8 de mai. de 2016

O Voto de Teori.

O voto de Teori.

Teor do voto,
Em tese deteriorou,
Ainda, teoricamente, mas
o cheiro se fará sentir.
Na teoria e na prática
Retesou interiores de relações
desde sempre tesouro de tensões.
Do  teor inteiro, anda,
Ainda não me inteiro,
Nem que queira,
Não vou me internar inteiro,
Sou reto, sem teoremas:
A trama não vem de ultramar
É tramação de inteiro teor interno.
Teia que entristece amanhãs.
Arapuca até então turva.
Ter o teor reto não é meu teto,
Arranho, teço e torço
Sem saída, exito de existir exato.
Brumado, me escondo da curva.
Ter o teor inteiro, é ter  um tinteiro,
 uma cor, só o fundo contrasta,
Tramo com o teor, tangencio
Traço trapaças, tropeço
Do terço não sei, troço
Tricoteio filigranas, a trechos.
O turvo teor, reitero, negaceio
Negócios,  negocio.
Do troço não sei um terço.







4 de mai. de 2016

Em carne viva.

Em carne viva.


Leu pouco, sempre, agora renunciou a toda leitura
Viu muito pouco de tudo e não tem nenhuma curiosidade em ver ou observar.
Sendo realista e raso, refletiu e estudou quase nada. Logo, não tem conhecimento nenhum. 
Durante a vida se limitou a sentir. 
E neste aspecto anda com a sensibilidade à flor da pele. 
Entretanto,  com esta sensibilidade, está mais perto da  dor que do prazer. 
É como um homem que foi despojado, não tão só da roupa que vestia, mas também de sua pele.

2 de mai. de 2016

Liberdade de Pensamento. Liberdade de Fala.



Segundo Al-Farabi, ele mesmo, o pensador persa que deu origem á palavra portuguesa: alfarrábio; numa cidade governada por um déspota cruel, vivia um homem honesto, que se sentindo alvo da ira do tirano, decidiu se exilar. Como o medo havia convertido os cidadãos em delatores, o tirano rapidamente soube dos planos daquele homem, e ordenou que de nenhuma maneira fosse permitido que ele conseguisse realizar seu plano. Então o homem honesto se disfarçou de vagabundo, e tocando um tambor e cantando como um bêbado, se apresentou a uma das portas da cidade. Quando um dos guardas lhe perguntou quem era, ele responde que era um homem honesto, que queira fugir do poder do tirano. Incrédulos, lhe deixaram ir, sem suspeita.


Moral. Liberdade de pensamento. Liberdade de expressão. Parece que se pode usufruir de cada uma a seu tempo, nunca das duas ao mesmo tempo. A saída é ser o homem honesto de Al-Farabi? A falta de nobreza está em sacrificar a liberdade de pensar, para conquistar uma posição social de prestígio, e depois querer fazer crer que não se pode fazer outra coisa.    

29 de abr. de 2016

Duplo assassinato no quarto vermelho de um motel..


    Não me recordo como cheguei aqui. Sei que é um quarto de motel pelo quadro de avisos e tarifas e as instruções em caso de incêndio pendurado na porta. Seguro na mão um copo com um pouco de bourbon, o deixo cair, e assisto aturdido como os cristais se esparramam como contas de um colar. Há uma janela aberta. O vento move sem vontade as cortinas vermelhas. Detrás das cortinas aparece um japonês da PF anão, sorri para mim e começa a dançar. Estala os dedos ao ritmo de uma música que não ouço, com sua voz gutural diz algo incompreensível: - “A gente assaz sina é pedreira, né.”
    Desvio o olhar do monstrengo e me
    sinto estranhamente turvado, é quando vejo Eliane Catanhede sentada discretamente numa poltrona num canto do quarto, sorri, mostrando duas filas simétricas de dentes alvíssimos e ajusta a saia sobre os joelhos num gesto ensaiado. O anão japonês da PF segue dançando sobre o piso de tabuleiro de xadrez do quarto vermelho.
    Da janela me chegam rumores de vozes roucas e discordantes. São agentes da PF, também, porque percebo claramente um “ Temos um duplo assassinato”. Logo as vozes são abafadas pelo ruído de sirenes e barulho de passo sobre pedras britadas. Estão rodeando o edifício, ao que parece o assassino se encontra ainda no motel.
    O anão japonês da PF já não dança, está imóvel, como uma caixinha de música sem corda.. Eliane Catanhede jaz sem ânimo sobre a poltrona. Agora entendo tudo. O anão japonês da PF, ou talvez Eliane, suspeito, colocaram alguma droga no bourbon que demorou a fazer efeito. Perdi muito tempo contemplando absorto um baile que só existia na minha cabeça. Um duplo crime. Está claro quem é o assassino, porque o trinco da porta do quarto está fechado por dentro, e Eliane e o anão japonês da PF estão mortos. Esmurram a porta. -- PF! Abra imediatamente.    

27 de abr. de 2016

Uma ponte para poucos.





Se queremos nos conhecer, a nós mesmos, devemos entender nossas trajetórias. Donde viemos até adonde vamos. E especialmente saber, se vamos para onde dissemos que iríamos, ou queríamos ir. As trajetórias são mais valiosas que a acumulação de experiências e tropeções pontuais, porque as trajetórias criam hábitos. Se não a avaliarmos não pode haver consciência do próximo passo. Que pode ser um desvio de rota, para o qual não há retorno. Como país, a rota democrática, sempre a interrompemos. A ponte que propõem nada mais é que um retorno ao passado mais cruel. A rota do aniquilamento da maior parte da população. Em qualquer momento haveremos de tentar novamente, e recomeçar do zero.

só vou te contar um segredo não nada,nada de mal nos alcança pois tendo você meu brinquedo nada machuca nem cansa

só vou te contar um segredo 
não nada,nada de mal nos alcança 
pois tendo você meu brinquedo 
nada machuca nem cansa.  fulgaz, Marina. 


Normalmente, contam-me coisas que já sei, mas as vezes no meio da conversa aparece um detalhe, novo, um perdigoto, um lapso de linguagem, um sem querer, que recolho com cuidado, como se fosse um coração pulsando fora do peito, carrego-o com carinho, até o novo dono. Não se pode desperdiçar nenhum detalhe das conversas, não desperdiço, porque não se sabe se se converterá, lá à frente numa ponta de um novelo que se pode ir puxando, puxando. As vezes, e isso é o mais desesperador, me contam coisas com a condição de que não as conte a ninguém. Sim, digo que sim. Ouço em silêncio. Me emociono. E calo. Para sempre. Normalmente, isso que tenho que guardar, é aquilo que daria verossimilhança e intensidade a um relato, e tem que ver, claro, coma as coisas humanas dos que compartilham com os demais humanos. Tenho o quintal cheio de buracos, nos quais enterrei meus segredos. Está se tornando um campo minado, mas a alguem tenho que dizer o que me calo, para que não me expluda.

22 de abr. de 2016

Velório de Nézin do Corote e Mel Gibson.



No funeral do Nèzin do Corote o padre passou seu sermão, curto, falando de Mel Gibson. A câmara ardente estava cheia, muitos candidatos. Nèzin nunca teve uma relação estreita com Mel Gibson. Não teve nenhuma, na verdade. Mas o padre achou que tinha o zap, sete-copas e espadilha. O caso é que o tipo não havia começado mal o despacho: “vejam vocês, nessa vida não somos ninguém.
De um dia para outro um ser querido nos deixa, assim, inesperadamente. Repentinamente.” Ele sabia, mas não ia dizer nada, ali à frente da mãe e dos irmãos de Nèzin do Corote, sobre sua entrega a Allan, alambique; e continuou ...” bom como Nèzin que só tinha 50 anos, tampouco era uma criança...” Vendo que não podia falar muito da vida porca de Corote, decidiu falar de Mel Gibson. Desse sim, sabia muito. Deve ser por culpa do filme Paixão de Cristo.
Não creio que o padre tenha gostado ou visto o filme, mas dá no mesmo, é como se o tivesse visto. E se meteu com o cineasta como sempre fazemos, seja, direto no bolso. Esse Mel Gibson, tem mais dinheiro que estrelas no firmamento. Aquela metáfora, ou como quer que se chame esta hipérbole demente, me pareceu dum valor poético altíssimo e precioso, e um tanto acidental.

Recordei disso, não sei bem por quê, acho que foi com a história de um senhor do Adelino Simeone, um bairro da periferia de Ribeirão Preto, digamos, José, seu José, que morreu faz uns meses, numa casa cheia de lixo. José tinha síndrome de Diógenes. Tinha também uma bicicleta velha, que passeava pelas tardes. Ia de lixo em lixo, tomando os desperdícios como tesouros. Até um computador encontrou. No mundo real, José era um sujeito fodido, sem família nem trabalho, um louco de vida desgraçada e penosa. No mundo virtual, se transformava, como se transforma Clark Kent ao sair da cabine.



No Facebook, José se sentia Super-homem. Enfeitara seu perfil com fotos do rio Pardo, de poentes, e de amanheceres. Bendizia a paz, o amor, a esperança. Muitas crianças, cães e gatinhos. E tudo era curtir e amei. Não estava só. Tinha 700 amigos. Tinha mais amigos que estrelas o firmamento. Feliz. Naquele dia, que faz meses, abandonou a realidade de vez, aos 51 anos, emparedado pelo lixo, foi encontrado só, primeiro pelos urubus, depois pelos vizinhos, mera repetição, veio o Datena. E o padre, também becado, nem foi até lá, para falar mal de Mel Gibson. Acho que já virou pó, desse que se fazem estrelas, dessas que abundam no firmamento. .