21 de nov. de 2011

Sesta.


Meu avô, imigrante espanhol, subiu a Serra do Mar ouvindo mares de uma concha vazia, trabalhou nos cafezais da região, fez tantos filhos quanto aguentou dona Vicentina. As famílias eram de alguma forma, a pior, uma empresa. Deixou a “colonia” com uma mão atrás a outra segurando aquela, cabisbaixo virou tomateiro, e com ele, todos, nós da família. No verão constrangidos, afogados, engasgados pela rareza dos ventos de viração, - bochorno dizia o galego – e alguém gritava “hora da boia” e dormíamos depois do almoço à sombra ou nichos dela, donde fosse, esticados na sua profundeza virgem e fresca, um tipo de morte ressuscitável.
 Aqueles dias, faz mais de trinta anos. Era menino, por tanto, fiz muita coisa secreta e diabólica, mas como era católico, purguei tudo com avemarias e padrenossos respectivos, sem nunca ter rezado o credo. Este deve ter sido inventado para cristãos novos. Depois fui trabalhar em Ribeirão, era office boy. Ia e voltava de Benelli em menos tempo que hoje, e incrível que possa parecer, a estrada melhorou, os ônibus melhoraram, a distância é a mesma, mas tardo mais.
A ideia de ir trabalhar a Ribeirão não foi minha, era tempo de criança não expor ideias, não me importando hoje de quem a teve, era para se ter uma vida melhor, menos pó no sapato, menos sol na cabeça, mais asfalto, datilografias em vez da enxada, dita caneta, duplicatas, ampliar horizontes e banir as sombras e o “papo pro ar” nas horas sagradas do descanso. Tudo quanto sacralizávamos o cigarro de palha, o caldeirão de comida, embaixo feijão depois arroz, um ovo frito e um naco de porco da conserva perdeu seu espaço. Andei terra, cruzei mar e não vi e não vejo como obter melhores sonos e sonhos, que às sombras de tamarindeiros, laranjeiras, mangueiras, ingazeiras e a moringa de água fresca e o “ Acorda, vamos agarrar! ”





20 de nov. de 2011

O Perfume do livro.


Nada se perde, tudo se transforma, evapora, esfarela, desmancha, perverte, menos o cheiro. Tinha um amigo, quer dizer ele não morreu, o homem está lá. O que cresceu e se tornou um biombo intransponível, nossas diferenças. As diferenças sempre existiram, mas não tinham a estatura das compatibilidades. Enfim, coisa que lembro do amigo é  que apreciava o cheiro dos livros, assim que o tinha entre mãos, o abria e o cheirava, fosse novo ou velho, e o fazia com tamanho entusiasmo que provocou em mim o mesmo hábito, hábito que perdura em mim como louro de uma velha amizade, e o cheiro, sim o cheiro de um tempo, de um rapaz abrindo um livro novo, querendo cheirar as palavras... perguntando pela sua essência.
Quando menino ao livro novo acabado de comprar, arrancado de entre os de sua espécie exalando o cheiro do tempo feito de papel e tinta, acrescentava o cheiro do plástico com o qual o forrava para que sobrevivesse até o fim do curso. Outro cheiro do tempo é feito de pó do livro velho, que resgato do esquecimento, em um sebo, talvez resgato uma voz, que quer dizer coisas e estava calada.
Tudo é. Aromas. Olores. É a alma dos sólidos. Todos nos pertencem por depender de nossa memória. O perfume do café flutuando pela cozinha, ocupando a sala, é uma conquista pessoal, inconsciente, única e presente, mas desde já com ares de passado...
É possível que ao buscar pelo perfume das coisas desconhecidas, me depare com odores insuportáveis, mas é risco que prefiro a um mundo inodoro... continuo a cheirar os livros.  

18 de nov. de 2011

Quando a música começa.

Trilha sonora de uma vida que não é a minha.


Tengo Miedo acabou sendo poeta, mas de igual maneira poderia haver triunfado como pianista. Desde jovem o solfejo o atraia tanto quanto as redondilhas. Publicou no jornal A Cidade no caderno de Resenhas de Concertos com critério e sensibilidade.
Uns quantos de seus compositores preferidos ( Handel, Zequinha de Abreu, Couperin, Villa-Lobos, Mozart e Pixinguinha) e instrumentos como a arpa, o alaúde ou a requinta aparecem nos seus poemas – em títulos como “Soireé” na Praça XV ou Serenata no Coreto - clara alusão à praça 7 de Setembro, Serenata de Câmara - onde há uma concentração quase barroca de metáforas musicais. Sem dúvida, a mais inspirada, a joia, a que equipara a morte ao silêncio : “ quando a música começa”.
Me despedi de seu irmão mais moço, Deoclécio, com o silêncio de chumbo que se seguiu ao Tico Tico no Fubá. Teria também me agradado se tocassem Trenzinho Caipira durante o funeral ou alguma balada de Edith Piaff ou Ray Charles ainda Trio los Panchos, que foram as vozes entre tantas de alguns dos chansonniers que amenizaram os anos centrais de sua vida no exílio, primeiro em Santa Cruz de la Sierra depois La Paz, por fim Barrinha mas antes Jardinópolis. Podia ser alguma melodia, alguma zabumba e um sininho que o fizeram alguma vez dançar com Raimunda, que já o espera a tempos.
Faz uma semana ou menos, recebi um telefonema de Deoclécio. Ele me dizia que lendo as minhas postagens na rede, deduziu que a música não era minha paixão, tara, e que havia uma lacuna no meu passado musical, justamente, por não haver sido dono de uma qualquer discoteca. Consenti. Então me ofereceu a coleção de discos, que Tengo Miedo foi acumulando ao longo dos anos e que não poderia levá-la para seu apartamento, onde sua mulher disse que não cabia, pois a decoração era prenhe de um outro conceito, mais moderno. Novo conceito. Pardelhas! Disse e aceitei, também pela honra de ele haver pensado em mim – inda pareceu inadequado recusar - e curiosidade, nem tanto para meter a agulha, de meu velho toca disco Gradient sobre o surco espiralado do bolachão.
Ainda pensava aonde guardar tamanho tesouro, quando ouvi que batiam palmas, era Deo com centenas de long plays amarrados entre tiras de pano, outras centenas na mala de couro, cheia, de não poder fechar o zíper completamente. Pensei em passar alguns para CD, em montar o toca discos, encher o pen drive...
Resta mesmo é a curiosidade de descobrir que música, Tengo Miedo, ouvia para acompanhá-lo nas horas de leitura, por exemplo; quando se trancava no escritório a pensar em redondilhas, em Raimunda. Agora tenho em casa a trilha sonora de uma vida, que não é a minha. Clássica, ópera, bastante jazz, crooners como Sinatra e Nat King Cole. Ray Charles todos. Trio Los Panchos, Índios Tabajaras coisas do exílio paraguaio. A “chanson” francesa representada por Edith Piaf e uma pequena joia, um álbum duplo de Rina Ketty, J´attendrai que por certo Tengo Miedo ouvia enquanto lia pela milionésima vez os versos de Fernando Pessoa: A Tabacaria.   

17 de nov. de 2011

A árvore da vida. The Tree of Life.



Sabemos de Gênesis: ...Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente...

Sabemos que no judaísmo a “árvore da vida” é um dos mais importantes símbolos cabalísticos.

Sabemos que houve um filme com os jovens Montgomery Cliff e Liz Taylor com o mesmo nome em português, mas Raintree County, originalmente. Por hora.

No filme The Tree of Life de Terence Mallick , a cinética do claro escuro, remonta Glauber Rocha, a câmara intrometida buscando a "ânima" das "personas", mas um Glauber palatável. A interpretação tem muito de José Celso Martinez, seu teatro degustador de pequenos prazeres cotidianos ao alcance dos cinco sentidos, com uma vontade louca que transcenda, isto é, exceder em importância: deixar-se molhar pelo chuveirinho de regar grama. As mãos que se palmeiam tendo por superfície de contato o cristal da guilhotina de uma janela. Mas o final é puro José Celso Martinez. De alguma maneira, maneirismo, ou afetação, mas isso é muito forte e não vem ao caso.
Há instantes de MMV movie maker video, e talvez por isso suportei tais trechos, afinal todos fizemos algo no mmv, com imagens grandiloquentes com óperas, músicas clássicas como trilha sonora. Havendo um senão, que é uma escolha intensamente sacra, religiosa. Levo em conta que a maioria das músicas o são, religiosas, mas o paganismo é também uma religião, no filme sua música referencial está esclusa. Resta o ruido, um ruido que também é auto referencia cinematográfica, posto que jamais ouvimos o ruido do cosmo, o ruido (trilha sonora em Arvore da vida) quer nos dizer que é um pulsar cósmico e assustador.



Do país da Auto Ajuda, é natural que estejam presentes  essas técnicas  e inoculadas na família retratada, sem exageros. Assim podemos ver o pai levar serenamente seu filho “bem pegado pelo braço, sente-se a pressão da mão de O´Brien (Brad Pitt) no braço do filho – como dizemos: (Hunter McCracken) o Jack garoto trabalha para caráleo - “ a questão aqui não é apertar o braço do filho, pois a serenidade é que é eloquente, ainda que bruta, mas serena, e esta só é alcançada com a posse da certeza, não uma certeza qualquer, mas a certeza absoluta de que a razão está com ele, certeza que por sinal soe ruir, quase que sem exceção, na vida real.
O núcleo familiar é tão real que incomoda, espelha, emociona até o oitavo círculo dos infernos familiares. Mallick não comete nem um pecado. já que tão religioso, poderia. Não há defeitos em mostrar, encenar uma “realidade” de maneira tão real e apavorante, mas faz promessas, missionariamente, se intencional ou fruto do inconsciente, não importa: Terence Mallick não informa dela, mas como toda apologia, ou toda indicação de melhor caminho, beira o charlatanismo. Mas pela ingenuidade das soluções, tomo-as como referências de uma obra fechada dentro dela mesma, que se auto remete, ainda que em possíveis e determinados círculos possa ser tomada como apodítica.
Em determinado instante a câmara abandona o celeste, e se mundaniza, para dar uma visão de mundo do autor “Weltanschauung”, então ela sai\vai  em\de cima, de dentro da (Jessica Chastain) Senhora O´Brien a tomada oprime, a música sacraliza a opressão divina, em troca de algo, que não sabemos pois  é só o começo e vamos até o fim, ainda que seja para "tomar pé" (raso) do filme, que é auto referente, se diz de si,  é mais uma gota nesse oceano de misticismos e obscurantismos de nossos dias.


E Brad Pitt diz ao filho em instantes de autoajuda.

- Controle teu próprio destino e acrescenta:

- Não podes dizer: Não posso, e prossegue: Me está custando, mas ainda não acabei, e soma: Não diga não posso.

Sean Penn é Jack adulto arquiteto, recorda de Jack (menino) com raiva de deus, do próprio pai, diz: Porque nosso pai nos faz mal.

Terence chega a descobrir da irracionalidade da vida, sem tangenciar sequer a natureza humana. Talvez queira nos dizer, via problemas de O´Brien, mais que amemo-nos como vos amei, e insinuar o “fim”do capitalismo? Talvez nos diga que o abandonemos, mas não creio nessa superficialidade com cara de lobo ingenuo que de seguida deposita nas mãos da esperança a própria esperança. Deus. O retorno a teologia do medievo, como esperança.

Superficialmente em linguajar esquerda leninista: um filme ideologizante e feito sob encomenda, por quem não sei, ou  uma bula autoajudista, para a tomada de consciência da catástrofe que se avizinha, e nada melhor que amemo-nos uns aos outros, mas não tão irracionalmente como naturalmente nos temos amado, ou seja extirpando o ódio, a competição, o amor (propriedade, posse) não tem nada a ver com os problemas de desamor do homem!
Um grande filme, oferece resistência e tem a matéria plástica da arte que é a intuitividade do artista.
Muita coisa não se explica no filme, porque nem em tomos e tomos de pensadores e defensores reais de tal pensamento ou ideologia, ao longo de séculos, tampouco conseguiram se sustentar, mas enfim, dado que o materialismo-histórico-dialéctico parece banido do planeta, é o que se tem.

15 de nov. de 2011

Rio, Rocinha é mistura azeotrópica.



Um dia de Bar Bye conheci uma garota carioca. Na época vivia a famosa, “hoje”, politica do “possível”. Explico. Eram duas garotas. Uma ruiva, ribeirão pretana e sua amiga carioca. A carioca era visita, ulula. A ribeirão pretana era o must. A carioca era gordinha. Ninguém era feio, éramos jovens, para que ninguém se ofenda. Mas havia os bonitos. Me candidatei à ruiva, encantei a carioca, com quem fui ao Rio pela primeira vez. Havia um problema qualquer na família dela que não vem ao caso, mas, ela, muito jovem tinha, só para ela, um Apê na Visconde de Pirajá, duas quadras do Posto 9. Ela tinha com a mãe lojas num Shopping, que não me dei à faina de ir conhecer, pois ela me disse que era chato, o local, e que tinha coisas para resolver, e que eu me “virasse” até nove da noite, quando então chegaria. Era semana anterior ao carnaval de 1982. Semana que saem os blocos: Simpatia quase amor, Banda de Ipanema, Suvaco do Cristo etc. De manhã, sem ser madrugada dava praia, meio da tarde e tarde: blocos, bar Bofetada ( antes que toda a Farme de Amoedo, e particularmente o Bofetada, fosse invadido pelo “mundo sarado mundial”). Posto o clima, o tempo histórico a geografia, conto que:
Num dia vadio, qual havia saído do Apto depois de voierizar pela janela do apartamento do edifício ao lado uma “transa sexual”, fui ao Posto Nove dar um mergulho, com minhas pernas brancas, meus braços e pescoço negros do sol da então capital do café, um calção preto, justo, como os dos jogadores da Seleção de Tele Santana, lembram como eram “curtinhos” os shorts, fiz amizade: primeiro com um cara que vendia camarãozinho no espeto e gritava: é da maínha! ( em 2005 soube de sua morte), depois fiz amizade com três “coroas” eu tinha 23 Elza 30, Ana 35 e Adalgisa 45 tudo mais ou menos, mulher só com C 14, eram funcionárias públicas em Brasília, usufruindo do recesso parlamentar e cariocas da gema. Saímos do posto Nove para o Bofetada.
- Oh paulista! Temos que ir antes que o Bofetada não tenha mais lugar. Diziam. No bofetada ocupamos uma mesa de calçada. A calçada ali na Farme é larga, a mesa se estendeu, na maioria novos conhecidos, até a sarjeta, e cantávamos... “ Bum Bum Paticumbum prugurundum....”
Quando a Cris chegou, primeiro sentou na minha perna, mas logo encontrou-se uma cadeira e a festa continuava, eu adiei alguma conquista, pode ser, um utensilio qualquer, mas a praia era toda minha, pensava.
Um garoto. Filho de Bidin. Filho do Bidin. Du Bidin. Dez anos! Pode ser! Se aconchegou à Cris. Ela o acarinhou. Deu inclusive ordens e me apresentou. Ele definitivamente não gostou de mim. Depois veio seu pai e outros habitantes de algum morro que não me recorda. Tudo foi tratado, algo me inteirei, não por inteiro, por suposto, fomos quase toda a mesa para o apartamento da Cris. Eu queria voltar para o Bofetada, pois já não era centro de nada, e via minha praia, gordinha, a dar narizadas. Era muito neura, e o mais importante era a racionalidade, ainda que neurótica, e com o pó perdia esses pressupostos, ou melhor dito, todos os pressupostos que eram: Cris, o posto Nove de manhã, o Bofetada a tarde e o carnaval. Mas descobri que era bacana também quando esnifava, tinha conteúdo e um humor cítrico. Passado o medo de perder minha praia e descemos novamente ao Bofetada, Du Bidin me recebeu com pedras na mão. Pagou-se chopes ao povo do pó e mais alguma coisa devida... No dia seguinte no posto Nove, nos pusemos todos ao lado de onde havia hasteada uma bandeira do PT, comprei uma estrelinha para o meu calção curto, bebemos e tomamos sol, minhas pernas estavam vermelhas e conheci Bidin o pai. Du Bidin e eu construímos um castelo de areia, que ele chutou para acompanhar seu pai que ia de mãos dadas com Cris. Mais tarde aceitei o convite de Elza de me mudar até quarta-feira de cinzas para Copacabana. Elza e eu compramos na manhã seguinte, no mesmo Posto 9 uma fantasia, amarelo canário, da São Clemente, então escola da segunda divisão, que usei na madrugada na Marquês de Sapucaí e Bidin apareceu para municiar o pessoal e a Cris me perguntou para que eu havia deixado Ipanema. É o Rio onde o bem e o mal se resolvem e se complicam nas areias da zona Sul, no mesmo ponto de ebulição.

14 de nov. de 2011

Do nada, o medo do escuro.



Alguns de nós tememos a escuridão. À noite, necessitamos nem que seja o brilho de um stand by, para quando abramos os olhos não tenhamos de ver o escuro, ou o que é o mesmo que dizer, necessitamos de uma fronteira a delimitar o caos dos sonhos, sono da vigília, basta o encarnado das pálpebras fechadas, contra a luz, como se fosse uma tela ou o mundo que adquire forma sob qualquer luz. O medo do escuro, ou dentro dele, é atávico em nós. A maioria das tradições consideram as sombras o estado primitivo da vida, lá onde reinava o caos, antes que aparecesse a luz, e por consequência as sombras, e por obvio o dualismo elementar, e a matreira identificação com o bem e o mal.
Porém nem sempre a dor reside na escuridão, segundo crenças, pode para uns ser o caminho místico rumo as origens, para uma forma de pureza.
Mas não queremos purezas, queremos somente o sentimento de segurança, longe da escuridão, porque no caos há a desordem, e na sombra é onde bate o coração daquilo que não podemos controlar, subjugar, com nosso implacável raciocínio, que pode justificar qualquer coisa.
Nos filmes de terror as casas estão sempre na penumbra, os malvados vestem cores escuras, os planos são fechados, metade da personagem fora do alcance dos nossos olhos de espectadores, que nas camadas obscuras da nossa mente havemos de imaginá-la, no que falta.
Nos livros uma voz soturna, nos apresenta as características tipicas de uma mente sinistra e perturbada, mas sempre muito atraente, seguimos em frente, porque há poucas coisas piores que a previsibilidade e o escuro.
Como num quadro, o escurecer, o céu nublado, a lua que advínhamos embotada, o firmamento em profunda escuridão que nos assalta por um momento, a chuva insistente a golpear o telhado ou a nossa cabeça se opondo a nossa vontade de silêncio e de nossas janelas, o agourento relâmpago e seus augúrios, a falta de luz, a água do céu... Procuramos a cegas o conforto no lar, fugimos do ruido do mundo, alguma melodia que nos nine, uma vela que nos ilumine, mas cada fim de dia nasce uma nova escuridão, aterradora, e da escuridão explode o dia pronto a fazer-se ver, ao fim e ao cabo, na noite dos tempos sem nos darmos por isso, estaremos de olhos abertos às portas do nada.


13 de nov. de 2011

Evasão.


Até parece que foi ontem, sentia uma força, diria gravitacional por não ser capaz de criar ou nominar a atração, da ligação de atração, ou origem, salvaguarda, casamata em direção e sentido Brasil. A ver se me explico. Estava fora. Tempos. Algum ponto em mim se ligava ao Brasil. Não todo o Brasil. Nem todo São Paulo. Nem toda Bonfim Paulista. Sim porque Vila Bonfim. Nem toda casa de minha mãe. Nem todo o coração de minha mãe. Mas ao mesmo tempo, todo o Brasil. E lá onde estava, estava em viajem. Ainda que estático por meses a fio, numa pousada nos Pirineus a 2300m de altitude, numa vila de quinhentos moradores autóctones, trabalhando num hotel que hospedava outros quinhentos, que na terça-feira quando se iam, deixavam um bar com visão para um vale nevado, uma noite que chegava à tarde e um dia que teimava em dormir. No bar, café, brandi e cigarros ou puros. E se alguma melancolia, lá estava a casamata, longe, lá nos confins da alma, a ensolarada promessa de uma praia, duas palmeiras balançando frente ao mar. Não me dava conta que o ônibus que fazia parada na porta do bar ia, sim ia, pois nos habituamos a ver os ônibus todos os dias a passar por nós, os aviões indo, como se fossem para onde estamos, como se São Paulo fosse aqui, por Brasil, por América do Sul, por Hemisfério Sul, por Terra, mas um dia me enchi, de ver e deixar que aquele ônibus se fosse para Barcelona, sem minha solidão a povoá-lo, dali para avião que ia para o sul, demorei menos que uma vaza de truco.
Tudo isso para tentar entender, que motivo tenho para tomar circulares no ponto da rodoviária, se há outros tão mais próximos? Talvez pela segurança transmitida de que ainda há como ir. Fugir. Esta é a ideia mais tosca. Fugir de si mesmo. Não vou procurar ideia melhor. Fugir de mim mesmo. Não quero dizer com isso que de um golpe de vento me revire a cachola e entre num ônibus e tchau! Não creio. Até o momento não tem sido assim. Mas me pergunto se um ser não tem o direito de de quando em quando dar um sumiço: vou comprar um jornal e zás! Abraços à mãe e o pai. Temo que porte no sangue o instinto fugidio, do chá de sumiço. Meu avô saiu de casa com quinze anos, para fazer fortuna no Brasil, perambulou por Santos, subiu a serra com tudo que tinha ganhado em Santos, uma concha do mar, vazia, que ele botava no ouvido, já na fazenda de café em Cravinhos para ouvir o Atlântico Sul.