Carta a Glenda!
Faz dez anos que nos fomos. Isso é muito tempo sem te ver. Ficaria lindo e perfeito se fosso assim: “Hoje faz exatamente dez anos” ou algo assim, mas, honestamente, não me lembra a data exata. Creio que foi, mais ou menos, no inverno, uma quermesse, talvez você se lembre.
Nos primeiros dias tentava gravar algumas coisas na memória. Aquelas que ainda não havia te contado. Antes que eu tivesse ido, nos contávamos tudo. Suponho que sentíamos algum vazio e queríamos enchê-lo. Como essa gente que enche a casa de filho. Me parece que nessa época tinha esperança de voltar. Agora já está tudo tão longe. Também, se passaram dez anos. ( E se você ler isso, verá que ainda não amadureci). Me lembro dos fatos principais, e de alguns momentos particulares, mas os sinto como quando encontro algum texto que não lembrava ter escrito, igual a quando minha mãe que me ligou perguntando o que era aquele frasco, que encontrara quando botava ordem no quartinho, “tá escrito poção mágica”, penso que é dos meus doze anos, não lembro mãe, mas deixe guardado!
Bom, penso que dizia que no começo queria gravar as coisas na mente; mas em seguida começaram a se acumular; eram muitas recordações, ultrapassaram a massa crítica, pensei que a melhor forma de conservá-las fosse começar a escrevê-las. De cara pensei em mandar uma carta diariamente. Bem que me lembro que adorava receber cartas.
Então, assim comecei a escrever o diário e assim fui fazendo. Agora deve estar se perguntando por que nunca os enviei. A resposta é que sou um desastre. E me é muito difícil que esse tipo de hábito frutifique. Para essas e outras nunca fui disciplinado. Quantas vezes disse ; A partir de hoje vou correr todos os dias” , e não durei dois dias.
Até comecei, religiosamente, mas sempre surge alguma obrigação que impede a indústria, ou serve como desculpa, e quando se interrompe por um dia, logo esculacho tudo. Assim de diário foi a semanário, e ao fim de alguns meses, o abandonei.
Agora já passou demasiado tempo, e todas aquelas coisas que planejava te dizer acabei esquecendo, ou estão obsoletas, ou caducadas. A quem pode interessar o cotidiano de dez anos atrás? Ainda que sejam coisas que não foram ditas no calor da convivência!
Acho que já não faz sentido te mandar as coisas que escrevi. ( Melhor que fiquem na gaveta do meio, espécie de limbo). Mas ao menos gostaria de te dizer que as escrevi. Havia uma montão de coisas para falar, perguntar, que me houvesse gostado que as respondesse. O tempo faz com que qualquer sentido se perca ou em nenhum momento tenha feito sentido compartilhá-las. Talvez, nenhuma forma de comunicação faça sentido. Talvez o melhor mesmo seja esperar pela ação do tempo, que as devolva à insignificância. Talvez essa carta não faça sentido.
Talvez não te a mando!