5 de out. de 2016

O Guarda Irlandês.

O Guarda Irlandês.

No palco, Camila deCelso andava de um lado para o outro, soltando fogos pelas ventas, há poucas horas da estréia, e para ela o retorno em grande estilo, e ainda não tinham a personagem figurante desnecessária do policial, cujo não era do seu agrado, se recorda dos últimos finais de semanas passados em Casa Branca, São Simão, Aguaí... sempre que olhava para o fundo do cenário, lá estava ele a incomodá-la, quando deveria ser um vaso sobre a mesa, era um barômetro sobre um piano. Ela se perguntava, que tipo de loucura a do diretor em exigir o policial, a resposta permanecia inacessível e o entendimento rarefeito, o melhor a fazer era relaxar, saiu pelas ruas tentando passar-se incógnita, na cidade que nascera disfarçada sob um lenço escuro e cabisbaixa, rumou para praça Sete, que há tempos fora o coração pulsante da noite ribeirãopretana. Antônio Niterói, como sói até hoje, ocupava a mesa do Dr. Sócrates, quando Sócrates bebia no Empório Brasília. Antônio Niterói e Camila um dia transaram, loucamente, e desde então não se viam. Cada um para um lado. Antônio Niterói, com seu lado apagado, em exposição, era o próprio disco de Odin em comparação a Camila, um ser para ser todo visível e de todos os lados iluminada. Meu deus! Quanto tempo! Pois é! Quanto tempo e ainda linda! Ah Nit! Estou um trapo, eu sou um Mila, você está bem, e você mais moça, desde aquele ob ridículo, nem lembrava mais seu merda, muita coisa passou e passei, casou, casei, descasou descasei! Me diga uma coisa Nit tá com pressa estou toma uma comigo não tenho tempo tenho que ir, ainda procuro um policial policial policial? Sim policial, policial figurante? Só policial, tipo boa praça, não precisa ser boa pinta, posso te ajudar conheço uns camaradas no corpo, para que quer? É para fazer o papel de policial, policial irlandês, daqueles hollywoodianos, sim, sabe aqueles que giram o cassetete nos filmes do Chaplin? Sim! E caminham para um lado e outro, sim! Para isso? Isso mesmo, pode ser gordinho? Pode! Pode! Pode? Pode! Beijo na ponta do nariz! Você continua gracioso! Para quando? Hoje à noite. Hoje? Hoje! Nit, seu merda, nem me lembrava mais do ob, cachorro! Abraçados choraram a rir. Tudo em seqüência Niterói procura no celular e acha Clemente. E ai Clemente? Que manda Niterror? Quer fazer uma ponta numa peça de teatro? Quê, eu? Você mesmo, Pit! Vá te fuder Niterror! Olha essa boca! Quê que eu levo, trabalhar com a Camila? Pitanga? Não! deCelso! É boa? Pneu, cê quer ou não quer? Quê que eu levo? Porra Clemente! Só pensa em dinheiro! Deixa de ser safado Niterror, cê quer ficar com toda a grana, não é? Espera ai Clemente. E ai Camila? Sai algum para o policial? Poxa Nit, e o amor a arte, aparecer no Teatro Pedro II, a meu lado e do Zé , dou uns ingressos para a família dele, tá bem? Cê ouviu Clemente? Reconheci a voz, é ela mesmo? Claro! Eu vou de graça! Manda um ingresso pra dona da pensão e tá certo! E o ensaio? E ai Camila, ensaio! Não tem ensaio, vai direto, ele nem precisa abrir a boca. Certo? Certo! Certo ouvi tudo, pensa que sou burro, porra! Né isso não Clemente! Eu sei o que é! Tudo combinado e Camila não quis ficar para uma cerveja. A Antônio Niterói restou-lhe um par de ingressos e um selinho. Merda! Merda. Nem ela nem ele tinham mais aquela pele triunfante de quando se conheceram, ela estudante de artes cênicas, ele era o mesmo, o que talvez houesse mudado é que sabia se barbear sem o cuidado de se olhar no espelho a sua já calejada face, pelos incontáveis prestobarbas, nunca mais se cortou. Sorriu; sorria sempre para uma câmera imaginária, na vigília ou no bar, donde fosse, fazendo uma tomada bem fechada no anacondo sorriso; por ainda não haver passado pelo que costumava dizer ser a eclusa dos sessenta, onde só cabem os que seguirão a envelhecer. Ficou mais a olhar para a cerveja que a bebê-la, e quando Maiara chegou, chegou também a desculpa para não seguir ali toda aquela noite, o Teatro, Maiara, pensava ele, recusaria? Não recusou.

A Peça.


Cabo Clemente, sim o soldado era Cabo, ligou para os seus superiores diretos, não convidou os subalternos, mas sim, alguns amigos da corporação, ligou ao Capitão da reserva, presidente da Aspomil; e aquilo que as vendas antecipadas anunciavam – fracasso - fracassou, o teatro lotou. Nunca se viu gala tão espartana no teatro D. Pedro II desde a plateia, balcões, galerias e frisas, tudo cheio.
Camila na solidão do camarim, branqueava sua pela já clara, será uma buliçosa cantora de ópera. Clemente pronto para brilhar, diante dos seus, na coxia andava muito falador, o contra-regra sussurrava entre dentes: menos Sr. Clemente menos, abria uma fenda entre as cortinas para lhe mostrar novamente o cenário e o lugar dele nele. Ali Sr. Clemente, apontando com o queixo, onde parece uma rua, com uns postes pintados com lâmpadas amarelas, como se postes de iluminação fossem, ali naquela risca, como se sarjeta fosse, de um lado para outro, sim? Sim, compreendo. Por que o senhor ainda não vestiu seu figurino, Sr. Clemente? Como assim, estou vestido! Não, não é esse o seu! Como não? Sr. Clemente, seu figurino é de um policial irlandês, todo em preto e botões prateados e um cassetete, não usamos mais cassetetes, mas não estamos no mundo real. Por fim, não houve quem fizesse o Cabo Clemente vestir-se de guarda irlandês, mas concordou em usar o cassetete, que ainda na coxia fez estalar na palma da mão. Não Sr. Clemente, não faça esse barulho todo, bata com suavidade. Quando Antônio Niterói foi finalmente localizado, para que interviesse junto ao Cabo Clemente, já soava o terceiro sinal. Seja pardelhas e Merda! Disse Camila. Merda! Ressoou. Antônio Niterói zelava por um sujeito impaciente logo após a frisa direita. O pano se abriu.
No primeiro e segundo atos, pouco aconteceu, senão que a ovação recebida por Cabo Clemente de todo a corporação presente, logo que apareceu em cena. Antônio Niterói escorregou na poltrona, escondendo-se atrás do balcão, vergonha pelos outros, Maiara quase a chorar, é tanta emoção! O terceiro ato começa com Leopoldo e Stephen bêbados numa mesa de bar, rodeados de moças alegres, que eles tateiam. Numa cama barulhenta, Camila em exígua roupa de dormir, era Moly sonolenta e ciosa do relógio, sem problemas em sentir o calor de Gibraltar, como se esperasse alguém, que não seu marido, sob o rochedo. Leopoldo e Stephen saem do prostíbulo cambaleantes, Mr. Boylan entrava na casa e subia as escadas e fazia sexo anal com ela, numa cama barulhenta. Leopoldo procurava a chave do portão de casa, encontrava tudo, até mesmo um sabonete embrulhado numa folha de jornal, menos a chave em qualquer dos bolsos, resolveu saltar o portão, como outras vezes fizera  quando trocara de calças e esquecera a chave, Stephen se equilibrava melhor com uma bengala. Leopoldo subiu ao portão. Cabo Clemente empunhou a arma e fez posição de tiro. A corporação que andava atenta aos movimentos de seu pupilo, deixou vazar junto com o sorriso um rumor de: esse é nosso menino! Cabo Clemente sentiu a energia vinda da plateia, das galerias, mãos na cabeça seu meliante! Leopoldo saltava o portão quando foi atingido por uma bala certeira. Cabo Clemente olhou para o Comandante no balcão nobre, que tudo aprovava com um gesto romano. O amante, a amada, o bêbado Stephen, o contra regras, os maquinistas, a copeira acudiram ao morto, que Stephen havia anunciado: José M. Anibal está morto de verdade! A plateia não entendia, era impossível saber quando findou a ficção que fez-se real. Cabo Clemente era o assassino. Duplo assassinato: J. Maurício Aníbal e Leopoldo estavam mortos.


O Juízo.


Em juízo, Antônio Niterói se manteve abstraído na fase protocolar, agora se ajeita na cadeira para ouvir o promotor, sabemos que Cabo Clemente, guarda irlandês, não estava deslocado dentro da peça, conquanto guarda irlandês também não o fosse, é no caso, o guarda irlandês um elemento que traz realidade, do mundo para o mundo da ficção, aportando realismo, disse-me o autor da peça A Casa Caiu, fundamentado no original onde, em todos os passos de Leopoldo, a guarda irlandesa se fez presente, como um vaso sobre o piano, na festa onde ninguém sabe sequer ler uma partitura. Protesto meritíssimo, adiante, um barômetro sobre o piano! Não nobre colega, não existe esse deslocamento, pretendido, na Dublin ficcionada havia, protesto, adiante, não se trata da imitação da Dublin real, mantido, não disse imitada, meritíssimo, a Dublin da obra é ficção, não uma existência paralela, ou imitação duplicadora, prossiga, na Dublin ficcional havia por todas as ruas donde passou Leopoldo a guarda irlandesa, duma Irlanda fictícia e em toda obra a guarda irlandesa ficcional, numa Dublin idem não comete nem um assassinato, assim não há a menor possibilidade, que a personagem reclame uma interpretação, a si favorável, por hora desvirtuada, posto que a personagem, ainda, que teoricamente possa trazer embarcada um leitor implícito, ainda que, levemos em consideração o que determina vossa Excelência, se tratar de um triplo homicídio, implícita a morte do autor, ainda que, uma vez aceite, ocorre a destempo da peça, concluo pedindo aos senhores jurados a condenação do Cabo Clemente por homicídio culposo do Sr J. Maurício e Aníbal, conquanto o assassinato de Mr Leopoldo, que a critica especializada e o tempo venham a julgar.
A defesa pede que a testemunha Antônio Niterói seja ouvida novamente. Profissão Sr Antônio Niterói? Corretor. O Sr Antônio Niterói vive de porcentagens que cobra aos amigos que vendem imóveis pela MRV, pelo empréstimo de sua carteira do CRECI, protesto meritíssimo, prossiga. A defesa depois de desqualificar a testemunha, induz sem prova a se pensar que a trupe nada mais era que uma banda organizada de traficantes da famosa DMSO – dimetilsulfóxido – que atua como um marcador e borrador de sinapses, que poderia como o SOMA, levar o usuário a agir como títere. Antônio Niterói diz, conheço Camila desde os anos setenta, não posso negar que fumamos uns baseados na praça Redonda, olhando o por do Sol, sobre a Vila Virgínia, mas na tarde do crime, ela nada mais fazia que caminhar para espairecer, e me alegava na oportunidade não compreender de modo algum a pertinácia do guarda irlandês, mas cria que não passava de uma alegoria do adaptador do livro para o teatro, uma mimese da galinha imobilizada pela risca de giz em Kasper Hauser, sem sentido e desproporcional, o que é um desproposito? Toda e qualquer ação do Cabo Clemente, não vem ao caso, que um Sr que aluga a identidade profissional, diga que toda a ação policial é um desproposito. Mais alguma pergunta? Dispensado. O nobre colega quer negar inclusive a existência do mundo real, discutindo literatura, alegando que o crime tenha ocorrido dentro de uma obra de ficção, como se se tratasse de uma embaixada da arte na mundanidade, pois bem, e alegando que a mente do Cabo Clemente, como de toda corporação, desvia de sua função preventiva, agindo como se de fato fosse juiz. Vangloriando a guarda irlandesa. Esse homem agiu seguindo como qualquer leitor atento, seu faro de caçador, sua intuição em nome da sociedade. Peço sua absolvição em nome do dever de personagem realista, imitar o real, e de interprete de uma única moral. Os jurados se recluem.

O veredito.

Todos eles, sim eles, são frequentes nesse ambiente, nessa função, entediados, menos um que entra cheio de frescor e romantismo. Seu filme predileto é justamente, Doze Homens e Uma Sentença. Pergunta aos outros se já viram o filme. Um pigarreia. Olha para a janela fechada e desenlaça a gravata, retira o paletó, arregaça as mangas e dá por terminado o trabalho. Culpado. Outro diz, até agora não entendi o tal do barômetro, é um treco de medir pressão, sim, mas por que sobre um piano, do mesmo modo que um Cabo no palco, a gente podia estar no Pingüim, a seis reais o chopp! Não dou conta, e você novato? Eu! Para o Pingüim? Não o homicídio! O teatro está na praça, a praça na cidade, a cidade no país, o país no mundo e o mundo é o mundo mundial e o teatro está no mundo, e o mundo é um teatro; aquele imita este? É, este mundo com aquele dentro; e se se mata, se mata neste mundo, que é este, esse teatro no mundo é aquele num mundo teatral. Contudo penso que deveria ser julgado no teatro, nesse que imita o mundo real que também é um teatro, você quer dizer, numa peça de teatro, não numa, mas na mesma peça de teatro, foi nela que se cometeu o crime. Como assim? Igual no futebol. Certo, o futebol tem a sua corte. É isso! O que você quer dizer com isso ? Culpado! Culpado? É! Pensava que ia querer reverter o onze a um. Não, nunca, se não entendo, sequer, por que não pintaram o guarda no cenário, porque iam economizar cachê. Você leu a manchete do A Cidade? Policial figurante de policial, mata ator de personagem dono da casa que pulava o portão da própria casa, no teatro Pedro II. Vamos acabar com isso! Que a realidade só estraga a ilusão! Bem dito! To contigo! Só se for para já! Culpado.
Enquanto isso no bar Verde da José Bonifácio, Antônio Niterói se aborrece com a pouca idade de Naiara e acaba fazendo um poema como se já fosse velho.
lâmina                antes,                   lisa
fria,                   já não                      desliza,
tensa                 pela pele                   gruda
esqui                na grama, como
esticar               a bochecha,             flácida.
                       Com os dedos.                   astucia
                      Não se desespere.
Não cabe                agora um              talho,
que envergonha,
                         mas o pacto com o                 corpo
                         pode ser desfeito,                   esquecido
que ele começou a des
                                  faz 
                                      er 
                                        -se... 


3 de set. de 2016

Que medo! Çô!

Que medo! Çô!

Havia uma pomba
Na minha varanda
Pensei que voava.
Mas não voou
Convidei pra minha mesa
Na mesa ficou.
Sonho com um corredor compridão como a vida
Sonho o corte que abre em talhos a jaca do sonho
Sonho o silêncio de canaviais e tempo e paz de ruas solitárias.
Outro dia a casa incendiou, minha avó gritava: Vai queimar o carro! Vai queimar o boi!
Não foi, vieram os bombeiros e não se queimou.
Sonho com uma bronca que seca a garganta
Sonho com poluções de noivo e vaginas úmidas
Corações correndo famintos atrás da angústia
Mortos que voltam
Vivos ausentes.
Sete da noite
Chamada in-box
Então?
Me subiu um calor até a cara, a orelha!
Que valentão!
Aceitaria, se te convido ao caminho sideral do amor?
Talvez, talvez decepasse a bramante cabeça de leão, para o cesto de Robespierre,
Mas, não cortará o fio da CPFL que me percorre.
Havia mortos entre os mortos vivos e tartarugas do tamanho de imensas azeitonas, muitas.


30 de ago. de 2016

A Morte.

A Morte.

A Advertência.

Advirto que não se deve ler este conto assim como ele se apresenta. Creio que se deva saltar linhas, ou palavras, mesmo parágrafos, ainda que isso retire algum sentido, se acaso nele existir. É um gedankenerfahrung cujo intuito é matar o leitor. Lembre-se de que a curiosidade matou o gato. De acordo com os saltos, ele poderá ser engraçado, triste, angustiante, ou se não seguir a advertência: mortal. Portanto, pense com cuidado antes de atuar, ser independente pode ser divertido, mas também muito perigoso. Boa sorte e riobalde.

A Introdução.

Está na casa da vó Vicenza com seus dois melhores amigos, e teu cachorro Pitbull. Há três anos visitou a casa pela última vez, quando a avô ainda vivia. O fato de haver uma máquina de engrenagens engraxadas cheia de polias, bicicletas sem selins e peles de vaca no pátio, é algo que te preocupa sobremaneira. Um duende vestido de azul turquesa, com um logotipo no peito no qual, depois de bastantes esforços, consegue decifrar as letras EPLOG, o duende dotado de três bundas, que antes dela falecer, atiçava os rotweillers a avó Vicenza. Ele está atento a um relógio e Você lhe diz: necessito que me aperte esta porca. Noutras palavras, ele lhe passa uma receita com instruções que dizem de que maneira acionar umas alavancas, uns pedais, e os botões de um dial que chia como um rádio velho numa velha radionovela sobre chupar cana e assobiar . O duende, obediente, morosamente, lê as instruções que lhe dá. De muito, merda, que bosta, que vai-vem, que ruína, sai da máquina uma banana dourada de sol, perfeita, simétrica, similar àquela outra que, por obra de Bloon, Dédalus, enfrentou Aquiles e os filisteus de filamentos filhas gretadas.
Você acaba de resvalar em algo, e está caindo até as profundezas da mente de Paulo. De certo modo te atrai a possibilidade de analisar tudo desde esse outro ponto de vista, de outra maneira não poderia apreciar todos os detalhes do processo, mediante o qual haverá, com certeza, uma saída. De qualquer forma, Você pensa num impacto, e pensa em amortecer sua força. Todos estes pensamentos desfilam por tua mente com a velocidade de um relâmpago. Se você ainda não pulou nada, creio que deva ser essa a hora.

O Compilador.

O que é um compilador? O compilador é um bicho, que de raro tem outros bichos, que converte tudo que estou escrevendo em um ato, um fato, uma ação, como converte uma bola de parenteses numa tira como se fosse a grama de um campo de futebol. Eu olho para ele e se parece a uma centopeia, e vou contar as patas, não sei se me atrapalho, mas chego só a noventa e oito.
O que acontece nas entranhas do compilador? Quando Você dá uma série de instruções, é como se Você ingerisse um pedaço de bolo. Um compilador adora parenteses; ele vai quebrando em pedaços menores. Há algum tempo os zoólogos que cuidavam dos compiladores, adoravam esta fase. De certa forma é coisa linda, claro, complexo. Mas não é de fato, relevante. Hoje sabemos que a verdadeira transformação começa no estomago do bicho onde o bolo alimentar fica dando voltas. Em vez de escrever as coisas na ordem natural, de fora para dentro. O bolo se transforma em um fio, onde aparecem, antes, as partes que estavam mais internas. Alguns lugares do bolo, aonde as enzimas têm que ir e voltar, são marcados por uma bandeirinha. O estômago deixa as bandeirinhas assim como estão, penduradas no fio. Mais tarde o intestino se ocupará de tirar as bandeirinhas.

A Mente.

Você decidiu submergir diretamente nas profundezas de minha mente. A medida que adentra, a luz fica cada vez mais ténue, e Você começa a sentir tonturas e perde a consciência.

O inferno.

Você não chegou até aqui de vontade própria, nem seguindo instruções, apesar de tudo está aqui, em Janaína.
Habitualmente, as mitologias e lendas tratam de substantivos fantásticos, sejam animais, lugares, monstros, espadas cravadas em pedras, o pote aonde caiu Obelix ou semideuses. As lendas de Janaína Mayara falam de verbos mitológicos. Por exemplo, se conta da existência do verbo funarer, metade nascer e metade morrer. O verbo reflexivo pinoter, que corresponde a ideia de voltar sem ter ido. Se diz que a primeira pessoa que se pinote uma noite de lua cheia, funerará.
O verbo fantástico gromosar significa “pronunciar gromosar”. Os professores de mitologia Janaína Mayara costumam gromosar quando fazem referência a este verbo. Um grupo de verbos mitológicos relacionados, provavelmente inspirados em gromosar, são os três verbos conhecidos como placinados: placir significa “pronunciar cofer”, cofer significa “ pronunciar roscoir” e roscoir significa “pronunciar placir”. É muito frequente, que aquele que trata de descrever o que é o que está dizendo mediante o uso destes verbos desperta a confusão nos que estão atentos às diferenças entre “uso” e “menção” e “ menção “ e “uso”.
Outro verbo ligeiramente relacionado com estes, é atutir, cujo significado é “ compreender o verdadeiro significado de “atutir”. A lenda diz que no instante em que alguém por fim atute, seja, por fim compreenda o verdadeiro significado do verbo atutir, o verbo voltará a ser novamente um príncipe, e o afortunado descobridor se converterá em pedra.

A Paciência.

Agora que Você está nos cantos mais profundos da mente, você deverá decidir se sua paciência esgotou ou se já é hora de voltar para casa. Sem preguiça, você está na casa da avó Vicenza.
Felizes por teu regresso, ainda que nem tanto, o duende vestido de azul turquesa, teus dois melhores amigos, e teu cão te perguntam: aonde esteve? Por mais que insista e Você insiste em que estava na minha mente, te dizem que Você cheirou peido debaixo do lençol.

O Fim.

Depois do fim, uma continuação. Você despertou num quarto aonde há um dragão. Então aparece o centauro Aloísio e o fauno magno Malta, uma corte de bufões, arlequins com calças furadas, reis de são joão del rei, guerreiros visigodos, desamores da adolescência, dragona a primeira namorada do Lesmão, a turma que não sabe inglês, Les Luthiers, diego Hipólito e sua irmã, poemas em catalão, demostradores de peidos coloridos, a turma da mônica, a menina veneno, gisele bündchen e um grupo de jaz cantando ma mama cu sá, e a Sá coça o saco e saca essa: Afrodite, rapaz, me dá logo esse pomo da discórdia. E se não der? Te mato. Ah! Bom! Então te dou.
Ai tem um problema de continuidade das geografias porosas: a maçã ficou no outro mundo, longe paracaralho, longe do caos perto do coração. Mas Você, Você ou afrodite? Bom estamos num descontinuísmo. Há uma receita de maçã em conserva que Você conserva. No entanto, aonde andará o duende? E a máquina? E o asteróide? E a avó Vicenza? E o B-52? Todas essas coisas já não te atraem proporcionalmente ao produto da massa e inversamente ao quadrado da distância.

A comida.

O mais curioso é que a receita não é a mesma coisa que a comida. Tem uma porrada de arestas, e por não serem a mesma coisa, apresentam outros aspectos, que são na realidade o mesmo: toda receita é toda comida receitável.
O intestino delgado ou delicado consta de duodeno, íleon, cólon, estribo, refogado, sal e pimenta a gosto, duas asas de frango e batata na manteiga. Ah! Bastante salsinha picadinha.
O Sancho.

Donde se conta como Sancho Pança apareceu com intestino solto e outras muitas coisas dignas de contar e de saber.
Valha-me, Sancho promete mostrar sua máquina e que se as instruções precisas são imprecisas, é capaz de construir uma maçã e acabar com a discórdia da simetria ou esta maçã é para a mais bela.
Lamentavelmente, a máquina do fiel escudeiro não se parece com a do duende. Não passa de um tubo de papelão reciclado. Pançisancho diz:
não se preocupe dom cidão, já esta desmonstrado... quê? Livre de monstros. Porra por que não cala essa matraca? Alan turing?
Não passa pela tua cabeçorra que está perdido?
Não creio, afinal, não foi Noé quem botou na sua barca um casal de Aedes aegypti, e o E. Coli?
Veja, o bicho é mamífero, mas ovíparo, anda pelado e é ávido e não há havido mais maçãs, nem duendes, então bispo da dama c 3.




Bobina quente

Ai a bobina do fusca esquentou, então tive que procurar água, aí encontrei , depois de uma invernada, uma estradinha que vinha do leste, fui caminhando batendo aquela garrafa pet vazia na perna, pow...  eram duas trilhas onde o mato entre elas havia crescido muito, há muito tempo. ... foi então que divisei uma casa com terra batida à sua volta e galinhas a ciscar um cateto chafurdava entre bananeiras...
- Tarde! Ouvi uma voz,  mas não divisava seu dono, então retribui à eira, por se acaso...
- Quente! Ouvi, e a voz vinha da sombra de um jatobazeiro, quente pa carái, enquanto tentava decifrar entre tronco, raizes, sombras, raios de sol e folhas um ser, que se tornou visível pela brasa do pito, depois o fumo subindo e se espalhando entre os feixes de luz, agora os olhos em meio aquele rosto de 100 anos de terra e cortiça...
- Uai, traz a junta pa beber...
Expliquei  que não era um carro de boi, houve entendimento, mas se complicou, e esse tar de motor bebe água? ... o papo foi longe e ele me fez um café, metendo um tição ardente na caneca com água... quando ia me retirando ele perguntou: E o dotô  Vargas, tá forte ainda?

25 de ago. de 2016

Brindo com lirica murcha

Brindo com lirica murcha
herdada de senis gerações
pentelhos grudados sabões
peidos sob a morna ducha

a todos que pisam em titica
tantas outras mais com seus nãos
e ensaboam o torto com as mãos
porque se não o lava, te bica

Canto caca na grama da fiusa.
poça que circunda o mictório
a água turva de urinois viúva.

o imbecil que olha essas cagadas
ao não recordar; nessas redunda
existia quem o limpasse a bunda


22 de ago. de 2016

Chapeuzinho

Os lobos, principalmente os maus, porque por incrível que pareça há lobos bons, andavam insolentes e fora de controle no velho condado, chegavam a roubar os caminhantes que se aventuravam pela matinha de Santa Teresa. Saiu a lua cheia. A matinha se tingiu de ouro pálido. Nesse instante, Chapeuzinho viu sair das trevas uma silhueta que ia se tornando cada vez mais precisa. Vestia camisa branca com suspensório, calça preta no estilo advogado trabalhista. Caminhava sobre duas patas, mas era um lobo. Abriu abaixo de seu formidável focinho preto sua boca baba vermelha e disse: “ Oi, boneca, que te traz tão tarde por aqui? Chapeuzinho não respondeu. O lobo agarrou a cesta. “ Tá boba?! Vou levar esta cesta”. De debaixo do pano com motivo quadriculado, igual ao de toalhas de mesas de cantinas italianas no Brasil saiu uma vozinha,: “ Que amável é você, jovem, e deu um rizinho selvagem.” Num sobressalto, o lobo deixou cair a cesta. Uma cabeça de mulher saiu rolando. A cabeça deu um salto e mordeu com fúria o entre-coxa do lobo que uivou de dor. “Saude a vovozinha, seu lobo” disse Chapeuzinho, que tinha os olhos vermelhos donde saiam horríveis fachos de fogo. Sua boca se abria e mostrava horripilantes caninos desmedidos. O lobo corria e ao seu encalço iam a cabeça e Chapeuzinho.

17 de ago. de 2016

Carta a Glenda.

Carta a Glenda!

Faz dez anos que nos fomos. Isso é muito tempo sem te ver. Ficaria lindo e perfeito se fosso assim: “Hoje faz exatamente dez anos” ou algo assim, mas, honestamente, não me lembra a data exata. Creio que foi, mais ou menos, no inverno, uma quermesse, talvez você se lembre.
Nos primeiros dias tentava gravar algumas coisas na memória. Aquelas que ainda não havia te contado. Antes que eu tivesse ido, nos contávamos tudo. Suponho que sentíamos algum vazio e queríamos enchê-lo. Como essa gente que enche a casa de filho. Me parece que nessa época tinha esperança de voltar.  Agora já está tudo tão longe. Também, se passaram dez anos. ( E se você ler isso, verá que ainda não amadureci). Me lembro dos fatos principais, e de alguns momentos particulares, mas os sinto como quando encontro algum texto que não lembrava ter escrito, igual a quando minha mãe que me ligou perguntando o que era aquele frasco, que encontrara quando botava ordem no quartinho, “tá escrito poção mágica”, penso que é dos meus doze anos, não lembro mãe, mas deixe guardado!
Bom, penso que dizia que no começo queria gravar as coisas na mente; mas em seguida começaram a se acumular; eram muitas recordações, ultrapassaram a massa crítica, pensei que a melhor forma de conservá-las fosse começar a escrevê-las. De cara pensei em mandar uma carta diariamente. Bem que me lembro que adorava receber cartas.
Então, assim comecei a escrever o diário e assim fui fazendo. Agora deve estar se perguntando  por que nunca os enviei. A resposta é que sou um desastre. E me é muito difícil que esse tipo de hábito frutifique. Para essas e outras nunca fui disciplinado. Quantas vezes disse ; A partir de hoje vou correr todos os dias” , e não durei dois dias.
Até  comecei, religiosamente, mas sempre surge alguma obrigação que impede a indústria, ou serve como desculpa, e quando se interrompe por um dia, logo esculacho tudo. Assim de diário foi a semanário, e ao fim de alguns meses, o abandonei.
Agora já passou demasiado tempo, e todas aquelas coisas que planejava te dizer acabei esquecendo, ou estão obsoletas, ou caducadas. A quem pode interessar o cotidiano de dez anos atrás? Ainda que sejam coisas que não foram ditas no calor da convivência!
Acho que já não faz sentido te mandar as coisas que escrevi. ( Melhor que fiquem na gaveta do meio, espécie de limbo). Mas ao menos gostaria de te dizer que as escrevi. Havia uma montão de coisas para falar, perguntar, que me houvesse gostado que as respondesse. O tempo faz com que qualquer sentido se perca ou em nenhum momento tenha feito sentido compartilhá-las. Talvez, nenhuma forma de comunicação faça sentido. Talvez o melhor mesmo seja esperar pela ação do tempo, que as devolva à insignificância.  Talvez essa carta não faça sentido.
Talvez não te a mando!