Por muito que procurei,
na Ilíada, sua única aparição, não pude ouvir dos lábios de
Homero sua descrição. Se houvesse encontrado teria ouvido: Quimera
é de linhagem divina e quem a avistasse de frente viria um leão, de
lado uma cabra e pelo fim uma serpente; botava fogo pela boca e foi
morta pelo formoso Belerofonte, filho de Glauco, tudo pressagiado
pelos deuses. Cabeça de leão, barriga de cabra e rabo de serpente.
Mas não é o que vejo na escultura de Arezzo, pois ali tem três
cabeças, de leão, de cabra e de cobra, assim não é o rabo da
serpente, mas o rabo é a cabeça da serpente.
Joyce no seu Ulisses
usa essa metáfora: “Máquina é seu grito, sua quimera, sua
panaceia”. E isso é o homem, nada mais, nada menos, o homem que
somos todos nós, que não é nem anjo nem demônio, este prodígio,
este monstro, esta quimera. Marx n'O Capital: “Faz um momento, o
cidadão, levado pela quimera racionalista e de sua embriaguez de
prosperidade, proclamava o dinheiro, como ilusão uma vacuidade”.
Ou Cervantes no Quixote: “Y el portero infernal de los tres
rostros, com otras mil quimeras y mil monstros, lleven el doloroso
contrapunto; que outra pompa mejor no me parece que la merece un
amador difunto.” ou ainda: “... caballeros andantes parecen
quimeras, necedades y desatinos...”, “...grandes quimeras de
nonadas...”, então a coisa via de regra fica séria e Foucault
afunda o pé na lama em Ordem do discurso: “... para se cair não
importa quê discurso, não digo no erro, mas sim na quimera, no
sonho, na pura e simples monstruosidade...”, mas Kant quer que
economizemos esforços, botando franqueza em nossas tarefas,
simplesmente deixando de persegui-las.
Mas aqui na solidão de
mim, uma mão me toca o ombro e sussurra “sei que não é verdade,
sei que são as quimeras da noite, mas não te movas”. Confesso que
me envergonhei ao reconhecer o terror, o espanto que ela me inspirou,
de intensidade e insensatez tamanhas, que me pareceu real, por não
me ser dado o dom de tal coisa conceber. Ainda agora o tritinar de
grilos silencia um segundo antes do pio da coruja, o silêncio e a
loucura de todo pensamento sobre o grande problema das condições
sociais, não é impossível que o homem, o indivíduo, em certas
circunstancias insólitas e sumamente fortuitas possa ser feliz,
pequena,e essa pequena felicidade refutaria o dogma de que na
natureza humana se oculta princípio antagônico dela, porque a
miséria humana nasce da violação de umas poucas e simples leis de
humanidade, que possuímos, sim elementos de contentamento que se
possa aproveitar, ninguém em seu juízo perfeito pode duvidar.
Penso que acabamos por
nos entendermos, ele me diz, mas se em busca de quimeras afugento as
minhas lhe digo e faço sem a ajuda do nobre fidalgo, com sua pena de
galo no chapéu. Levanto a cabeça e posso erguer o braço e
elevá-la, acima de mim, afinal ela foi cortada por Perseu, ou
levá-la como uma baguete, debaixo do braço. Sempre, o afã, é
quimérico, ele me diz, aparecem e desaparecem num piscar de olhos.
Saúde a aquele que não
lhe agrada sentar-se junto de Sócrates e falar com ele, a quem não
condena a arte das musas e não olha desde acima com desprezo o mais
elevado da tragédia! Pois é vã necedade gastar ciúmes ociosos a
discursos vazios e quimeras abstratas. Aristófanes.