3 de nov. de 2010

MESOCANAVIÁLIA.


Ao Mestre Golfeto.

Não se trata da morte dos debates ideológicos, sim de supressão temporária, ou se quisermos: um reordenamento de arqueiros e suas flechas utópicas despontadas. Por havê-las lançado contra muro inexpugnável - Este não cai – o das injustiças eternas. Desde já ideologias e debates são instrumentos necessários - não arcabouço mas sim esqueleto - ainda que não suficientes para romper a indignidade fossilizada.
O capitalismo é jogo de vencedor e também de seu pressuposto, o vencido. Há a pieguice de que dinheiro não compra tudo. Que o rico também chora|sofre. Um monte de bobagens que faz parte do pacote. Psicanalise inclusa. O dinheiro compra o que não existe e a abstração disso. E em não havendo aquela ou este, por incapacidade artística, importa da Xauxa ( o país das maravilhas dos Quéchuas ).
Sem medo de falhar, pois axiomaticamente: Sou ação ordinária com direito a voto (redundância exigida) deste todo mercado que falha em mim. Qual Deus está em toda parte e nenhuma. Neste sentido, de nenhuma parte, de ausência, cavo como o inseto drumondiano: mesocanaviália, onde o que funciona é o infra mercado. O que subjaz. O res do chão. As migalhas. O que se junta com a vassoura. As letras miúdas. Sua chalaça. Excetuando a cana e sua cachaça, que adormece em cada ribeirão-pretano a doçura de se sentir um pouco usineiro|capitalista, ainda que pela palha queimada trazida pelo raro nordeste a emporcalhar nossos quintais.

2 de nov. de 2010

DISCRIMINAR. Textos.

Uma coisa é a tragédia e a comédia humana. Qual coisa não exclui os cariocas, nem lhes faz diferentes. Salvo as gloriosas exceções que reforçam a regra. Outra coisa é a tragicômica realidade social carioca e, tampouco nisto há diferenças substanciais frente ao todo da República Federativa. Arnaldo Jabor produz um texto quase líquido para depois de forricar-se, anunciar que mesmo assim de calças arriadas lutarão (inclui os desvalidos) contra a anti-heroína de seu catecismo. É a eterna busca, peregrina, de um homem obstinado a ser Carlos Lacerda.
Num texto permeado por vocábulos como: pistilo, pétalas, corola, gineceu e estames inserirmos a palavra “rosa” não há como fugir da flor. Mas se a tessitura é tricotada por: cheiro, beleza, pétalas, suavidade, flor, lábios e rosa: é difícil fugir da conotação mulher.
Exemplo. Passei pelo chiqueiro, joguei umas espigas à porcada, a lama havia de retirá-la, os cochos lavá-los, uns leitões chafurdavam incorrigíveis, mal ouvia o que mamãe dizia: sim estão gordinhos. Matar um leitão! Gritei. Não! Gritava mamãe com o telefone na mão agitada: é a Miriam Leitão. Mas ninguém se incomoda com os argumentos ontológicos.

1 de nov. de 2010

DISCRIMINAR. Aforismo.

FHC. A maioria não gosta (dele) por não entender o que ele diz ou disse, já os demais gostam justamente por isso.

Lula. A maioria gosta (dele) por entender o que ele diz ou disse, já os demais não gostam justamente por isso.

DISCRIMINAR. Culpa difusa.

“Riobaldo, não se
matou a Ana Duzuza... Nada de reprovável não se fez...” –
falou. E eu não respondendo. Agora, o que era que aquilo me
importava – de malfeitos e castigos? Eu ambicionava o suíxo
manso dum córrego nas lajes – o bom sumiço dum riacho mato
a fundo.
João Guimarães Rosa.

A educação formal,ou não, visa estabelecer fronteiras comportamentais necessárias. Tanto à convivência pacífica como a produtiva no tecido social. Estas zonas fronteiriças sempre estiveram no centro do debate educacional. Os horários, a rigidez, a presença, a atenção e o controle são atos de um ordenamento que conforma o dado civilizatório e adequa o indivíduo ao processo produtivo e social.
O fim da ditadura foi acompanhado da também desestruturação do núcleo duro da família, automática e instintivamente. A ditadura, os pais e os professores batiam . A igreja recomendava. Era feio apanhar, mas não era feio bater. Assim passamos da submissão familiar e social quase total a uma total insubmissão.
O professorado paulista não participou do processo de lutas reivindicatórias, iniciadas pelo operariado paulista. Por não participar não se organizou. Por vários motivos. Dos mais mesquinhos: por presumirem-se classe especial, ao mais nobre, por serem no exercício do seu quefazer efetivamente uma classe especial. Aqueles professores em geral pertenciam a famílias tradicionais, donos de propriedades, comércios e possuidores de outras fontes de renda. Também no atacado eram mulheres, que não dependiam exclusivamente daquela fonte de renda.
A classe média e alta ribeirão-pretana fugia da rigidez e alto nível, - do Décio Setti grande professor de física - do O. Mota para as escolas particulares para-passar-de-ano.
Até então as escolas particulares tinham fama e eram diferenciadas e reconhecidas negativamente perante as estaduais. Por outro lado o vestibular motivava a concorrência entre aquelas. E rapidamente o quadro se inverteu. Ao mesmo tempo em a ditadura arrefecia, abrandava e surgiam as primeiras greves no ABC.
A democratização da educação formal, significando maior contingente de educandos, fazendo que a classe média, no uso do direito de se auto segregar – hoje muram o neo-feudo - , migrasse definitivamente para a rede particular. A migração de professores à rede privada pelos melhores salários. A perda de autoridade do professor ( fim da punição enquanto método). Substituido pelo descaso. Que é a pior punição possível. O acirramento da luta por vagas nas universidades públicas. A não substituição dos então valores de classe média por outro qualquer. A consequência desta ausência de valores. A irrelevância do ensino face aos salários praticados no mercado terciário. A mesma insignificância destes salários para os docentes da rede pública. A alta frequência na implementação de mudanças de conteúdo, contexto e metodologia imprimidas à educação estadual nas duas últimas décadas, sem tempo sequer para pensar, que dirá ser. Este conjunto não poderia mostrar cenário mais desolador. Eu não creio em culpa, mas ela é difusa.

19 de out. de 2010

DISCRIMINAR. a natureza da propriedade privada

Disse Calderón de la Barca que a vida é sonho.
Degustaçao.
Sueña el rey que es rey, y vive
con este engaño mandando,
disponiendo y gobernando;
y este aplauso, que recibe
prestado, en el viento escribe,
y en cenizas le convierte
la muerte, ¡desdicha fuerte!
¿Que hay quien intente reinar,
viendo que ha de despertar
en el sueño de la muerte?
A vida é uma invenção humana e como se apresenta, desumana.
Se alguma força vem assomar meu pequeno reino e me despoja de tudo que pensava meu, e por força passa a outro pertencer. Tanto não era meu, como dele tampouco será, havendo alguém mais forte, e é regra a existência de um mais forte a exceção é a que não me despojassem.
Qualquer norma regulamentadora para o dito acima será a regra de uma exceção. Dito de outra maneira seria generalizar o particular em detrimento do geral, exceção pela regra. Tal coisa faz parte do mundo do pesadelo. Sendo um pesadelo um gênero da espécie sonho.
Recreie-se com jgrosa Ah, naquele tempo eu não sabia, hoje é que sei: que, para a gente se transformar em ruim ou em valentão, ah basta se olhar um minutinho no espelho – caprichando de fazer cara de valentia; ou cara de ruindade!Suavemente digo que as tais regulamentações estão ai por toda parte como moldura barata para pintores despojados das minimazissimas orgulhosidades humanas necessárias e suficientes.
Deus foi um dos regulamentos. O poder divino. Depois como o pessoal passou a não dar muita bola para deus, veio o tal do cercamento, lá na Inglaterra gloriosa. A cambada foi expulsa do campo, preterida a ovelhas. Começava o estado de direito. O estado de direito é o direito do estado. Temos de saber quem é o estado. O estado é a propriedade. Não existe propriedade sem estado nem estado sem propriedade.
Recreio. Machado de Assis. Memórias Póstumas. - Não, senhora – replicou a Razão -, estou cansada de lhe ceder sótãos, cansada e experimentada, o que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar, daí à de visitas e ao resto.”A mim toca dizer: Deus e o Estado de Direito não se afogam. É mais provável o pato Donald se afogar que tais entidades impiedosas.
Dai o pesadelo que é viver na vida da exceção. Se viver é sonho, quantos sonhos podemos sonhar. Quantas formas com suas cores e seus sons e seus pães de queijo poderíamos sonhar quantos recheios para estas formas! Mas não.
Não.
Recreio. Albert Camus. O Mito de Sísifo.
Nunca vi ninguém morrer por causa do argumento ontológico. Galileu, que sustentava uma verdade científica importante, abjurou dela com a maior tranquilidade assim que viu sua vida em perigo. Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira. É profundamente indiferente saber qual dos dois, a Terra ou o Sol, gira em torno do outro. Em suma, uma futilidade.”

18 de out. de 2010

DISCRIMINAR. O nome.

Por aí, extremando, se chegava até no
Jalapão – quem conhece aquilo? – tabuleiro chapadoso,
proporema. Pois lá um geralista me pediu para ser padrinho de
filho. O menino recebeu nome de Diadorim, também.
joaoguimaraesrosa.
Se se tem alguns amigos que têm como nome José, em algum momento terei que discriminar. Quando falo a um amigo não-José, de um amigo em comum no caso um dos Josés fatalmente terei de discriminar.
José!
É o Zé Mazagão, ou Zé de Jurucê, ou o Zé irmão da Ana. Direi.
Quando em 1975 ingressei no Colégio Otoniel Mota, onde ninguém me conhecia e vice-versa.
A Bonagamba disse: de Bonfim! De que Família!

Eu disse dos Galvão.
Pensava então que ela conhecia Bonfim e suas famílias. Que nada! Era um hábito da classe média ribeirão-pretana, o de perguntar de qual família...
Assim o sobrenome ou nome de família e outros nomes adjetivam-te, discriminam-te.
Há pessoas que têm nomes próprios em si discriminadores. Aparecido, Juviniclaudete, Ivanhoilso, Etc etc. O que vem a poupar o interlocutor da necessidade de mais informações a respeito dos Sans-Culottes.

17 de out. de 2010

DISCRIMINAR. A propriedade.


Belo um dia, ele tora. É assim. Ninguém discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção. Eu, isto é – Deus, por baixos permeios...

joaoguimaraesrosa.


O direito a propriedade no estado de direito, e o direito desta no estado de não-direito.
Pensar a apropriação de uma gleba é tão absurdo quanto do planeta Vênus. E não devendo adjetivar ou quantificar o absurdo, talmente é a hereditariedade quaisquer de gleba terrena ou planetária.
Economicamente a propriedade existe como objeto essencial à produção, como o é o lucro, o trabalho, a matéria prima, o consumo, o capital e o juro. Todos estes elementos só podem ser afirmados como frutos da atividade social. Os bilhões de trilhões de cruzados novos incinerados pela casa da moeda não faziam sentido nenhum diante da nova moeda. Assim como as vastidões dos cerrados, pastos, habitados por meia dúzia de vacuns, nada podem e delas nada diremos senão que da miserabilidade do indivíduo à elas atado. É o mesmo que alguém possuidor, no ano de 2010, de metros cúbicos do cruzado novo.
De outro modo, a propriedade faz muito que existe. Tal não quer dizer que seja natural. Quer que se pareça natural, e isto é outra historia. Ideologia pode ser. Na realidade onde o couro curte, não range a rede, e a base real da propriedade foi a seu tempo a força, hoje o estado de direito.
Tópicos para melhor discriminar.
A produção de qualquer objeto envolve todo o capital acumulado por uma determinada sociedade ao longo de sua existência. O Capital humano cientifico, de habilidades, língua e costumes, educativo e sua ausência etc.
Ao produzir um poema, tomamos da língua sua sintaxe, semântica, denotações e conotações, estas fazendo sentido somente dentro um contexto social especifico. Veja que os portugueses denotam mais que conotam o contrário de nós. Portanto ser proprietário de uma conotação típica do brasileiro em Portugal é o mesmo que ser proprietário de Orion.
A sociedade não é, ainda que erroneamente se queira afirmar, a soma de individualidades. Na verdade ao indivíduo é tão-só permitido constituir-se partindo de uma sociedade. Se este indivíduo despojar-se de tudo que nele é social, outro não será que nada. É a síntese de O Estrangeiro de Camus.
Os hectares não são diferentes dos poemas. Assim como os poemas são apropriáveis. E isto é tão-só possível hoje pela lei (estado de direito) antes à força.