Aonde vou botar a
secretária de segunda mão que comprei para o computador?
Aqui? Naquele canto?
Gosto dela
onde está, de cara para a parede, com o quadro que pensava que
me faria entrar para as
artes plásticas. Nessas coisas sou prático, não consigo elaborar,
boto
e vejo e corrijo se for
necessário. No meio do
caminho? Tem certeza? Há bastante espaço, não há porque tropeçar!
É! Então... e pensando bem, muda o ponto de vista, claro, não
automaticamente, não é sentar ali e pronto. É sentar um monte de
dias enfileirados, olhar tudo desde lá, ler desde lá, responder,
escrever, perguntar, propor,
mudar o ponto que sempre fixo
o olhar, entre a meia
parede e o teto, que é lá onde
tudo se explica, ou se confunde. É ver tudo desde o meio do
escritório. Quem diz escritório, diz mais coisas. Ainda nem
sentei naquela cadeira diante da secretária, mas é como se já
tivesse sentado, com o novo ponto de vista, com aquele ponto de vista
já aderido aos
ruminantes, a ponto de
desfazer o velho ponto de vista, e olha que isso não é uma
publicidade de móveis. Desde o ponto de vista da cadeira da
secretária do computador, que posso chamar de ponto de vista da
cadeira, vejo tudo o que
antes via, mas agora vejo
diferente, como se eu não fosse eu, senão um tipo de narrador
onisciente, que observa a cena desde
fora e a pode descrevê-la
como se fosse um manual, não esqueça que quem diz cadeira,
escritório diz mais coisas, todas as coisas, e me pergunto, porque
comprei uma secretária de segunda mão, para me dar conta que está
tudo bem, bastante bem, mas bem do que pensava antes da secretária
de segunda mão.
Então chega o dia que já tenho o novo ponto de vista, e já o
posso usar para tudo,
inclusive fora do escritório, na
cozinha, na churrasqueira,
pelas ruas, e por onde fixo o olhar, vou vendo que não está nada
mal, que há muita coisa que se encaixa, que são muitas as coisas
que têm o seu lugar próprio, e já faz dias, semanas, meses que
poderia dizer que sou feliz, bastante feliz, por não adicionar nem
um mas logo depois, é só
botar um ponto e seguir. Feliz. E então sento onde me sentava antes,
e olho a secretária, e continua não sendo um anúncio de móveis.
Falta pouco para recomendar a todos os meus amigos, que agora boto
ponto final e um adjetivo, sem
mas, e
o adjetivo quase foi
tarde demais para pronunciá-lo, que comprem uma secretária de
segunda mão e a pousem no meio do escritório, quem diz escritório
diz mais coisas.
17 de jan. de 2015
16 de jan. de 2015
A Testemunha.
Clap clap clap. Não
espero ninguém! Gostaria... Que não me ouviu?
Ninguém. Ouvi,
mas eu trago uma mensagem que você não poderá... Não poderei o
quê? Não é que não
poderá, é
que creio que pode te
ajudar. E você como sabe que preciso de ajuda? Não, não é isso,
isso poderá te interessar. Tá, e como pode você saber o que pode
me interessar? Eu suponho, todos precisamos... Ajuda a fazer o quê?
Será que já nos conhecemos? Não, não nos conhecemos, mas se
deixar que te explique... Como poderei te dizer? Que Jesus é
paz e ... Senhor.. Acho
que já vou indo!
Porra! Como desiste da
ovelha assim tão fácil?
Quê? Mas se... Com esta atitude não chegará muito longe, moça.
Eu só queria... Isso, desculpe-me, é o teu orgulho, né? Me deixa confusa. Já
vinhas confusa desde a casa de
jeová, Coração! Escute
senhor... ! Vamos entre e diga o que tem para me dizer. Não, não
preciso entrar não,
são só dois
minutinhos da tua
atenção... é
minha amiga que foi ao carro... Entre, vá!
Que com
esta porta aberta me escapa o Xexeu.
Quem é Xexeu?
O gato Ão. Ahn? Xexeu
Ão. Tá
certo, entro. Claro, moça, estaremos melhor se
sentarmos.
Que sentar! Aqui mesmo no
alpendre, já me farei entender. Não seja rancorosa, que não se faz
nada em cinco minutos. Senta. Nada! Então! Senta, senta e descanse,
que vou preparar um café. Já tomei café hoje, não precisa. Claro
que precisa, sempre fui um bom anfitrião. Não duvido. Então não
falamos mais nisso. Senta e descansa, e tire esses sapatos, por isso
botei esse tapete. Eh?
Não, não. Já
estou confortável. É
teimosa mesmo? Vai
que te ajudo. Quê? Tá
vendo? Mas..
Senhor!? Não
me diga que não está melhor?
Vai, enquanto preparo o
café, dê uma cochiladinha, que está com cara de cansada! Mas eu
venho só para... Claro que sim, que já me explicará, mas agora
relaxa, vai! Não quero relaxar! Moça, mas que gênio, hein?
Cara, você me tirou os
sapatos, você! Pura cortesia. Mal pensada, e tem uma maneira bem
estranha de ser cortês, nunca lhe disseram?
Não é a primeira mulher
que me diz isso, não. Claro, se vai arrancando os sapatos a todas?!
Já te entendo, não me
tome... Perdoa-me... Vou ver se saiu o café, não te mova. Tenho que
fazer outras visitas e minha colega pode estar preocupada. Você
espera, um pouco, que o café é para você. Não
posso tomar muito café que me altera. Ainda mais?
Quê?
Fala mais alto que não
te escuto. Nada, não dizia nada. Calma que já volto. Sim buana. Te
escutei! Que não era surdo?
Não tanto como parece!
Vamos, o café, que isso já é tarde. Tarde para quê?
Para levar sua mensagem
enganosa à vizinhança?
Olha o respeito! Mitos!
Oh o respeito, já disse! Não precisa gritar! Mas se você é surdo?
Nem tanto, vamos ao
café, já trago, mas não bote os sapatos, é claro que boto... que
não disse que o tapete é para isso. Ora, assim me machuca. Não é
para tanto, senta e cala. Mas se me marcou o braço. Só te segurei
pelo braço. Já tenho o bastante, me vou. Você não vai a lugar
algum. Deixe-me passar. Veio me explicar uma coisa que pode me
interessar e me ajudar, não?
Não, não vai te
interessar, deixe-me sair ou gritarei. Já pode gritar o tanto que
quiser, durante o dia estou sozinho, a vizinhança toda trabalha
fora. Por favor, quero calçar os sapatos... Está fora de questão.
Como? Essa
é a minha casa, aqui mando eu. E se acabou! Preciso ir embora. Pode
ir, mas os sapatos ficam aqui. Você ficou louco?
Não me chame de louco.
Pegue os sapatos e abra a porta, já! Me chamou de louco, retire o
que disse. Pronto
retiro. Olho no olho e diga que não retira. Retiro.. não é
sincera. Como? Mantenha.
Não, não mantenho nada. Vem pra cozinha, senta e espera que sirvo o
café. Que não, sou sincera, me equivoquei, você não é louco! Já
venho, não te mova. Não
me movo. E dá-me a bolsa. Não, por quê?
Dá, anda! Opa, é minha,
é roubo! Meu celular?
Fico com ela. E você não
se vai enquanto não me explicar o que veio me explicar! Já basta,
fique com os sapatos, o celular, deixe-me ir, acabou a graça. E tem
graça que a três por quatro bata na porta para explicar o que não
me interessa? Não
é a mesma coisa! Claro que é, duas, três vezes na semana e no
domingo sempre. É a primeira vez que venho. Então teve sorte, você
representa todos os outros. Sorte pra quê?
Você pagará por eles
todos e você! Que te pagarei...?
Sim sim, você e faça-me
o favor de calar-se. Não quero. Cale ou... Ou o quê?
Não me provoque! Escute,
não pode ser, há algum mal-entendido, eu só queria explicar... Vou
buscar o café, pobre de você se se mover. Cara, entenda, é o meu
primeiro dia, minha amiga mais experiente, voltou ao carro para pegar
material. Então, mais razão para te pegar com calma, minha flor,
tó, tome o teu café. Não quero. Bebaaa! Que não, que... Bebe sim,
sou eu que digo! Que faz, que me queima?
Ui! Perdoa! Te
manchei! Que merda, minha blusa nova... Tire-a, que boto na máquina
de lavar e … Bastaaa! Me vou...! Sem sapatos, sem celular e com uma
mancha de café na blusa.
Não penso em tirar a
blusa. Claro que vai! Que você tá fazendo?
Vem! Me larga! Fique
quieta! Tá me machucando! Quiete-se ou te quebro! Que não tiro, e
acabou! Pronto, vou botar na máquina, e não vai embora, né?
Isso já passou das
medidas... Não sofra, que a máquina não demora, enquanto isso
vamos jogar conversa fora, e se quiser me explicar aquilo tão
interessante que disse que tem para me dizer, vamos desembucha. Não
tenho nada a te explicar, por favor, me
dê a camisa, o celular e os sapatos. Com essa pressa não passará
nunca uma boa mensagem, já sabe né?
Não seja cínico! Só
pretendia ser amável! Quem diria?
Controla o teus
instintos, moça! Se não, não sairá daqui! Você vê muitas
séries, muita televisão! Vou buscar a blusa, veja se fica mais
tranquila. Aqui estarei, remédio?
Isso me agrada, e ver que
ainda não foi embora. E posso?
Não faça drama. Que
drama? Que
você quer me dizer, dispara. Nada, não! Vá, não vai perder esta
oportunidade. Nada demais, olha essa mensagem! Sei que não te
interessará. Mas leia, nunca se sabe. Uia! Tá vendo?
Vejo que você tem muita
coisa pra ler nessas estantes. Não, tem muita coisa que não li.
Quem lê muito essas coisas de sociologia não acredita em deus, né?
Não é bem isso! Como
assim? Eu
acredito no homem, não é que descreio de deus! E quando está
sofrendo? Bom!
Penso que o sofrimento faz parte do ser humano, senão não haveria a
dor física!
Não entendo! A dor nos
protege, nos avisa... Mas deus pode te curar... Não diga asneiras...
Venha aqui ao meu escritório que vou te mostrar o que me cura. Não
não precisa! Não estou pedindo... Já vou... Viu?
Olhe as estantes! Só tem
álcool e livros! Então, não é preciso mais nada! Não me diga!
Vamos pra cozinha, vamos, e me explique como uma moça tão bonita,
vai de casa em casa, vendendo deus?
Não tem segredo, tenho
minha vida profissional, e nas horas vagas cumpro com meus desígnios.
Uau! Mas podia ser modelo... Ah vá! Tem os seios preciosos. Escute!
Moça, é que os tenho diante de mim em sutiãs. A secadora já deve
ter secado a blusa, né?
Voltou a ter pressa! É
que estou me sentindo incomodada, e você ainda me fala dos meus
seios. Pense que sou o seu médico. Mas podia ser meu avô também!
Perdeu o medo? A
blusa, por favor. Eita impaciência!
Putz... a mancha não saiu! Vou botar um produto, tenho que tirar a
mancha, afinal fui quem manchou, e é o seu primeiro dia. Não
precisa, deixa assim mesmo, dá-me a camisa, por favor, tenho que ir,
minha amiga deve estar desesperada... Claro que sim, moça, mas pense
que estamos só eu e você... Mas tenho que visitar mais gente,
deixar a revista. Pense, se eu me converto... será um grande
primeiro dia, afinal... Cara, não... Assim não vai a lugar algum.
Escute! É que não posso dizer nada. É que acaba se achando, cheio
de confiança. Estou em casa. Eu não. É como se estivesse. Sim?
Então devolva os meus
pertences... Aonde você
pegou essa faca... Não! Toma, seu louco! Toma! Quer mais uma! Toma!
Sua filha da puta, não me deixe aqui... Seu bobalhão, também já
li sobre a síndrome... Pelo menos ligue pra ambulância.. não direi
que foi você... Não dirá mesmo.
15 de jan. de 2015
Dados.
Dados!
Não se deve
esquecer que por trás da violência de signo islâmico, subjaz a
longa e histórica luta entre sunitas e xiitas, para conseguir a
supremacia religiosa, e portanto o poder político naqueles
territórios onde se rende culto ao profeta Maomé, e se puderem
estendê-lo a novos domínios, amariam. Por estes dias os estados que
disputam esta hegemonia são a Arábia Saudita e o Irã dos aiatolás.
Por trás do denominado califado islâmico (sunitas) que controla
territórios da Síria e Iraque e recruta mercenários nos bairros de
imigrantes muçulmanos das periferias de capitais europeias, se
suspeita do suporte de alguns dos emirados do Golfo. Por outro lado é
conhecida a proximidade do regime teocrático de Teerã com o
Hezbollah no Líbano e com o Hamas em Gaza. Pode-se dizer que Boko
Haram, o grupo terrorista que sequestra e mata na Nigéria, tem como
objetivo proclamado: impor a Charia ou Sharia, a lei Islâmica,
naquele imenso país.
14 de jan. de 2015
O Abuso.
Diz o dicionário:
"1. Mau uso. 2. Uso excessivo. = EXCESSO 3. Desmando, desregramento
4. Agir de forma a servir apenas os próprios interesses,mesmo se
prejudicando a outrem. dicionário online Priberam"
O abuso tem a ver com os limites.
Sempre
ultrapassando os limites que dita uma moral comum. Geralmente para arrebentar com a bolha de liberdade do outro em benefício da liberdade
própria. Uma imposição. Uma vergonha.
O
abuso está enraizado
nos rincões mais profundos da alma de todos nós. O instinto nos
impele, caladamente ou aos gritos, que façamos uso do poder que
temos às mãos. Assim podemos ver nas crianças, que descobrem aos
poucos meses de nascer, o poder das mãos e dos golpes e dos gritos,
uma tendência que jamais a abandonaremos
por completo e que a razão somente a mitiga com o passar do tempo. O abuso.
O
abuso está em todos e em todos os lugares do mundo, por não faltar ali
abusados e abusadores. O abusador explora a desrazão para impor-se.
Abusar nos escapa ao juízo e portanto inunda todos os campos do cérebro
do que sofre
o abuso massivamente e ali demora-se. O abuso é lento para esvair-se e jamais desparece
de todo, e ali cava e cava até a morte. O abuso. As suas ações,
são tão absurdas, tão injustificadas, e procuram e encontram com facilidade
espantosa argumentos, escusas, para ser, para manifestar-se e perpetuar-se. O
encontramos no trabalho. Nas grandes empresas. Nas pequenas. No
governo. Na oposição. O abuso. O abuso é parte natural do
exercício da responsabilidade, da hierarquia, onde frequentemente as fronteiras são
definidas pelo código de ética de cada um. A ética. A ética, essa
massa sem forma que se amolda a cada circunstância, seja por lixo ou
crianças. Depois de uma vida recebendo, igualmente se acaba por
encontrar um modo de devolver. Por muito que busque, não encontro
pior expressão de sujeira e brutalidade na natureza humana que
aquele que abusa do fraco. O abuso.
Liberdade de Non Expressão.
Conhecido
principalmente pela sua teoria da sociedade do risco, que considera a
atual distribuição dos riscos incapaz de corresponder às
diferenças sociais, econômicas e geográficas, próprias da
primeira modernidade, e em condições de impor novos perigos
disseminados em escala global e de mais difícil controle, o
sociólogo alemão Ulrich Beck, disse em algum lugar que se quisessem
saber como seria a Europa do futuro, bastaria olhar para o Brasil.
Garante que a crise 2007\8 e que dura, botou um peso na balança,
desequilibrando o poder no mapa político.
De outra,
prospectivamente diz que os novos objetivos – europeus – são
conseguir um novo contrato social, de modo a afastar a catástrofe
anunciada, e fugir do atual “monstro político” - a Europa
alemã – Alemanha, que também caminha para a decadência, pela
inviabilidade das suas fronteiras abertas, as suas normas relativas à
qualidade dos alimentos e do ambiente, a liberdade de expressão e de
imprensa, as suas universidades ligadas em rede e cooperando entre
si, a relativa fluidez do mercado de emprego...
Assinaladamente há
uma diferença fundamental entre liberdade de expressão e de
imprensa. Gerada pela separação entre Sociedade Mediática e
Sociedade Civil, esta também enunciadora. Aquela representando
interesses próprios, ocasionalmente e aparentemente representando a
sociedade civil, mas sempre com interesses próprios. A expressão
mais simples da Liberdade de Imprensa é propagandística, se antes
ficava claro o que era propaganda e notícia, hoje está claro que
tudo é propaganda – há que se dizer, por força de ilusões, que
nem tudo é pago em moeda corrente, havendo um intercâmbio “natural”
com as várias formas de poder - . Pois é notório, que Sociedade
Mediática é sem sombra a dúvidas um conjunto de empresas e
corporações cuja mercadoria única é a opinião disfarçada de
informação. Longe vai o tempo em que a informação era a
mercadoria principal, nos dias que correm as únicas informações
''puras'' – no sentido de isenção de auto interesse – estão
no âmbito policial e da fofoca, e fatos corriqueiros do cotidiano
mais mundano. Por isso não sabemos a realidade, por exemplo, da
questão energética ligada ao petróleo – no âmbito meramente
informativo -. Sabemos que a Petrobras perde valor nas bolsas de
valores, no entanto esta informação é passada com o vínculo –
quase único – da corrupção, e é claro, que não pode ser
afastado; no entanto, a crise “energética” é global e o excesso
produtivo proposital – crise esta a propósito dos riscos
perpetrados pelo próprio sistema, na visão de U. Beck –, sendo
que pouco sabemos dos seus reais motivos e propósitos geopolíticos.
Por outro lado à Sociedade Civil enunciadora, não legitimada pelos
poderes mediáticos “legítimos”, cabe o papel de caçadora de
conspirações.
Assim a Liberdade de
Imprensa, diria, funda-se na liberdade de não-expressão, negando à
sociedade civil as informações reais.
Conto de Carinho
Faz muito tempo,
na encruzilhada de um verde vale, ao sopé de uma montanha, havia uma
vila feliz. Todas as pessoas eram felizes. As crianças e os jovens
nas escolas. Os adultos no trabalho. Os idosos com seus entes
queridos. Os animais de estimação eram estimados. Entretanto, não sabiam que
eram vigiados, desde o cimo da montanha, por uma megera. Uma bruxa
má. Ela descia à vila disfarçada. Queria saber o porquê de
tanta felicidade. Se esgueirava pelos quintais. Ia se perguntando:
Por quê?
Foi então que viu, todos se faziam carinho. Astuta, percebeu que
havia inclusive um modo de fazer carinho. A avó com sua mão quente massageava
os ombros de seu neto, percorrendo lentamente de omoplata a omoplata,
escorregava um tiquinho abaixo pela coluna, subia até a
nuca. Se esgueirava e via no banco da praça as pessoas se
acariciando. Ela queria
dominar a vila, mas não via possibilidade para suas maldades,
porque ali não havia pessoas carentes. Um estranho procurava outro
estranho e se acarinhavam. Desabotoavam a camisa, e deixavam os
ombros nus. O outro com a mão quente, começava a massagear. Logo um
jovem, que passava, oferecia carícias a uma jovem, a mulher dizia ao
marido, da sua labuta, e ele dizia da sua labuta e se acariciavam com
suas mãos quentes, e assim iam vivendo, felizes.
A
bruxa voltou ao topo do monte, e pôs-se a traçar um plano para
acabar com aquela felicidade. No outro dia voltou à vila e fez
correr a notícia de que as carícias poderiam acabar, se eles
continuassem a fazê-la com as mãos. Ela dizia que gastava e com o
tempo já não funcionaria. Todos ficaram com medo. Muitos exitavam
em acariciar. E começaram a poupar carícias. Guardavam para algum
momento especial. Para pessoas especiais. E a vila foi entristecendo.
Eles queriam se acariciar uns aos outros, mas tinham medo que
acabasse. Houve, no entanto, os que perderam o medo e pouco a pouco
voltavam aos carinhos. Quando a bruxa voltou, viu que já não eram
tão felizes, mas viu também que a tristeza ainda não era
suficiente. Conversou com as pessoas, e ouviu deles que sentiam
falta de acariciar. Subiu a montanha ruminando planos. No dia
seguinte desceu à vila e foi ao mercado expor a solução para
aquele problema, era um carinho de silicone, muito parecido com a
palma da mão, e que se as pessoas se acariciassem com aquele carinho
de silicone, não haveria problema de o carinho acabar, todos
correram as suas casas e voltaram com o dinheiro para comprar o
carinho de silicone, e felizes se puseram a acariciar com ele. Logo
eles perceberam que o carinho de silicone não funcionava como antes,
com o carinho feito com as mãos. Mas não poderiam fazer carinho com
as mãos porque acabaria. Sempre atenta, um dia, a bruxa desceu a
montanha com uma solução ao carinho de silicone, era o carinho de
plástico. Era mais frio que o carinho de silicone, mas era mais
liso, dizia ela, escorregava mais, e não precisava lavar tantas
vezes, para retirar óleos... todos compraram o carinho de plástico,
e cada dia mais se acariciavam, lavavam-no e guardavam sobre alguma
estante. Cada dia estavam mais tristes. Então logo aparecia carinhos
de plástico de variadas formas e cores. Se animavam bastante e
voltavam a comprar carinhos, andavam pelas ruas e exibir seus
carinhos de plástico multiformes e multicoloridos. Davam nome aos
carinhos e iam se entristecendo. Logo se cansavam das cores e das
formas dos carinhos de plástico... atenta desde seu posto elevado da
montanha, a bruxa via seu intento funcionando bem, astuta se dava
conta da necessidade de inovação do seu produto, misturava suas
mandingas, desenhava sobre cinza seus projetos, e com duas palavras
mágicas tinha um novo carinho para o mercado, o carinho de inox.
Brilhante. Sem um risco miúdo que fosse. Era tanto polido que se
podia nele se mirar. O mercado entrou em alvoroço. Nem com todo seu
poder de produção dava conta á demanda. Houve quem furtasse o
carinho de inox a outro. Os carinhos de plástico e de silicone
emporcalhavam as ruas e as praças. Quando todos haviam adquirido o
carinho de inox, ela descansou. Todos se olhavam no carinho de inox,
se acariciavam, levavam um trapo para poli-lo, e o dependuravam no
pescoço. As pequenas indústria da vila, inventavam capinhas para o
carinho de inox, polidores. As pessoas seguiam o manual de uso, e
cada vez menos, passavam o carinho de inox nos ombros uma das outras,
para não gastar, porque custava muito dinheiro ter um carinho de
inox. Era frio. Mas quase já não se lembravam da mão acariciadora.
E as relações cada vez mais perturbadas. A tristeza logo se
instalava. As crianças choravam. Os idosos abandonados. Os namorados
ensimesmados. A tristeza, o desamor, o ódio, tomavam conta da vila.
A bruxa desde o cimo da montanha, ria em derrisão. No outro dia
quando a viram descer a montanha com muitas caixas sobre o ombro,
todos a foram esperar no mercado, faziam fila. Muitos reclamavam do
carinho de inox. Eu tenho a solução disse ela. E todos aguardavam
com ansiedade, ela falou que já não funcionava mais o carinho que
passa pelos ombros, agora os apresento um carinho definitivo que
todos vão amar... e então diante dos olhos arregalados de toda a
gente da vila ela exibiu um prego cintilante, com a ponta mais aguda
que uma agulha, e disse espetem nas costas uns dos outros e todos
avançaram sobre o novo carinho, o carinho prego.
Não me lembro quem
me contou esse conto, nem era assim, era parecido com isso. Foi na
época da Filô. Década de 80.
12 de jan. de 2015
Cinismo!
Ontem postei esta charge ao lado, primeira página do Charlie Hebdo.
Dizia no cabeçalho, que era “Ótema”.
“De banheiro de rodoviária”.
Foi só o que disse. Alguém tomou
o mau gosto - que enunciei - como defesa de Jijadistas. Não era,
absolutamente, a minha intenção, minha crítica era tão só
estética, se tanto, mais não era, que um sarro aos mortos
desenhistas.
Sou definitivamente
contra a pena de morte. E o acontecido foi uma execução penal. Cujo
crime foi o de fazer críticas a um sistema pela via satírica.
A charge que postei
tem sabor a banheiro de rodoviária, ou qualquer banheiro público,
onde se escreve, desenha e se deixa o número do telefone dizendo que
tem o pinto grande. Entretanto o cinismo e o mau gosto ou não, não
está exatamente na charge, o mau gosto e o cinismo estão na vida
real, a charge só os condensa.
Se alguém faz mal
aos árabes não é o humor, é a realidade. Esta é passível de
discussão. Mas demora um ano para se fazer bem feita.
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