5 de ago. de 2016

Quando acendo uma vela me lembro d'ocê.

Quando acendo uma vela me lembro d'ocê.
Nenhuma em particular, uma vela qualquer.
É esse tufo de barbante do pavio, Vera
Aquela vez, a gente não achava a vela, e
você, santantônio, santantônio, santantônio,
eu brincava uma regressão de lata de pó royal,
acender uma vela ao santo que não é, bem, Antônio,
para que nos ajudasse a encontrar as velas.

Não sei que ideias passavam por tua cabeça, mas
sempre me dizia: não creio nem deixo de crer e
também não creio em deus, mas creio que há algo.
Fosse crente ou não, era magistral na hipocrisia.

Receei a santantônio. Não sei, Vera, por que me tratava de homi.
A verdade que só acendia vela quando caiam os fusíveis.
Mas, relaxe homi, faça, Om, Ohm e Hom. E bastavam
essas três palavras para corroer minha erudição.
Relaxar sem elevador? Onze andares por escadas...
agora que quero ver, onze andares 150 degraus.

Depois desses degraus, não sabia como me doía a bunda
no outro dia. Mas, o importante é que me ensinou a apreciar
outras qualidades das velas, ulteriores ao uso cotidiano
como luz de emergência. Por exemplo, de vez em quando
dava essa dor aguda no baixo ventre, que se eu fosse mulher
afirmaria sem duvida que se tratava de ovários. Você
dizia que eram gases e catava uma vela. Feitiçaria. Ventosa.

Havia outra dor, essa tensão magnética que me dava nos incisivos,
a sensação de algo que não via, mas estava ali tentando me extrair
um nervo. Latejando. E eu dormindo a mastigar os dentes. Lá vinha Você com
aqueles chás, sempre os tomei, mas.

Era diferente Vera. Há quem nos classifique por preferência estética.
Os grossos e os esnobes. Gente grossa tem mau gosto e ponto.
Os esnobes, dão tanta importância em ter bom gosto, mas tanto,
que lhes importa mais saber se deveriam gostar, do que: gosto?

Você Vera não, era delicada, nem seletiva, era plenamente consciente
de sua crassidade, se jactava inclusive. Quando eu ia te visitar Você
gritava: lá vem Fernando com seu circo armado, e eu sentia vergonha alheia
e Você se deleitava, hoje tem espetáculo? O mau gosto te deixava apaixonante
e o cultivava com devoção de velas.

Ninguém sabe como nos conhecemos. Nunca contamos, porque nos dava vergonha.
Tá, que ia causar vergonha, a Você ? Você que ia na padaria de camisola azul. Mas
a mim sempre me deu não sei bem o que ter que admitir que me tocava fundo. Essa vez
foi a única, e me surpreende pensar que o resultado foram todos esses momentos, incluindo isso
que escrevo.

Então, Vera, Você já era bonita como sempre, ainda que teu mau gosto
arrebentava com tudo. Sua maquiagem de puta e sua pequena tatuagem brega toscamente acabada. A cor da tinta. Meu deus, a cor da tinta não ornava com nada, nem com as coisas que não estavam nela, discordava de tudo num raio de dois quarteirões. Não sei quem falou primeiro, nem sei se é relevante esse detalhe, mas. Naquele momento não sabia que a recordação ia durar tanto, nem que ia ser tão importante. É sempre assim. Mas me agrada saber que foi Você quem falou, eu naquela época meditava cada palavra antes de falar, alem dos titubeios.

A segunda vez que nos vimos foi também casualidade, uma madrugada, no corujão, no Lapa. Me doía a orelha de tanto dobrar a cartilagem contra o vidro da janela. Foi ai que passamos a nós. Não sei muito bem como foi, mas Você ia com ele, e para ele sei que foi a última vez. Então eu volto ao começo.


Vera sempre que acendo uma vela me lembro de você.

1 de ago. de 2016

Carta a Bertha.




Liberte da gaiola
todos os passarinhos

liberte da gaiola
todos os passarinhos
vermelhos

liberte da
liberte da gaiola
todos os passarinhos
vermelhos
todos os passarinhos
verdes

liberte da gaiola
todos os passarinhos
vermelhos
que não estão na
liberte da gaiola
todos os passarinhos
verdes

liberte da gaiola
todos os passarinhos
que não estão na
liberte da gaiola
todos os passarinhos
verdes

liberte da gaiola e do aquário
todos os passarinhos e peixes
de mesma cor.

Liberte da gaiola e do aquário
todos os passarinhos que não estão lá
liberte da gaiola
todos os passarinhos verdes
e os peixes que estão lá
liberte do aquário
todos os peixes prateados
liberte a quantidade de passarinhos
na
liberte da gaiola
todos os passarinhos
cuja cor esteja na
liberte do aquário
todas a cores de peixes

liberte das cores
que estão na
liberte da gaiola
todas as cores dos passarinhos
e que não estejam na
liberte do aquário
todas as cores de peixes

liberte do livro
todas as linhas

liberte da gaiola
todos os passarinhos
que apareçam na
liberte do livro
todas as linhas

liberte do livro
todas as linhas
que comecem por a

liberte do livro
todas a linhas
que apareçam na
liberte da gaiola
as cores dos passarinhos
e que foram escritas por Você

liberte do livro
todas as linhas
que não estejam
liberte do livro
todas as linhas
porque uma pessoa que esteja na
liberte do universo
todas as pessoas

liberte do livro
todas as linhas
que nunca foram escritas

liberte de mim
todas as partes moles
que não estão na
liberte de mim
todas as partes moles
que tenha visto

liberte do planeta
todas as pessoas que estejam no
liberte do cemitério
todos os ossos

liberte das situações
todas as que me necessitam

liberte dos animais
a quantidade de gatos
que nasceram
e que são pretos

liberte das tardes
aquelas que se esqueceu
de carregar a bateria do celular

liberte das vidas
todos os casais que não se encontram

liberte das tardes
aquela que o mundo
foi ficando cada vez mais quieto

liberte das vidas
todos os casais que se encontram

liberte das cores
a que pinta a
liberte das coisas todas
as importantes

liberte das explicações
a que dá sentido a
liberte das vidas
as nossas

liberte das distâncias quilométricas
a que nos separa nesse instante

liberte das personagens
aquelas femininas
que estejam em
liberte das canções
todas que Você compôs
que foram amadas por
liberte das personagens
aquelas que realizaram
liberte das ações
a de se enrolar com fita violeta

liberte das teias de aranha
a que une a
liberte das meninas e dos meninos
aquela menina que seja a mais bela que
liberte do mundo
todas as pessoas
e aquele menino para o qual
não tenha nenhum
liberte das pessoas
aquelas que querem a menina
mais que menino a quer

liberte dos dias
todos aqueles em que
Você e eu nos vimos
e que o dia anterior
Você e eu não nos vimos

liberte dos fatos
aqueles que ocorreram em
liberte dos meses
aqueles de verão
aqueles que comecem por j
e que transcorreram em
liberte das fontes
aquelas nas quais se deram

liberte dos beijos
aqueles de Você e eu
que foram anteriores a todos os
liberte dos beijos
os seus e os meus

liberte dos espelhos
aqueles que refletiram a
liberte as pessoas
a Você e a mim

liberte dos lagos
os que apareceram em
liberte dos sonhos
todos os seus

liberte dos dias
todos aqueles em que
não estaremos vivos

liberte das palavras
aquelas que se dizem pouco
mas que signifiquem muito
e que representem
liberte dos sentimentos
os que sinta por Você.


29 de jul. de 2016

A importância de ser Mané.


(A importância de ser Ernesto)


Joana estava apaixonada por um português chamado Manoel. Viviam no primeiro andar, ao lado de um homem, ou uma mulher, cujo costume de deixar as janelas abertas a irritava. Como todas as manhãs se olhava no espelho, se lavava o rosto, media seu pequeno buço, saia sempre apressada ainda bebendo seu yakult. Tomava o circular, porque odiava conduzir. O escritório ficava a uns trinta quarteirões, mais ou menos. Na volta, aproveitava para fazer pequenas compras, jantava com Mané enquanto lhe contava coisas do seu dia de trabalho.
Nos momentos livres, reflexionava sobre a profundidade do oceano, que nenhum ser humano jamais viu, estranhava que se tivesse ido a lua, mas nunca ter ido ao fundo do Pacífico ou Atlântico; imaginava o mundo visto cada vez mais de longe, até que ela e Mané eram um ponto na cidade, a cidade um ponto na terra, a terra um ponto no sistema solar, o sol um ponto no espaço cheio de estrelas.
Lilian e Mané gostavam de ouvir música suave, bossa nova, e que fosse suave não era razão para que sua vizinha, ou vizinho, não se queixasse de qualquer modo, e o fazia com gosto. Outras vezes iam visitar suas irmãs em Pirassununga, ou comiam maçãs verdes.
Quarta-feira, recebeu um telefonema urgente no trabalho. Quem falava era uma voz feminina ou masculina, e lhe disse que havia escutado ruídos, e que ao que parece haviam forçado a porta e haviam entrado na sua casa. Ela, ou ele. Já se encarregara de chamar a polícia.
Então, Lilian correu, e nem sequer pode sentir o intenso cheiro de pão de queijo da padaria, nem saltar lajotas ausentes na calçada, nem sentir o calor exagerado que fazia no ponto de ônibus, que era um pau fincado, só lhe parecia uma coisa, o caminho era quatro vezes mais longo que sempre.

Já perto de sua casa, uns pedreiros almoçavam sentados na calçada, enquanto assoviavam e lhe dirigiam gracejos. Nesse momento começou a procurar no fundo da bolsa as chaves, mas se deu conta que a porta poderia estar arrombada, seu apartamento estaria todo aberto; foi quando divisou um policial e o senhor, ou a senhora, à espera na porta do edifício. Quiseram tranqüilizá-la, ela subiu as escadas de dois em dois degraus, e de cara o que viu foi que estava tudo remexido, a fechadura arrombada, e que sua habitação estava despojada de sua essência, Mané jazia no chão da cozinha. 

26 de jul. de 2016

Verte Pus a República.

Verte Pus a República.
O Tumor é de Castas.
Pústulas Malignas.
Feridas sem Sutura,
Insultos, Abismos
Abertos desde os Indígenas.
Sangue que se Esvai.
Tal Falaz Lacuna Impregna
de Desprezo as Almas
com Ódio ao Raciocínio.
Sem Entender a Profecia
de Profetas
da Guerra Contra Si Mesmo.
Terra Colorida de Iris Tintas
se Se Aboliu a Escravidão
ao Limbo da História
Por que Somos Escravos Fintas
dessas Inimizades Ilusórias?
Será que Algum Dia
Acenderemos o Sonhado Cachimbo?



25 de jul. de 2016

Hoje, olhando sua foto, me achei frágil,


Hoje, olhando sua foto, me achei frágil,
como um barco de folha de jornal n'água.
Enfeitiçado pelo ouro de seu cabelo vágil.
queria te violar como uma margem mágoa.

Com carvão assinava cadáveres no muro
imprimia palavras mesozoicas, extintas.
Palavras que regressam vivas, juro
asfixiando meu passado, sombras sucintas.

Ontem dormia na minha a tua mão
eramos cavalos impossíveis de atar
trotávamos por cima de nossa razão
beijava teus lábios salgados de mar.

Amanhã, perdido, pensarei teu braço pálido
relincho e esfrego no moerão até sangrar
navegarei no papel machê do jornal lido.
Haverá, quiçá braço desconhecido por singrar.

Não me resta mais presente, dó
parede pintada de umidade
desígnio do destino, voltar ao pó.


23 de jul. de 2016

Emagreça com Kant.

Emagrecer com Kant, pode parecer uma ideia de jerico, mas não é, além disso a sua prática nos torna mais éticos e livres. Em todo caso, e na verdade,  não se pode levar os fundamentos, os imperativos kantianos às últimas consequências, que senão o consumismo diminui e muito, e não sei o que aconteceria, caso isso acontecesse, e não sei se quero isso.
 Basicamente, Kant nos diferencia dos animais pela razão ( que é uma lei autoimposta)  e pela dignidade humana. Introduz para isso  o conceito de  Autonomia versus o de Heteronomia. Onde autonomia é fazer segundo a lei autoimposta que é a razão, e heteronomia é fazer pelo outro, pelos fins, ou uma inclinação – incluso você –  assim exige, indica, sugere. O problema, que na verdade é a solução da obesidade, entra aqui: ser autônomo é fazer o que você quer e é moralmente um dever   e não o que quer os desejos as inclinações e impulsos e instintos e os fins sugerem, exigem, indicam. É o ser racional e moral, em pleno gozo e uso da razão e da moralidade que diz “não” aos impulsos, instintos, aos fins animalescos que o habita.  Roberto Carlos está parcialmente correto ao dizer que … o que mais gostamos ou é imoral ou engorda. Na verdade engorda por imoral, assim todo gordo é imoral. A obesidade é uma imoralidade do ser. Atente para o fato de que exceções, neste caso patológicas, sempre estão contempladas em toda generalização.  Assim não há porque comer, se não se tem fome. Pode-se dizer e diz-se que estava agoniado, ansioso, mas isto já não é você, um ser racional e livre, diz sim, de um animal que foi abandonado – no ocidente, que não sei onde começa e acaba  realmente, há vários ocidentes – antes e com a tragédia grega, muito antes da Liga de Delos. Há uma ligação entre moralidade e liberdade. Há o dever que se refere à dignidade humana, assim devemos agir segundo este dever, e quando se fala em dignidade humana, é bom se lembrar do humano que cada um é. Assim devo respeitar a minha dignidade. E como humano e respeitador da minha dignidade e a dos outros humanos, me torno livre, e como ser livre não posso me sujeitar, por respeito a minha dignidade, aos apelos externos e internos do consumo imoral. Porque se uma barra de chocolate me sujeita, se uma cerveja me sujeita, um bibelô me sujeita já não sou livre. O importante é adiantar que ser moral pra emagrecer, diria Kant, se tratar de uma moralidade com fundamento hipotético. Não de todo boa. A Faço X para obter Y. kakakakk