28 de set. de 2012

Quimera.



Por muito que procurei, na Ilíada, sua única aparição, não pude ouvir dos lábios de Homero sua descrição. Se houvesse encontrado teria ouvido: Quimera é de linhagem divina e quem a avistasse de frente viria um leão, de lado uma cabra e pelo fim uma serpente; botava fogo pela boca e foi morta pelo formoso Belerofonte, filho de Glauco, tudo pressagiado pelos deuses. Cabeça de leão, barriga de cabra e rabo de serpente. Mas não é o que vejo na escultura de Arezzo, pois ali tem três cabeças, de leão, de cabra e de cobra, assim não é o rabo da serpente, mas o rabo é a cabeça da serpente.
Joyce no seu Ulisses usa essa metáfora: “Máquina é seu grito, sua quimera, sua panaceia”. E isso é o homem, nada mais, nada menos, o homem que somos todos nós, que não é nem anjo nem demônio, este prodígio, este monstro, esta quimera. Marx n'O Capital: “Faz um momento, o cidadão, levado pela quimera racionalista e de sua embriaguez de prosperidade, proclamava o dinheiro, como ilusão uma vacuidade”. Ou Cervantes no Quixote: “Y el portero infernal de los tres rostros, com otras mil quimeras y mil monstros, lleven el doloroso contrapunto; que outra pompa mejor no me parece que la merece un amador difunto.” ou ainda: “... caballeros andantes parecen quimeras, necedades y desatinos...”, “...grandes quimeras de nonadas...”, então a coisa via de regra fica séria e Foucault afunda o pé na lama em Ordem do discurso: “... para se cair não importa quê discurso, não digo no erro, mas sim na quimera, no sonho, na pura e simples monstruosidade...”, mas Kant quer que economizemos esforços, botando franqueza em nossas tarefas, simplesmente deixando de persegui-las.
Mas aqui na solidão de mim, uma mão me toca o ombro e sussurra “sei que não é verdade, sei que são as quimeras da noite, mas não te movas”. Confesso que me envergonhei ao reconhecer o terror, o espanto que ela me inspirou, de intensidade e insensatez tamanhas, que me pareceu real, por não me ser dado o dom de tal coisa conceber. Ainda agora o tritinar de grilos silencia um segundo antes do pio da coruja, o silêncio e a loucura de todo pensamento sobre o grande problema das condições sociais, não é impossível que o homem, o indivíduo, em certas circunstancias insólitas e sumamente fortuitas possa ser feliz, pequena,e essa pequena felicidade refutaria o dogma de que na natureza humana se oculta princípio antagônico dela, porque a miséria humana nasce da violação de umas poucas e simples leis de humanidade, que possuímos, sim elementos de contentamento que se possa aproveitar, ninguém em seu juízo perfeito pode duvidar.
Penso que acabamos por nos entendermos, ele me diz, mas se em busca de quimeras afugento as minhas lhe digo e faço sem a ajuda do nobre fidalgo, com sua pena de galo no chapéu. Levanto a cabeça e posso erguer o braço e elevá-la, acima de mim, afinal ela foi cortada por Perseu, ou levá-la como uma baguete, debaixo do braço. Sempre, o afã, é quimérico, ele me diz, aparecem e desaparecem num piscar de olhos.

Saúde a aquele que não lhe agrada sentar-se junto de Sócrates e falar com ele, a quem não condena a arte das musas e não olha desde acima com desprezo o mais elevado da tragédia! Pois é vã necedade gastar ciúmes ociosos a discursos vazios e quimeras abstratas. Aristófanes.    

O Saci e o Nesnás.


O Nesnás é fruto da interação, do comércio, entre homens e demônios. Não são todos iguais, nem homens ou demônios, por segurança, Aláh Akbar, Aláh Akbar. O demônio qual seja, não é, só é o homem, por tanto o Nesnás é meio homem, meia cabeça, meio corpo, um braço, uma perna e brinca como se fosse Saci. Habita o Nômeno do norte e partes solitárias do Meniã. Não fuma, mas tem a cara no peito como os Bilemias, outra ocorrência delicada é a calda de ovelha, e é capaz de linguagem articulada. Sua carne é doce e muito apreciada. Uma variedade rara de Nesnás voa com asas de morcego e abunda no Bornéu.

adaptação de Nesnás, Jlborges, 1001 noites, e outras poucas sabedorias.      

Lili do tanatório.



Lili foi a primeira antes de Eva e Adão. Lânguida Lili! Deus a deu a Adão e Lili a Adão lindos e radiantes filhos e filhas', foi sua primeira mulher. Mas Deus deu a Adão, Eva, segunda mulher. Lili, para vingar-se da mulher humana de Adão, a induz ingerir o fruto proibido e conceber Caim, assassino do irmão. Lili deixou de ser serpente para ser espirito na noite dos tempos. Por vezes rege angelicamente a geração de homens, outras endemoniadamente assusta os que dormem a sós ou andam por estradas ermas. Assustadoramente silenciosa e vasta e solta cabeleira loura, parada sob um poste de pouca luz, pede ao táxi traslado até o cemitério.

' "glittering sons and radiant daughters"
Adaptado de JLBorges.
Lilith

HANIEL, KAFZIEL, AZRIEL E ANIEL.





Na Babilônia, Ezequiel teve uma visão de quatro animais ou anjos, ““ e cada um Tinha quatro caras, e quatro asas e “ as figuras de suas caras eram a face de homem, e cara de leão a direita, e cara de boi à parte esquerda e os quatro tinham assim mesmo cara de águia””. Caminhavam para onde lhes levava o espírito, “ cada um em obediência a sua face”, o de suas quatro faces, talvez crescendo magicamente, ia aos quatro ventos. Quatro rodas “tão grandes que eram horríveis” seguiam aos anjos e estavam cercadas de olhos.
Memórias de Ezequiel inspiraram os animais da “Revelação de São João”, em cujo capítulo quarto se lê:
“ E diante do trono havia como um mar de vidro semelhante ao cristal; e no meio do trono; e ao redor do trono quatro animais cheios de olhos adiante e atrás”.
“ E o primeiro animal era semelhante a um leão, e o segundo animal, semelhante a um bezerro, e o terceiro animal tinha a cara de homem, e o quarto animal, semelhante à águia que voa. E os quatro animais tinham cada um para si seis asas em volta; e dentro estavam cheios de olhos; e não tinham descanso e passavam dia e noite dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus Todo-poderoso, que era, e que é, e que há de vir”
tradução não ortodoxa desde.
 livro de J.L.Borges.
Libro de los seres imaginarios.
segunda edición en Club: octubre 1982.
Ed. Bruguera SA. Barcelona.

27 de set. de 2012

Liberdade de expressão: Temos o que dizer?


Meu conhecimento no que diz respeito a 'liberdade de expressão' é empírico, me obriga citar alguns fatos do meu cotidiano.
O diretor do Google, no Brasil, foi preso hoje 27\9 e logo liberado ao se comprometer a 'pensar' seriamente a respeito de um vídeo postado por um mato-grossense. Não sei do conteúdo desse vídeo, mas é acusado de difamação, calúnias, abuso disso e daquilo etc. Não vem ao caso. Só não creio que o Google deva ser responsabilizado por tal coisa. Outro juiz de Ribeirão Preto também decretou a prisão do mesmo diretor brasileiro.
Hoje a candidata a reeleição à prefeitura de Ribeirão Preto fez uso do direito de resposta, referente a ataques verbais disferidos, pelo também candidato Chiarelli, numa entrevista levada ao ar pela EPTV RP. Neste caso vi a entrevista, que posteriormente foi postada no Youtube e correu mundo com mais de meio milhão de visitas. O quê, do sucesso, não está ligado à qualidade argumentativa do candidato, mas à forma, à moda de um Jânio endemoniado, para não dizer de um mendigo na disputa das Xepas de jilós maduros e chuchus abandonados num fim de feira.
Não sei qualificar a pertinência das alegações de Chiarelli, pode que sejam verdadeiras, mas não é o caso, pois no caso a verdade que poderia haver foi maculada pela forma. Como não é o caso, também, de Chiarelli aos berros chamar o PSDB e Nogueirinha de sócios do tráficos de droga na porta das escolas do ensino fundamental. Pode que, dado o largo tempo do governo paulista estar em mãos do PSDB, este ter culpa na questão do tráfico, mas isso não se transfere diretamente, é uma questão complexa que deve ser discutida, deve encontrar culpados, mas Chiarelli não tem essa paciência, não só ele, muitos de meus amigos virtuais têm essa dificuldade, a argumentativa, e partem furiosamente para os palavrões, ataques pessoais, criando um 'ruido' ensurdecedor na rede social, que pouco serve e acrescenta à questão política, servindo quando muito a um mero desabafo pessoal, e em grande parte a ofender velhos amigos, que tem posturas definidas politicamente.
Há imagens 'poéticas' como essa : … escarro da lixeira humana... , mas que nada acrescenta, pois o que testaria os limites da liberdade de expressão, seria fazer uma crítica contundente quanto à posição do governante, enfocando a outra ou outras possibilidades menos risíveis da tal posição, e em outras questões da pertinência que leva o 'comentarista' a tudo chamar de merda.
Nossa educação, principalmente a de 'gentes' que nasceram nos 60, 70 e meados dos 80, foi o curso complementar de jurado com Aracy de Almeida, Pedro de Lara e Cia, Mestrado com Dercy Gonçalves e doutorado no Programa do Chacrinha.
Tais manifestações que não passam de monossilábicos grunhidos e ruídos o que lhes dão verosimilhanças a uma buzina, latidos ou berros de vaca.
Enquanto o guru pergunta: Vai pro trono ou não vai?
Preciso de mais, quero mais. Gosto de debater, mas sem ter que ouvir ofensas pessoais.
A Razão falha em muitos aspectos relativamente a compreensão dos fatos, de outra forma, nem tudo pode ser racionalizado, temos sentimentos e sentidos a nos ajudar, mas mesmo eles, não integralmente, cabem em belos argumentos, ainda que contrários, ainda que me tirem da zona de conforto. 

26 de set. de 2012

Democracia: Informação. Virtude Cívica.



Na democracia deve haver um lugar para a oposição. Isso só ocorre se houver eleições regulares, competitivas, limpas, sob controle de instituição apartidária.
Não há contestação adequada se não houver participação equivalente. A participação depende em grande parte de acesso a informação. À boa informação não basta ser oficial, ou oficialmente oposta, deve ser alternativa, para permitir a formação de um amalgama, um cimento que possibilite a compreensão do funcionamento do sistema. O sistema é muito complexo, porque é composto de multiplicidade de interesses, por exemplo, o quê determina a posse de um pedaço de terra? Essa decisão já foi tomada à base da luta direta entre os postulantes, hoje se dá de modo mais civilizado, ainda com resquício da força, porque a posse está na base da discórdia, entretanto se aceita a regra.
A compreensão legitimada pela 'boa' informação, causa implicações nas decisões.
Por isso se faz necessário essa vindicação da virtude cívica. Porque, afinal, se trata de autogoverno. Mas no auto governo a representação é a exigência central, porque não podemos todos governar.
Cidadania. O sistema democrático é uma obra aberta. A participação já foi menor, mas as dimensões do exercício da cidadania se abre a possibilidades de ampliação dessa participação, com a evidente qualificação da cidadania.
Tudo começou com os Direitos Civis e evoluí a Direitos Políticos, Direitos Sociais, e outras dimensões, Sociais e Econômicos, Ambientais e afinal hoje falamos em direito dos Animais Domésticos e assim por diante, como metas a serem alcançadas e ampliadas.
A intervenção da cidadania é decorrente da igualdade politica, mas também, como já disse, da virtude cívica, da qualidade da cidadania etc.
Há que se notar e é fundamental que há uma diferença entre o governo do império da lei previamente estabelecida – submissão voluntária de modo consensual – e o governo do homem que depende dos interesses de quem comanda. Enfim, a lei submete, deve submeter a todos os cidadães.
Por que a democracia? Porque afasta a tirania.
Mas também é uma decorrência racionalista. Para os donos dos anéis, a segunda melhor, porque, impede a guerra de todos contra todos. Os que têm e os sem anéis.
A convivência pacifica, na impossibilidade da imposição de um grande poder. Pois há uma certa garantia mínima de sobrevivência a todos.
Garante direitos fundamentais, direito a vida, seu objeto central. E tem como objetivo do bom governo criar condições superiores àquele selvagem. Protege os interesses individuais de indivíduos diferentes reivindicando cada um a sua própria existência.
Autonomia moral dos indivíduos frente a ordem das prioridades públicos, supõe que assume-se graus de responsabilidade frente a estes interesses.
Isso quer dizer da existência de interesses individuais diferentes dentro da igualdade de condições. Isso se traduz em transparência de procedimentos e em antidoto a lei de Gerson.
Produz ainda a igualdade intrínseca, noutras, qualquer pessoa que sabe bem qual o seu interesse, saberá o que é bom para ele, e isto é o que o qualifica para a tomada de decisões nos processos de interesse particular e geral.
Havendo participação, contestação, virtude cívica, cidadania etc, implicam na desnecessidade de guardiães. Na verdade são os gestores devem ser dirigidos pelos políticos, porque o gestor entende do melhor processo de produção e organização de determinado mecanismo, e o politico dos interesses a que servem os produtos gestionados na melhor forma de produção.
O bom governo depende de virtude cívica e esta transmite-se de geração em geração, devemos educar, qualificar, procurar fontes alternativas de informação, porque as decisões são tomadas pelo Estado sobre as sociedade são vinculantes, agem o tempo todo sobre nós, e estas decisões são tensas. A relação entre Executivo, legislativo e judiciário é tensa, deve ser tensa, para não serem o mesmo, e se tratar de uma ditadura.
Enfim o Estado toma decisões – na democracia de forma legitima – organiza um conjunto de instituições que exercem poder sobre a sociedade, que atua na mediação do conflito politico, há conflito, interesses em disputa, buscando a legitimação. As instituições formam um conjunto tenso. 

25 de set. de 2012

A luta pela democracia. Celebremos!


A expansão da democracia é o grande evento do século XX.
A primeira onda democrática nasce na Inglaterra do XVII até a revolução liberal norte-americana e francesa.
Tem sequencia na segunda onda no pós segunda guerra e o pronto restabelecimento da democracia nos países do eixo. A terceira onda começa com Portugal e Espanha, América Latina e a queda do muro de Berlim e continua no século XXI no norte da África.
Pode-se colocar uma série de questões. Dentre elas: Qual o quê que caracteriza o ponto de vista democrático?
Há o caso inglês que ao longo de séculos consolida a democracia, onde o estado democrático de direito, e isso quer dizer o primado da lei, da lei consensualizada, isso quer dizer constituição, e tanto e a ponto de sua constituição quase não existir, efetivamente do ponto de vista formal, escrito. Isso quer dizer que o primado da lei cobre todo o estado inglês de modo democrático, permitindo a todos o acesso. Onde a politica pratica com o viés do governante o exercício do interesse público. Esse assentamento democrático não permite sequer o acosso a intenções totalitárias.
Outro caso é o de democracias, estabelecidas em pleno século XX, oriundas de sistemas totalitários. Não é possível e nem se pode sonhar, que com a retirada do totalitarismo anterior se estabeleça a imediata instalação – em sua plenitude – do sistema democrático. Com o primado da lei não igualmente distribuído – no nosso caso, há a lei – mas a lei no Brasil – ainda – vale para uns diferentemente do que para outros.
A tradição republicana democrática tem seu ideal na liberdade e igualdade. De todas as formas: liberdade, mas também igualdade de condições, fundamentalmente igualdade politica, mas igualdade.
Como indivíduos, o tempo todo nos nossos quefazeres, pensamos no ideal e na realização prática desse ideal. A democracia é a mesma coisa.
A ideia pela qual os sírios tem hoje travado uma guerra, e outros países do mediterrâneo afreicano travaram,  é a mesma, liberdade de escolhas, igualdade ainda que meramente política.