29 de ago. de 2015

Lenin na Bolívia.

Corria a plenos pulmões a segunda guerra mundial, e Grigulevich, Iosif Romualdovich Grigulevich, agente soviético que participara do assassinato de Andreu Nin, do primeiro atentado a Trotsky e em mil e uma outras indústrias do gênero, assegurou a seus superiores que com 65.666 dólares converteria Bolívia numa república soviética.
Grig, assim o chamavam, pessoas de um círculo mui restrito. Adorava presentear amigos com seus livros, alguma vez o chamavam Romualdich ou Don Pepe. Entre tantos apelidos e pseudônimos que teve durante sua vida. Mas para a massa anônima, de seus leitores, se tratava de I.R. Lavretstki, sobrenome de sua mãe Nadezhda Lavretstkaia. Família modesta, caraítas, grupo étnico de judeus turcos que falam um idioma aparentado ao crimeo-tártaro, hoje reduzidos a um grupo de  três ou quatro mil falantes em todo o mundo.
Grig estava no Uruguai quando soube do aparecimento de um líder indígena revolucionário, chamado Lenin, que se julgava em condições de proclamar o Estado Soviético da Bolívia. Tudo que precisava era de 65.666 dólares. O que me parece estranho, ainda que tal valor conste do Informe Mitrokhin, é que a estranheza se dê na realidade e não na ficção. Grig também se espantou, e quis saber de Lenin a razão de valor tão justo, tão melindroso. E Lenin deixou as suas posicoes mais claras, nesse tabuleiro, tomando de uma folha de papel enrugada aonde fez as contas elementares da revolução; tanto para o suborno do chefe de arsenal, tanto para o chefe dos correios, tanto para o chefe da estação, etc. Um plano perfeito, que em lugar de armas usava dólares. Apesar de ter tudo tão claro e discriminado,  Moscou quis pechinchar o preço de uma revolução que não derramaria uma gota de sangue. Presenciamos a dificuldade da KGB em  compreender os fatos reais.  Assim, Grigulevich deveria fazer com que Lenin fizesse a revolução com 60.000 dólares. Lenin que tinha as contas bem feitas, disse que sem os grotescos, mas comprovados   5.666 dólares faltantes, não podia fazer nada. E não fez. 

28 de ago. de 2015

Morrerei em Paris com aguaceiro/ um dia do qual já tenho a recordação.


Morrerei em Paris com aguaceiro/ um dia do qual já tenho a recordação.


"Me moriré en París, con aguacero, / un día del cual tengo ya el recuerdo". E assim foi. César Vallejo é uma das muitas celebridades enterradas na capital do Sena. A Montparnasse, com Baudelaire e dignidade, mesmíssima dignidade que se nega aos 18 mortos em Osasco. Em 1593, num juízo contra 28/mulheres, acusadas de bruxaria. Em Paüls, 24 foram condenadas, e dio dia  4  ao 29 março, foram enforcadas ou queimadas, segundo a disponibilidade do carrasco. Carrasco por aqui anda aos pares, prendendo vendedores de abacaxis, denote-se e conote-se, à tardinha, trocam turno e coturno e agendam ajustamentos, sem carapuças, literalmente, fazem da inquisição, coisa deveras Santa. 

27 de ago. de 2015

A dobra do tempo!

Quando chego à fila do pão, no armazém do Zillo, havia duas mulheres. Com uma delas troco  olhares, olhos nos olhos, mais ou menos fixos. Impróprio a princípio, pois não a conhecia. Para sair do limpasse, a saúdo. Ela sorri e retribui com: bem e você?  E acrescenta que não estava certa de que eu era eu, mesmo! As palavras indicam, talvez, prudência. Maura, era irmã de um colega de colégio. Ia o ano de 76, me lembro bem da data, porque trabalhava no Cartório do Oswaldo Sampaio, vizinho de sua casa. Nos separavam infinitos cinco anos, eu mais velho, melhor dito, uma eternidade que o próprio tempo cuidou de encurtar. Apesar de que então sabíamos de uma e de outro, mais por terceiros, que por encontros diretos, estes foram se alongando até o ponto da desaparição dos contatos. Enquanto o Marquin lhe corta a rabada com a serra que não respeita  anatomias e texturas, Maura e eu colocamos nossa vida em dia, superficialmente, e assim permanecerá, ao que me parece, não aprofundaremos, está tanto em palavras como em subentendidos. Antes de se despedir, Maura que se aposentou pela 3M, se dedica a cuidar da mãe e dos netos, me fez um outro de seus sorrisos francos, ligeiramente - talvez - tristes, que o tempo não foi capaz de mudar, e me diz: ... mas aqui dentro - aponta para a cabeça - tudo continua jovem. Não entendo, até agora, o motivo de sua cumplicidade, e silenciosamente, e também com um sorriso, lhe dou razão, o jovem perdura. 

26 de ago. de 2015

Tem lógica o sonho?




Estávamos num pub em El Tarrós, à volta de uma mesa alta e sem tamboretes, de pé. Jaume passou por nós e sinalizou que já se ia, e se quiséssemos nos levaria até Bellpuig. Jaume é baterista do Husqvarna, e não íamos para Bellpuig e sim para Tornabous, que é o pueblo que queria mostrar a ela. É um sonho, mas é melhor localizá-lo. Estes nomes se referem a pueblos ao pé dos Pirineus do lado da Catalunha. Não há lógica alguma, a priori, pois estávamos em veículo próprio, quando chegamos, e a chegada não é aonde o sonho principia. O sonho principia aonde principia este relato. No entanto quando Jaume nos oferece carona, no sonho me lembrei que íamos em carro próprio. E que não passaríamos por Bellpuig, porque havíamos escolhido ir pelo Caminho e não pela estrada, porque poderia mostrar a ela alguns casarões perdidos no meio das plantações de maçãs, o que não aconteceria se fossemos pela estrada. Dentre os casarões havia um em particular, que pararia para lhe contar uma história que se passou comigo ali, em virtude de um chute de cavalo que havia me aplicado. Saímos com Jaume, que levava no banco traseiro umas oito mudas de marijuana que plantaria em vasos na sacada de sua casa. Corria muito. Jaume era o mesmo da vida real. Quando chegamos, não era Bellpuig, e sim Tornabous. E sem pular nenhum fotograma me via com ela no salão de festas da piscina do povoado. Havia um jantar. Joan veio nos receber. Nos indicou a mesa. E me perguntou por ela. Só então ela ganhou identidade. Ela estava ali o tempo todo. Não identificada. Foi uma grata surpresa. Sempre sonhei com ela. Mas acordado. Em sonhos não havia acontecido. Joan, sim, estava espantado. Porque para ele, no sonho que era sonhado, eu era cozinheiro, e não comensal. Fui saudado algumas vezes. Sentia que para eles nunca havia partido, como se a minha partida houvesse parado o tempo, que agora retomava. Outro espanto era o meu ao agir tão naturalmente, diante dela, como se estivesse com ela todo o tempo em que com ela sonhei acordado. Vou continuar sem nomeá-la. Seu nome é tão forte que não encontro paralelo para o substituir. E tenho vergonha de que por qualquer motivo ela venha ler e se identifique com esse sonho antigo, ou descubra que me sonha.      

Carta ao leitor.

Li tudo a respeito do pacto que antecedeu o 16 de Agosto, caro Gilberto Lauzi. Prós e contras. Com isso consegui uma latinha de sardinha. Diante dela usei tudo que havia lido antes, como se fosse um abridor de latas. Não sei se amo 'meu' país como você, sei que amo à minha moda, e não falo por mais ninguém, senão eu.
De todos os modos abri a lata, e, lá estavam sardinhas sem cabeças. Cantei:  "We all need education" então pensei: tudo, absolutamente tudo que pensar, precede a mim, alguém pensou, alguém viveu, alguém inventou estas palavras e as outras que virão até o fim desse insulto. Mas não disse coxinha, que não, disse Bossa-nova.  Se aquele era ironia, esse é insulto e  digo, porque me parece fundamental. 

25 de ago. de 2015

Ter razão, ter sempre razão.



A arte de sempre se ter razão é um folheto que o filósofo* alemão deixou, sem publicar, o que aconteceu mais tarde. É um folheto cheio de engenhos, industrias e ironias, uns conselhos para conseguir que algumas ideias triunfem, apesar de inconsistentes e falseadas, ou simplesmente mancas da perna da verdade.
O princípio que o norteia é a maldade intrínseca do gênero humano. Assegura que se não fossemos malvados, e no fundo fossemos honrados, em cada discussão procuraríamos levar à luz nada mais que a verdade, sem mais preocupação, e nos somaríamos à ela, sem nos preocuparmos se nossa ou de outrem.
São trinta e oito estratagemas para a arte de enganar, de mentir, de enrolar, de fazer parecer aquilo que é verdadeiro, falso, e aquilo que é falso, algo magistral.
A manipulação dos argumentos, ataques ao enunciador, tudo porque ( adoro essa ideia de usar porque como para que) o espectador conclua que você está com a razão e o adversário mente. O importante não é se chegar à verdade, passa longe disso. O que se pretende é provar que o vampiro é o doador de sangue, a vitima? Pois louca!

Recentemente uma velha raposa política de grande peso específico, um que com certeza leu o opúsculo qual me refiro, sentenciava que a presidenta em nome da honradez, renunciasse, por ter seu nome colado a figuras de baixo peso específico. Não basta responder: que honradez por honradez ele estava no mesmo saco. A resposta a ser dada era a de que político melhor avaliado é político enterrado, já não basta ser um morto. O político não vive de si, mas da não vida do outro.    

.* Schopenhauer.     

24 de ago. de 2015

Hegel, ou entre mordaça e a tagarelice.




Afinal, será mesmo preciso dar explicações o tempo todo ou haveria de me refugiar com mais frequência, para frequentar com atenção plena o silêncio?
Como compatibilizar o recolhimento e a paixão febril por comunicar, e com isso compartir a história do meu tempo?
Olha, como é surpreendente como me debato entre receitas contraditórias na hora de encarrilhar o comboio da existência!
Chego à conclusão de que não posso escolher entre uma e outra atitude, senão que viver imerso na relação dialética entre opções aparentemente contraditórias. Se por um lado sou interpelado por beliscadas,  me chamando à concentração e à experiência atenta do que acontece, sem espectativas prévias sobre mim, nem sobre os outros, nem como haveriam de ser as coisas. Da outra banda me excita a aventura da comunicação, a tendência de contar histórias oralmente, escrever nas redes sociais, divagar.
Então, melhor a eqüidistância instável.
Modestamente, me identifico com algumas coisas que li de Hegel, o Hegel que está em Marx, aonde não posso abraçar o todo e ao mesmo tempo, compreensivelmente, assim a contradição é a raiz - isso é Hegel em Marx - da vitalidade e do movimento.
Pensava nisso estirado na espreguiçadeira, debaixo da amoreira, tomando alternadas pinga e cerveja, quando passa voando baixo um bando de garças brancas, eis que fui tomado de dúvidas, correr a pegar o celular para fotografá-las, escrever sobre elas que começaram suas vidas entre búfalos de água africanos, em pântanos e albufeiras.e que nos últimos anos acompanham umas vaquinhas tucuras que roem os pastos especulativos
da vizinhança. Ou por fim, contemplá-las e deixar correr o tempo, mas deu nisso!