebra as leis da cavalaria comercial. Cervantes foi o
maior, plagiou todos os romances de cavalaria de sua época, sem
contar o ''estilo''. Mas o argumento é inútil, já que se
compreende que a única sina de um escritor é plagiar, e se
demonstra com isso se tiver sobre o seu ofício umas ideias tão claras e
seguras, que por força vencerá sempre os seus suscetíveis
companheiros. Os antigos não faziam outra coisa senão plagiar-se
mutuamente e sem trégua. E se o faziam, por que não podemos fazer?
Não pode haver, me parece, algo mais agradável para um escritor
sentir-se plagiado. No entanto, hoje, e em todos os ramos artísticos
dominam ideias contrárias, e quem dá o tom são os ''coxinhas'',
classe médias,
analfabetos que sabem ler e escrever.
Essa
é a degeneração geral a que chegamos, sem
paradeiro, para constar e demonstrar a insanidade da literatura
atual, não se encontra em lugar algum, algum troço digno de ser
plagiado.
Eu
procuro este troço faz tempo e por todos os rincões, e não
encontro nada. Tudo é monotonia e dum tédio pantanoso, e eu,
particularmente, nasci com pouca força para empreender um plágio de
uma obra antiga, de um clássico. Sou obrigado, como os outros, a ser
um terrível e desenfreado original. É não resta dúvida,
lamentável e revoltante...
13 de fev. de 2015
Famíliona
Familionã.
Casarei
comigo Eu
Como
filhos da mãe a mesma
Incesto,
canhestro, a esmo
Economizaremos
roupas e anéis
Chantilis
e morangos
Gastaremos
palavras palmas bem molhadas
Vinhos,
cervejas, cachaças, cuspe e um bombom de rum
Camisas
da Vénus! A incerta? Nunca!
Nem
as dos dias seguintes
Nos
livraremos de deputados e das putadas
Do
congresso, da súmula,
Quê
simula o STF?
O
tabelião não verá um
tostão
O gato fica pra mim,
se você morrer.
Já se eu morrer,
O gato fica sozinho.
Não
tripudiaremos sobre cadáveres
A
menos que deem vida a
esses girinos,
Sa
meleca
Que
sem testemunha e
Se
lavo bem a unha
E
troco de cueca!
Plim! Plim!
Sortudos
que somos,
tudo
se demonstrou
que
tudo, amanhã, será
bem
demonstrado.
Nem molina nem
peritos.
Não
farão laboratórios,
papagaiada de periquitos
com
ou sem repertórios
nem falatórios de sabujas.
Porca, gritaremos
chulas palavras sujas
para
limpar esses nojentos
estes
sábios fedorentos.
Sorte
a nossa, se demostrou
que
amanhã tudo será
demonstrado.
Estamos
fartos de sabedorias
que
no fundo, basbaquices
nos
fazem crer teorias
nada
senão manias
e
disfarçam suas cagadas
pondo a culpa na manada
com
plin plim de fadas
mas
sorte nossa sorte
é
que tudo se demonstrou
que
amanhã se mais tardar
será
bem demonstrado.
Cão e Gato
Há
muito tempo, em casa havia uma gata que, que me recordo, deu cria uma
vez numa dispensa nos fundos da casa, que naquele momento era
fundamentalmente o lugar dos rejeitados. A gata, antes e depois,
fazia a sua vida poucas vezes molestada por parte da família,
exceção de minha irmã e, sobretudo, minha. Ia e vinha, passeava
pelo telhado de casa e das casas vizinhas, mas não era amante
da rua, que visitava em poucas ocasiões, certamente quando a
liturgia da sua religião ancestral, que ignorava, lhe exigia. Me
recordo de muitos episódios da vida da gata, que se misturam com os
meus, mas sou incapaz de relembrar o seu traspasso.
Mais
tarte tivemos um cachorro. Também não me lembro que fim levou. Mas
com certeza um cachorro sem dono, me traz uma enorme tristeza. Assim
sem saber o fim deles, somente o cachorro me cria mais problemas de
consciência. O gato, e tenho um hoje, me parece mais inteligente,
independente, e sua independência me faz tratá-lo de igual para
igual, uma relação de igualdade. Se fosse um cão, pela minha
maneira de ser, me custaria mais não abusar da minha suposta
superioridade humana.
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