17 de ago. de 2016

Carta a Glenda.

Carta a Glenda!

Faz dez anos que nos fomos. Isso é muito tempo sem te ver. Ficaria lindo e perfeito se fosso assim: “Hoje faz exatamente dez anos” ou algo assim, mas, honestamente, não me lembra a data exata. Creio que foi, mais ou menos, no inverno, uma quermesse, talvez você se lembre.
Nos primeiros dias tentava gravar algumas coisas na memória. Aquelas que ainda não havia te contado. Antes que eu tivesse ido, nos contávamos tudo. Suponho que sentíamos algum vazio e queríamos enchê-lo. Como essa gente que enche a casa de filho. Me parece que nessa época tinha esperança de voltar.  Agora já está tudo tão longe. Também, se passaram dez anos. ( E se você ler isso, verá que ainda não amadureci). Me lembro dos fatos principais, e de alguns momentos particulares, mas os sinto como quando encontro algum texto que não lembrava ter escrito, igual a quando minha mãe que me ligou perguntando o que era aquele frasco, que encontrara quando botava ordem no quartinho, “tá escrito poção mágica”, penso que é dos meus doze anos, não lembro mãe, mas deixe guardado!
Bom, penso que dizia que no começo queria gravar as coisas na mente; mas em seguida começaram a se acumular; eram muitas recordações, ultrapassaram a massa crítica, pensei que a melhor forma de conservá-las fosse começar a escrevê-las. De cara pensei em mandar uma carta diariamente. Bem que me lembro que adorava receber cartas.
Então, assim comecei a escrever o diário e assim fui fazendo. Agora deve estar se perguntando  por que nunca os enviei. A resposta é que sou um desastre. E me é muito difícil que esse tipo de hábito frutifique. Para essas e outras nunca fui disciplinado. Quantas vezes disse ; A partir de hoje vou correr todos os dias” , e não durei dois dias.
Até  comecei, religiosamente, mas sempre surge alguma obrigação que impede a indústria, ou serve como desculpa, e quando se interrompe por um dia, logo esculacho tudo. Assim de diário foi a semanário, e ao fim de alguns meses, o abandonei.
Agora já passou demasiado tempo, e todas aquelas coisas que planejava te dizer acabei esquecendo, ou estão obsoletas, ou caducadas. A quem pode interessar o cotidiano de dez anos atrás? Ainda que sejam coisas que não foram ditas no calor da convivência!
Acho que já não faz sentido te mandar as coisas que escrevi. ( Melhor que fiquem na gaveta do meio, espécie de limbo). Mas ao menos gostaria de te dizer que as escrevi. Havia uma montão de coisas para falar, perguntar, que me houvesse gostado que as respondesse. O tempo faz com que qualquer sentido se perca ou em nenhum momento tenha feito sentido compartilhá-las. Talvez, nenhuma forma de comunicação faça sentido. Talvez o melhor mesmo seja esperar pela ação do tempo, que as devolva à insignificância.  Talvez essa carta não faça sentido.
Talvez não te a mando! 

15 de ago. de 2016

Clean up woman
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Hoje decidi atacar a Dinamarca. Por quê? Ora por quê! Porque já cheirava. Os daneses me levaram a um praticar um difícil  combate. Comecei achando que era a geladeira. Usando táticas de guerrilha, e na verdade, seguia o conselho de Sun Tzu. É um livro fantástico, segundo como o toma. Foi idealizado muito provavelmente para a guerra, mas já no século passado virou livro de cabeceira de manager de grandes corporações, aonde o alvo é o consumidor. Ria, pois rio. Mais recentemente foi usado por um treinador de futebol, e a coisa acabou na batalha das alterosas, o vexaminoso sete a um. Eu, tomado da necessidade de enfrentar a Dinamarca e seus daneses, passei a lê-lo, enquanto cozinhava algo, in loco. Como dizia, enfrentei cada batalha, a geladeira, o fogão, a coifa, a pia, os azulejos e por fim a ucharia. Todos caídos. Amanhã enfrento os ingleses, a começar pelo vaso!

Infâmia

Infâmias.
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Pierre Laval foi primeiro-ministro francês, nos anos 40-42, do famoso regime colaboracionista de Vichy, foi condenado à morte em 1945. Símbolo da infâmia, permitiu que milhares de pessoas que residiam na França fossem deportadas e exterminadas. Laval que fora socialista, a começos do séc XX,  aos poucos foi se convertendo ao conservadorismo, e nos anos trinta do mesmo século  já respondia chamada na extrema direita, foi então se fez nazista. No seu julgamento, argumentou que havia permitido deportar as crianças, por razões humanitárias, não quis separar os pais dos filhos. E porque também havia espaço suficiente nos vagões dos trens, normalmente usados para animais. Então, bastava parecer, tão só parecer diferente, cor, religião, língua, crença origem, ideias, comportamento, doenças... este século tinha tudo para pôr fim à barbárie, e nos entendermos. Mas não é assim. Assistimos conflitos em que os generais são executivos nos escritórios e as vítimas cidadãos, que de um dia para o outro se vêm expulsos do que pensavam ser o paraíso. Tratados pior que animais, são espetáculo por uns dias nas TVs do mundo.
Em qualquer conflito sempre há os que pensam que têm mais razão que os outros. Pobre ilusão,  a razão o tem aquele que provoca o enfrentamento para viver dessa miséria.

13 de ago. de 2016

Tenho muita sorte dentro do azar!
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Um dia abri a caixa do correio e lá estava ela, a carta. Diria que a li de trás para frente e de frente para trás infinitas vezes. Estava bem escrita – não esperava menos dela –  e era muito interessante. Mas não entendia nada. Falava de tudo e nada. Tentei ler entre as linhas alguma mensagem,  que fosse única e para mim, onde explicasse por qual razão, entre todos os habitantes da terra, me tinha escolhido como destinatário. Não soube encontrar. Na minha livre interpretação, aquela carta dizia: “ Meu! Foi só uma trepada!”.  
No entanto, não sabia que aquela seria a primeira de muitas, muitas cartas. Tantas que geraram uma necessidade nova, abrir religiosamente a caixa de correio. Verdadeiros tesouros literários, mas “O que  queriam me dizer?” me perguntava. Insistia em procurar algum indício, pequeno que fosse, sem sorte. Conclui que havia se encontrado com o seu perfeito leitor, e de passagem me compensava da usa desaparição.
Não respondi nenhuma carta. Mas no dia que ela fazia 30 anos, lhe enviei um buquê de rosas. Então ela me telefonou e saímos.
Na primeira carta depois deste encontro, me disse que negaria tudo, inclusive negaria que houvesse me explicado os seus segredos, me beijado ou acariciado. Por fim diria que havia sido um sonho. Mas eu estava ali,  e recordo de tudo, perfeitamente,  e até uma frase dela que sempre quero encaixar em alguma conversa, “ tenho muita sorte dentro do azar”...

12 de ago. de 2016

Porteiro.

Desço degraus de pedra da caverna.
Cova que é olho de ciclope
Desço degraus trás degraus
Paro à porta, e já se fora
O ilusório, o amor
Nuvem sempre mudança que
Dissipa.

Dez para as dez saio.
O homem ao pé da porta.
Está por mim ao pé da porta
Troca de nome, mas é o mesmo
Troca de chapéu nunca dorme.
Não que me impeça a passagem
Desde sempre e antes está em cada porta.
Saio evitando-o.
Olha dentro dos meus olhos
Não me diz palavra
Mas imagino a inquisição.
Como é, você sabe, que um pisão
Arruína a delicada vida da formiga.
Sei que me equivoco conjugando os tempos. E faço aparecerem as sombras, gritaria de bocós.
Áspera língua que com seus beijos
Lixam minha garganta.
Minha pele eriçada, cruzo túneis
Sinto que já fiz essa rota.
Já sei, não me diga nada, cê tem razão.
Não me obstruí o passo, quebra o chapéu.
Já me pesa o embornal de despistes.
Inútil tentar.
Sempre que tarde.
Sempre tudo mal.
Sempre o veneno amargo.
Língua voraz sulca
Outro crepúsculo.


Vai cabisbaixo, eu sei, o cinto te aperta.
Sa  dor inquilina duma e outra vértebra.
Rabo entre as pernas murcho, se inspira
a voz atroz zune atrás  da orelha, secreta.
Não para, nem se acalma com salicílico
Ta crença besta no  baralho zap, truco
te sopram sinais imundices de feroz animal
desavergonhado,  e te deixam outro, terminal. 

11 de ago. de 2016

Meta o pé na jaca

Dê logo esse nó na gravata
Economize-nos a gaita
Calce com cabo de colher a alpercata.

Chute o pau da barraca.
 Queime com café a língua fina
Esfregue com fubá dos dentes a nicotina
Aperte o tubo insulte e faça se entregar
O dentifrício.

Chute o balde
 Não se reduza a galinha poedeira
Um ovo a cada sol  nas beiras
Que suba o pano, agarre o seu vulto

Meta os pés pelas mãos.

Anche, ai de ti canino eco
Do escroto cristalino
Oco de nem palácio de trompa
De Falópio num déjà vu
Inunde de líquido do fucking
Sexual, perpetre. Seu pateta.