1.
A terra lauta da Mata produz e exibe
um amarelo rico (se não o dos metais):
o amarelo do maracujá e os da manga,
o do oiti-da-praia, do caju e do cajá;
amarelo vegetal, alegre de sol livre,
beirando o estridente, de tão alegre,
e que o sol eleva de vegetal a mineral,
polindo-o, até um aceso metal de pele.
Só que fere a vista um amarelo outro,
e a fere embora baço (sol não o acende):
amarelo aquém do vegetal, e se animal,
de um animal cobre: pobre, podremente.
2.
Só que fere a vista um amarelo outro:
se animal, de homem: de corpo humano;
de corpo e vida; de tudo o que segrega
(sarro ou suor, bile íntima ou ranho),
ou sofre (o amarelo de sentir triste,
de ser analfabeto, de existir aguado):
amarelo que no homem dali se adiciona
o que há em ser pântano, ser-se fardo.
Embora comum ali, esse amarelo humano
ainda dá na vista (mais pelo prodígio):
pelo que tardam a secar, e ao sol dali,
tais poças de amarelo, de escarro vivo.
A temática social em João Cabral é explicita ou velada,
mas antes de mais nada é o espanto do poeta diante da
realidade. O poeta João Cabral trava com a realidade uma
luta em que sempre saí derrotado, e o poema é sua derrota,
ou noticia dessa derrota. Em “Os Reinos do amarelo",
que aparece na 3° parte do livro “Educação pela Pedra”
apresenta uma tensão onde os contrários criam uma
cromática em tons do amarelo. Vai percorrendo os amarelo
possíveis, do amarelo vivo da 1° estrofe,
“o amarelo do maracujá e os da manga ,
o do oiti e do cajá
amarelo vegetal,alegre de sol livre,”
até:
“tais poças de amarelo, de escarro vivo.” o amarelo biliar e
ranhoso do homem cozido pelo sol e pelas injustiças, ai o
escarro é vivo. O homem é excremento. Eu posso dizer, João
Cabral, não, pois não fazia retórica, essa é artimanha minha.
Assim chegou (Ele) ao limite do suportável.
São passagens de realismo brutal, o poema todo é uma
expectoração. Mas não se trata de menos apreçar o homem e
sim a passagem daquele homem\amarelo para o
poema\quadro\pintura\amarelo não há combinações
possíveis na paleta do poeta, senão o próprio ranho, escarro e
a bile.
A realidade era esta, o poema nesse caso não é mera mimese,
é plágio puro da realidade.
A primeira estrofe dedicada ao reino vegetal, enfatizando-
lhe o caráter vivificante, que faz do sol a matéria de sua
exuberância até permite um certo naturalismo "dada" e
tropical, se essa coisa é possivel.
Na segunda o amarelo é outro, “amarelo aquém do vegetal, e
se animal, de um animal cobre: pobre, podremente.”
A segunda estrofe estropia o amarelo e ele perde o sentido
vital e nela não só prestará a caracterizar o homem “de ser
analfabeto, de existir aguado”, mas o materializa com a
matéria mesma dele homem que rompe-se sobre a tela em
relevos líquidos, pegajosos de viscosidade assustadora.