30 de jun. de 2016

Domingo

Domingo.
Sentado ali na minha poltrona, com Ão ronronando conivente, explode no que em mim pensa, a frase do livro; "Se procura a verdade,prepare-se para o inesperado, porque é difícil de se encontrar, e quando se a encontra, sói ser desconcertante". Mais uma vez Heráclito me surpreende, memorizei algumas frases, num tempo que as lia com afinco; sempre tentando encontrar o que nelas se ocultava. Bem acomodado naquela poltrona domingueira, deixo andar as folhas suavemente sem as ler,  diante da lógica que nenhum homem pode nadar no mesmo rio, porque nem rio nem homem serão os mesmo na segunda vez que coincidam. Creio sempre no mesmo rio? Sou ou não sou sempre o mesmo? Onde reside a verdade? Quero, de fato, encontrar a verdade. Que é a verdade e quem a possui?  Os domingos podem residir nisso. Abandono o relógio que me controla noutros dias e me entrego à virtude de vagabundear, não fazer outra coisa que coçar placidamente sem me fixar em nada,  enquanto o urubu voa lento, sem destino, como uma gota de suor escorre desde o sovaco. Bem sentado nessa poltrona, bebendo uns goles de heineken, sem TV, ou qualquer outra voz a me informar que o mundo está prestes a explodir e ninguém sabe remediar. O domingo é meu espaço para a ignorância, alienado do mundo, longe do populismo barato, dos rançosos, dos oxidados, dos vomitivos, fechar os olhos e o silêncio... Que vida sem interesse é essa? Não sei. Sei que a vida que vivo ali sentado na minha poltrona é o universo que quero me perder.

29 de jun. de 2016

Sorte.

Nos primeiros tempos, se levantava, fazia a barba, se duchava, se vestia alinhadamente, pegava a pastinha com seus currículos, enfrentava filas, despachava currículos pelo correio. Voltava para casa. Esperava um toque do telefone. Um e-mail. Um torpedo. Sentava-se no sofá e via televisão. Então começou alternar, dia sim, dia não ia distribuir currículos. Voltava para casa e via televisão. Já não ia distribuir currículos. Foi perdendo a vontade de comer. Foi perdendo a vontade de se barbear. Ficava em casa. Vestido com seu moletom. Sentava no sofá. Esquecia de ligar a televisão. Esquecia de comer. Um dia bateu a sorte à sua porta. O encontrou morto.   

Medo.

O Medo.
Tenho medo. Reconheço que tenho medo. Digo em voz alta: Tenho medo! Tenho medo! Tenho medo! Quer saber do que tenho tanto medo? A tudo. A mim mesmo. Do vizinho. Do cachorro do vizinho. Do som do vizinho, que estraga minha sesta. Tenho medo que morra meu gato. Tenho medo que morra a orquídea que paguei caro. Tenho medo que a mulher do vizinho não encontre trabalho. Tenho medo que o buraco em que se meteu este país não tenha fundo. Tenho medo de que os políticos parem de roubar e só sejam incompetentes. Tenho medo de que os juízes não sejam melhores que os policiais. Que os policiais não sejam melhores que os bandidos. Que os bandidos não sejam melhores que eu. Tenho medo. Só não tenho medo de quem chora. Deste tenho dó. Como diz a canção. Tenho medo da canção que não conheço. Tenho medo da Rita Lee. Tenho medo do Belchior. Tenho medo do Gabriel pensador.

Mas o vizinho vendeu o som do carro. Sua mulher arranjou emprego. O buraco do país é mais embaixo. É túnel sem fim, sem luz. Os políticos continuam roubando e incompetentes. Os juízes não são melhores que os policiais, que não são melhores que os bandidos, que não são melhores que eu, que não sou melhor que ninguém. Não ouço mais canções. Não ouço a Rita Lee, o Belchior. Gabriel pensador não pensa. Grande é a merda. Tudo sei que é. Perdi o medo de ter medo. Só sinto medo. Medo. Medo. Medo.  

Conto vomitivo.

O Vômito.


Às vezes tenho vontade de vomitar. Vomitar muito. Muito. Um vômito espesso. Em cachoeira. Em rio caudaloso. Cheio de grumos. Grumos tão grandes que não passem pela minha  goela. Um vômito que encherá a sala onde estou. O corredor. A sala de estar, sempre vazia. A casa. A rua. O bairro. A vila inteira. O ribeirão Preto. O rio em que nele deságua.  E essa vontade imensa de vomitar tanto e continuada, e exagerada, que às pessoas que estão nos quiosques, nos food trucks, nas cadeiras nas calçadas, nos bancos dos jardins, no semáforo, enfim, lhes deem vontade, também, de vomitar, de vomitar em grupo, todos juntos. Gritamos e vomitamos. E quando tudo estiver emporcalhado pelas nossas vomitadas, estaremos, por fim, limpos.  

28 de jun. de 2016

Apolo XI.

Apolo XI.

Fui criado na rua larga, onde as guias eram as traves para jogar bola. Na rua passávamos a noite tomando a fresca, os adultos bem sentados em cadeiras, bancos e a molecada correndo para cima e para baixo, a estrada e a velha estação da Mogiana, lá no fim da descida da rua da Igreja eram os nossos limites. A luz mortiça dos postes nos propiciavam conversas a voz baixa, novidades, piadas, desgraças se compartiam, enquanto pelas janelas e varandas fugia o calor acumulado nas casas durante o dia.
- Vaga-lume tem tem, seu pai tá aqui, tua mãe também e corríamos com um tição em brasa na ponta, rodopiando no ar, traçando círculos que sumiam na noite, só voltariam a aparecer quando fechasse os olhos para dormir.
- Um dois três... Migrilo, Tigriça, Toin podem voltar, eu vi quando se mexeram.... Protestos, discussões... a brincadeira voltava a começar, e quando alguém se metia na rua, a mãe da rua o tocava... tocou, não tocou... Se nos cansávamos, íamos para as escadarias da igreja a contar histórias, mula-sem-cabeça, mãe-d'água, mãe-da~lua, o Pe Canuto; o medo invadia pouco a pouco e cruzávamos as árvores do pequeno bosque, pisando leve, mas se alguém pisasse num graveto, e ele quebrasse, o barulho nos fazia correr, de por o coração pela boca.

- O pai do Zé Luiz comprou uma televisão! Sim, compraram uma igual ao do seu Humberto Toni. Na hora do recreio a noticia se espalhou pelo bairro, e logo depois da janta, veio gente até do morro do Canequinha, o Barbuzano. Cada um trouxe sua cadeira, o pai do Zé Luís botou a TV na varanda. Aquela noite soube do calor que fazia no Rio de Janeiro, suas praias, vimos Bonanza...
O pai do Zé explicou que comprará a prestação, no carnet. Em poucos meses quase todos tínhamos nosso próprio aparelho, fomos substituindo as cadeiras, os banquinhos na calçada pelo sofá, a mesa do jantar, pelo sofá, e as conversas sussurradas pelo psiu, ” Assim não posso ouvir o que dizem”.

Enquanto víamos ao vivo, cada uma na sua casa, a chegada da Apolo XI à lua, morria a dona Isildinha. Ninguém sentiu sua falta antes da manhã do dia seguinte, quando ela não saiu para varrer a frente de sua casa.Apolo XI.

Eu, ou meus Erros e eu!

Eu, ou meus Erros e eu!

As vezes meus erros são mais inteligentes que eu. O certo é que acada erro me ensina algo de mim mesmo, mas alguns deles me levam intelectualmente a lugares longínquos, que minha razão nem sequer é capaz de sonhar. Sonhar que as emoções modifiquem os fatos, já não sonho. Que tudo passa, mas o passar permanece no seu passar, até que então passe. Que muito da vida depende da sorte, e isso simplesmente não posso aceitar, esperar. Hoje o que mais temo é um fotógrafo, que um psicanalista, um argumento contrário.
Muitos que conheço temem ou não querem ser identificados com nenhum grupo bem definido por suas divisas, de onde podem a tudo atacar. Acontece que isso me parece a vã glória do anonimato; não sei se fazem isso por fragilidade, ou por isso se tornam frágeis, o que é um problema, me parece, principalmente, se as divisas se tornam fronteiras.
Aprendi imenso com palavras convincentes e não pelo que pudessem, simplesmente, significar, porque todo absoluto é algo patológico; por isso não me canso de repetir uma frase da MPB que diz que quem vende saúde, provavelmente é doente; o que é horroroso, espécie de misticismo religioso que baniu a teologia, ou qualquer condicionante.
Hoje quase não me entedio, não me aborreço facilmente, mas por vezes não me escapo do tédio, no entanto nesses momentos não saio a procura de fazer, ou de um acontecer, porque é muito comum acontecer algo, e temo não estar preparado, então espero o aborrecimento passar, é melhor; porque, entre outras, se não me preparo, sou campeão em fazer mal e porcamente as coisas boas, e perfeitamente as coisa ruins.

Moral da história, melhor não fazer nada sem estar minimamente preparado, senão que acaba tudo dando no mesmo, em erro. Embora saiba que possa de alguns erros tirar proveito, mas sei que de nem todos, melhor dizendo de poucos.  

EXARCONTE OU CORO

EXARCONTE OU CORO

Se quer  exarconte, mas não passa de coro,  formado por grupos de fantasmas, suicidas, afogados, prestamistas, palhaços e imbecis, sacerdotes e bispos malvados, médicos agiotas, serviçais ineficazes, bacharéis às pencas, ignorantes diplomados, corruptos  da antinomia: policiais e bandidos, pensadores estetas e estetas de toda classe e ausência, nenhum desses grupos necessita ser revalidado pelo sistema, analógico,  ao que todos contribuímos inevitavelmente. Personagens fascinantes? Sim... mas tênues, opacos, cinzas.